quinta-feira, 5 de março de 2015

Crônica Cotidiana 16



Ele me pediu ajuda. Do nada, revelou-se o desespero em sua totalidade. Referências espaciais, os pontos de vista que diferenciam as pessoas inclusive entre elas mesmas, então no tempo. Não havia tom de súplica, até achei que o tal desespero foi exagero meu. Mas percebi que sua mão estendeu-se vazia no breu da cidade oculta. Um grito silente cortou a noite em dois gomos de substância química com teor ácido sobre aquela insistente sobrevida - como se todos nós não estivéssemos por aí sobrevivendo. Drogadição, o mal do novo milênio que já se continua dependente. Tímidas, minhas primeiras palavras soaram como paternidade, de alguém que colocou a experiência à mesa em lugar das cartas de adivinhação. Não sou pai de ninguém a ponto de me considerar pai de alguém que não meus filhos, mas a condição temporária se fez presente diante do apelo. Num segundo momento, a mesa estará cheia de frases, para que ele possa ouvi-las com atenção de um sujeito são de esperanças. Amigo, lhe direi em síntese, que isso é questão de fuga. Uma fuga virtual que, quando cessa, traz uma realidade muito mais cruel do que era antes de se fugir. Não adianta mudar de cidade, obrigatoriamente leva-se junto seus órgãos internos, cheios de passado em sua composição, bastando olhar para dentro e ver o que há. Viagens? Não! Ilusão de ótica emocional. Fantasia de sentimento surreal. Mundo das estrelas, cadentes como meteoritos sobre o mar que ninguém viu. Ninguém o verá, se continuar assim. Mas alguém o encontrará, se houver mudança. Para tudo tem-se um princípio, e é justamente a humildade em pedir auxílio, o primeiro dos passos. Olhe para os lados, jamais para trás. A estrada já é outra, para todo aquele que deseja recomeçar. Desintoxicar-se, depurar-se, libertar-se. É muito difícil banhar a alma, por ela não ser tátil. Ou purificar o espírito, por ele não ser material. Pior ainda, seria lavar a mente, por ela também ser líquida. Sim, o pensamento é líquido, tão líquido quanto a natureza das mudanças que se apresentam à frente de nossos corpos. Não há troféus para quem consegue extinguir seu passado errante: há medalhas, invisíveis, mas reluzentes para dentro do peito, onde ninguém vê, apenas nós é que sentimos. Olhe para dentro, e descubra que ali por perto está o segundo passo. É você quem há de dá-lo. Aproveite o movimento que lhe trouxe aquela humildade, e siga em direção ao seu amanhã. Pois existem questões na vida, que nós primeiramente precisamos nos livrar até do nosso hoje, o nosso presente, do aqui e do agora. 


Nenhum comentário:

Postar um comentário