terça-feira, 23 de maio de 2017

O Valor da Paz


 A paz tem um preço. Relacionamentos duradouros, são nada mais do que clientes antigos, que a negociam, mutuamente. 
 De tanto sucumbir ao tempo, chega-se a pensar que a paz está localizada num espaço, mesmo que ainda indeterminado. 

 Para os músicos, a paz vem em forma de onda que invade horizontal. Para os poetas, ela passa reto no horizonte, em paralelo. 

 Ou a paz é um dos valores, ou é a mãe de todos. 

 Se a paz tivesse natureza contratual, as pessoas lha respeitariam um pouco mais. 

 Por que a música conforta, se ela nasce de outra agonia? 

 Somos todos atores: profissionais em casa, amadores nas ruas e figurantes em nossos sonhos. 

 A indiferença não tem parentesco com a paz, é apenas a sua vizinha mais filha-da-puta. 

 O silêncio, é o barulhinho da paz. 

 Há quem encontre a paz somente depois do conflito: esses, são outros prescindíveis. 

 Nada pode resumir a paz. Ela jamais se reduziria a um pássaro, a um lar, a um amor. Ou é tudo junto, ou não é paz. 

 Os que vestem a guerra com roupas da cor da paz, são ignorantes em transparências. 

 Um telefonema ou uma mensagem, são só gestos que apenas simbolizam a paz então distante. 

 O coração não precisa de paz. Ele necessita poder ser um coração. 

 A paz tem um valor. Solitários, são os fracassados em negócios. 


A Paz - João Donato / Thais Morell & Nina Oliveira





Mundo de Quê


Cama de gelo
Casa de pedra
Porta sem retrato

Roupas de brim
Sapatos de camurça
Ternos sem linho

Emprego de sobrevida
Lazer de velho
Cultura sem valia

Colegas de estação
Amizades de plástico
Parentes sem sangue

Música de branco
Poesia de areia
Natureza sem vida

E todos os amores, de abacateiro..



segunda-feira, 22 de maio de 2017

Parágrafos




Solidão, coisa que vai além dos muros. Começa lá na cama, muda para o banheiro, a sala, cozinha & jardim (tinha uma revista assim, ou quase). Daí, para fora de casa – casa que não é lar, porque lar tem bastante gente, no mínimo, mais de um. Tão simples, ver alguém sozinho em casa e acusá-la. Como ver um bêbado num canto de bar e apontar alcoolismo restrito àquela cena. Muito pouco, talvez quase nada do seu alcance dimensional, da solidão. Ela recomeça, ao abrir o portão. No vizinho que sai ao mesmo tempo e não cumprimenta. Nos pedestres que passam pela frente e viram o rosto. No carro ao lado ao sinal fechado com olhares cruzados sem parada. Nos cafés onde cada qual se concentra em seu pedido. Nos elevadores e nos aparelhos de mão de quase todos os próximos. Alguns bons-dias alcançados servem como exceção, amenizam a crueza da coisa. No trabalho, compreende-se. Na fila da padaria, nas prateleiras dos corredores nos mercados, na espera dos caixas dos bancos. Na frieza da maioria quase absoluta dos que falaram conosco durante o dia, cumprimentos só por educação, quando tinha. Tanta gente e quanta falta de comunicação. Mas de tanta gente que a gente vê na rua, que não identificamos aqueles lances como variantes de solidão. Dizemos que o clima da cidade é frio, o semblante do povo é fechado, a tecnologia é moderna assim, a redoma curitibana é mesmo um seriado a ser lançado; entretanto, é tudo por natureza, jamais por maldade. Volta para casa. A solidão está no cachorro que passou o dia inteiro à espera e agora faz a festa. No por do sol que vai sumindo, junto com as luzes do bairro que vão se acendendo. No silêncio dos pássaros que se recolheram. No telefone que não toca, na TV desligada, na mesmice das redes sociais. No lamento do cantor ao som baixinho. No solo do violino, no compasso do piano, na bruma leve da harpista. Mas há também, solidões particulares. Na memória deste peito cinza que nunca viu jeito compatível de amar alguém. Na ausência de lembranças, na falta de esperanças. Neste mar branco de papel que me convida a colori-lo, navegá-lo, até atracar em algum lugar. A solidão que se agiganta neste último trecho da jornada, contrariando muitos que pensam a vida ser curta. Que nada, a vida é longa demais. É muita chance para ser feliz. Só não é feliz, quem escreve. Lá, num ponto equidistante entre o nascimento e a felicidade, onde tinha uma bifurcação no caminho. À direita, a estrada do viver. À esquerda, a estrada do escrever. Nas livrarias, as pessoas não sabem disso. Pensam que os livros são feitos em razão das experiências de seus autores. Que nada, pois quem experimenta a vida, é quem vive, na estrada do viver. Alguém precisava observar isso, para contar à humanidade, sobre como é olhar a vida aqui de fora, da outra estrada. A natureza é sábia. Ela equilibra muito bem as coisas. Coisas que não se aproximam, nem se misturam, apenas têm opostos. Ela fez o tudo e o algo. Fez o solo e as bactérias decompositoras. Os estádios e os travesseiros. O sol e a lua. Sorriso e lágrima, ponche e café. Fez o vento e a chuva. A música e o silêncio. A dança e o pensamento. Poema e poesia, carinho e medo. Ela fez a companhia e a solidão. Mas também fez a dor e a paz. Fez até os trevos nas estradas. Fez o amor e os escritores... 



