Deixa Isso Pra Lá
Eu não sou meu nome. Ou sobrenome. Nem minha idade, cor ou sexo. Esqueçam-se filiação, parentesco, profissão, fotos 3x4, imagens, registros notariais. Passo longe do meu endereço residencial, caixa postal, rede social. Pois tudo aquilo que me identifica, não é capaz de me revelar, tampouco o meu próprio corpo. Absolutamente nada pode responder quem sou eu, inclusive as pessoas que me conhecem. Eu mesmo, ainda me pergunto. E é justamente esta resposta que emerge, desponta e vinga, mesmo não sabendo apresentá-la a contento. Eu poderia disfarçar e fazer como os outros e seus cadastros, assumindo definições e conceitos. Mas não, eu realmente não sei dizer quem eu sou. Se um dia eu souber, ficarei mudo. Farei disso um segredo, e as vozes dos outros, seus retratos e identificações continuarão a passar despercebidamente por mim. Tudo por eu acreditar que há algo muito além do que se possa ouvir, ver ou comprovar. Sim, porque ser alguém, é uma coisa relacionada ao que a gente sente. Eu sou aquilo que eu sinto. E apenas eu sei este significado. Nem que eu contasse para alguém, a dimensão que ele atinge, é compreensível unicamente por mim. Podemos contar sobre sensações, que no ouvinte chegarão como noções, jamais sentimentos: estes, dispersam-se pelo ar quando fogem na forma de voz, mudando de estado físico, de conversa, de hábito, sem percepção. Poderiam me chamar de egoísta, por não me revelar. Mas prefiro que não me chamem, pois não vão acertar. Aqueles que pensam que me conhecem, inventaram uma ideia com dez por cento do que eu não sou. Eles não sabem que eu desisti de lutar contra isso. Assumi um desafio de me encontrar, já há algum tempo. Por isso não me preocupo quando sai algo das poucas bocas malditas, pois vai direto para as muitas bocas de lobo: meus ouvidos já não suportam inverdades, dou-lhes desprezo. Deixa que digam, que pensem, que falem. O que importa, é que a verdade é soberana, única, imaculável. Essa que eu levo sempre comigo, aonde quer que eu vá. Ninguém quis vir junto, nem assim vou esmorecer. Só deveria trazer comigo, alguém que também fosse o que sentisse, por isso venho só, não fiz por onde encontrar alguém assim. Nesse caminho em direção à minha essência, que é mesmo longo, às vezes cansativo ou dolorido, mas é a minha missão, traz-me orgulho sem igual permanecer nele. Quando eu chegar lá - em primeiro lugar e a sós - o dia em que eu me deparar frente a frente comigo mesmo, farei um brinde à vida. Porque nessa caminhada percorrida, eu vi as coisas mais belas que eu não tive. Foram as mais belas coisas que eu só pude sentir...
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