Solidão,
coisa que vai além dos muros. Começa lá na cama, muda para o banheiro, a sala, cozinha
& jardim (tinha uma revista assim, ou quase). Daí, para fora de casa – casa que não é
lar, porque lar tem bastante gente, no mínimo, mais de um. Tão simples, ver
alguém sozinho em casa e acusá-la. Como ver um bêbado num canto de bar e
apontar alcoolismo restrito àquela cena. Muito pouco, talvez quase nada do seu alcance dimensional, da solidão. Ela recomeça, ao abrir o portão. No vizinho que
sai ao mesmo tempo e não cumprimenta. Nos pedestres que passam pela frente e
viram o rosto. No carro ao lado ao sinal fechado com olhares cruzados sem parada. Nos cafés onde cada qual se concentra em seu pedido. Nos
elevadores e nos aparelhos de mão de quase todos os próximos. Alguns bons-dias alcançados
servem como exceção, amenizam a crueza da coisa. No trabalho, compreende-se. Na
fila da padaria, nas prateleiras dos corredores nos mercados, na espera dos
caixas dos bancos. Na frieza da maioria quase absoluta dos que falaram conosco
durante o dia, cumprimentos só por educação, quando tinha. Tanta gente e quanta
falta de comunicação. Mas de tanta gente que a gente vê na rua, que não
identificamos aqueles lances como variantes de solidão. Dizemos que o clima da
cidade é frio, o semblante do povo é fechado, a tecnologia é moderna assim, a redoma curitibana é mesmo um
seriado a ser lançado; entretanto, é tudo por natureza, jamais por maldade. Volta
para casa. A solidão está no cachorro que passou o dia inteiro à espera e agora
faz a festa. No por do sol que vai sumindo, junto com as luzes do bairro que
vão se acendendo. No silêncio dos pássaros que se recolheram. No telefone que não
toca, na TV desligada, na mesmice das redes sociais. No lamento do cantor ao
som baixinho. No solo do violino, no compasso do piano, na bruma leve da harpista. Mas há também, solidões particulares. Na memória deste peito cinza que
nunca viu jeito compatível de amar alguém. Na ausência de lembranças, na falta
de esperanças. Neste mar branco de papel que me convida a colori-lo, navegá-lo,
até atracar em algum lugar. A solidão que se agiganta neste último trecho da
jornada, contrariando muitos que pensam a vida ser curta. Que nada, a vida é
longa demais. É muita chance para ser feliz. Só não é feliz, quem escreve. Lá,
num ponto equidistante entre o nascimento e a felicidade, onde tinha uma bifurcação
no caminho. À direita, a estrada do viver. À esquerda, a estrada do escrever.
Nas livrarias, as pessoas não sabem disso. Pensam que os livros são feitos em
razão das experiências de seus autores. Que nada, pois quem experimenta a vida,
é quem vive, na estrada do viver. Alguém precisava observar isso, para contar à
humanidade, sobre como é olhar a vida aqui de fora, da outra estrada. A natureza
é sábia. Ela equilibra muito bem as coisas. Coisas que não se aproximam, nem se misturam, apenas têm opostos. Ela fez o tudo e o algo. Fez o solo e
as bactérias decompositoras. Os estádios e os travesseiros. O sol e a lua. Sorriso
e lágrima, ponche e café. Fez o vento e a chuva. A música e o silêncio. A dança e o pensamento. Poema e poesia, carinho e medo. Ela fez a companhia e a solidão. Mas também fez a dor e a paz. Fez até os trevos nas estradas. Fez o amor e os escritores...
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