sábado, 20 de maio de 2017

Contra-razões de Firmamento



O deserto de quem é só, tem uma extensão indeterminada, partindo do sujeito, se estendendo ao seu redor e terminando no infinito. Difere do deserto dos que não vivem a solidão, pois estes, são repletos de oásis, sujeições, justificativas e, sobretudo, conveniências.

Falar sobre quem é só, torna-se especulação, boba e fútil. Apenas quem vive a solidão, tem propriedade e domínio sobre o assunto. Por não possuírem relações intimamente afetivas, estabelecem elos com as coisas da natureza, feito o mar, as matas e os céus, alguns animaizinhos de estimação. Sua relação com a terra, é sempre ectópica.

Quem é só, reconhece amor nas coisas mais simples da vida, posto que encontrar “essa tal reciprocidade” (Tim Maia estava bêbado e trocou a letra na hora de cantar) é tão difícil quanto isolar as razões das emoções nos desencontros, para quem se lança ingenuamente numa relação a dois sem o seu princípio de reserva legal, ou seja, sem uma boa quantidade de amor próprio & outros valores que sempre nos permitem, desde que presentes, recomeçar a solidão. Não são os solitários que inventam o amor, são os inseguros comunitários do coração, que jamais se admitem sós, estão sempre com alguém a tiracolo, mesmo que seja da 25 de março.

Sua vida cotidiana tem a maioria dos sons propagando-se pelo seu pensamento, em forma de diálogos imaginários que não necessitam de posse. Surdos-mudos o fazem à sua semelhança. Têm a música, como único contraponto ao silêncio imperador. 

Difícil comparar solidões. Nem todas são iguais, não há um padrão absoluto, elas se relativizam à medida do aprofundamento individual, isto é, do quanto de conhecimento o solitário tem de si mesmo. Por sua vez, quanto mais ele se conhece, mais se liberta de emoções comuns àqueles que precisam obrigatoriamente de uma companhia, sem importar qualidade, identidade e outras virtudes. No terreno onde pisa um, quem vem de fora ou escorrega, ou se afunda. Por isso, todas – eu disse todas – as tentativas de pluralizar ou povoar uma solidão são vãs, imorais, ilegais ou engordam.

Enfim, discorrer competentemente sobre solidão, é apresentar o avesso do currículo social, no qual se destaca (na contracapa) a incapacidade de convivência afetiva mútua, ora por falta de correta interpretação do outro, ora sob inexistência daquela tal reciprocidade, que o Tim trocou na ultima hora por 'felicidade'. Talvez sejam sinônimos. Talvez não. Talvez, reciprocidade seja sinônimo de paz... 


"A solidão, é um oceano banhando o grão de areia que eu consigo dizer..."



terça-feira, 16 de maio de 2017

Novo Hardy Velho


Meus seios, estão cheios
Os maxilares
De impurezas lá de fora
Não sei mais filtrar
Cortei pelos das narinas
    como se houvesse ar puro
Depilei o ventre
    como se o sexo fosse tez
Mas tudo é atrito
Até nesse banho da noite
A lâmina em uma mão
Espuma na outra
Um Phebo encharcado
E o membro lavado,
    dando boa noite à rigidez
Como se dormir limpo,
    eu amanhecesse feliz...


Falei para ela
Filha
Se um dia a vida se for
E a eutanásia vier
Faça-me dois favores
Desligar a minha máquina
E ligar-se na literatura mundial...


A cadela, viúva
Dormindo, sonha
Sonha estar correndo nos campos
Ou atrás dele
Ou atrás da morte...


Noite seca
Tropical é só o litoral
E eu aqui
Nesses áridos quilômetros
Que separam teimosamente
As ondas,
De minha inércia..


Trânsito
Rios de asfalto
Sem contempladores
Apenas coincidências
Onde gongos acidentes
Deixam sangue
Ou deixam mortos
Que as piranhas dali perto
Vêm só para olhar
É o pesque-solte das ruas
De um povo estagnado, 
Mas se achando em movimento...


Dona Esperança servia almoços
Pratos diretos das panelas em seu fogão
Comida caseira,
    para quem almoça na rua..
Até que ela morreu
Sabemos ser assim
Um dia ela,
Outra noite, eu...


Atrás dos convidados
Vontade de dividir a vida
Que é o mesmo,
    que diminuir a morte..
Somatórias e multiplicações,
Não necessitam de festas...


Não adianta acreditarem em você
Se você veio para não crer no mundo..


Parei de escrever
Perdi a mão
Ou a conexão com meu manicômio particular..


Comer,
É um ato ilusório
O verdadeiro alimento,
A gente sente...


Nunca fiz
Sopa para um
Mas sempre faço
Sopa para mim
Há diferença,
    por eu não ser ninguém...


Falei foi de todo mundo
Escrevendo,
Maculando este espaço em branco,
Pálido e vazio,
    que é minha alva existência...


Aos vinte,
    eu olhava para cima
Aos trinta, reto em frente
Com quarenta anos,
    eu olhava em volta
Já aos cinquenta,
    é para trás que eu olho
Se chegar aos sessenta,
    o chão será meu horizonte...


O suicídio social
Sem implicar na morte do corpo,
Mas sim na libertação do espírito
É a melhor alternativa
Para quem já lidou com o impossível...




terça-feira, 2 de maio de 2017

phOTOCALIGRAfIA





Éramos TÍTULOS





Pensamuitos


A manteiga está acabando.
Preciso começar a cozinhar com alho.
Os pinhões não são mais os mesmos.
De que cor será meu próximo paletó?
Eu tinha trinta e seis panos de prato.
A cadela que solta pelos no chão de tacos.
Os pássaros vêm defecar na despensa.
O mendigo não aceitou duas camisas minhas.
Não tem mais ventuinhas no mercado de peças.
Siglas novas para carros novos com seus porta-malas cada vez menores.
As redes sociais estão se rasgando.
O pó da estrada tem mais oxigênio.
A maioria das pessoas representa fora dos palcos dos atores.
Nossos valores não possuem lugar nem no varejo.
A sede é geral.
Banalizaram a pátria.
Tornaram-se sinônimos polícia e covardia.
O paradoxo dos covardes fomentando a violência.
Eu fazia academia com meu deputado.
Temos que boicotar os mass media.
Meu telefone fixo não toca.
Algumas frases brilham feito punhal.
Elas se masturbam quase todo dia.
Queria tanto um bálsamo para meu pênis.
Agora, durmo menos de cinco horas por noite.
Não sei se a barba vingará até o mês que vem.
Sou feito uma vírgula em meio a tantos períodos completos.
Nunca mais fui pescar.
Uma inspiração passou batida na multidão.
Os violões hibernaram.
O álcool resseca meus orvalhos da noite.
O mar parece cada dia mais longe.
A solidão aumenta a cada aniversário.
Já são 907 recados para ninguém.
Escrevo em folhas secas.
E ele não pôde seguir a mulher que amou...