terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

Portão F




Um congresso qualquer, outra profissão liberal, não para todos, é claro. Entreolharam-se nos bancos da rodoviária capital, ambos em trânsito, vindos do interior. Ela mais moça, recém-formada, instalada sem concurso numa pequena prefeitura, buscava currículo. Ele já rodado, casado e pai de dois filhos, inclusive um deles era uns quatro anos mais novo que a moça, procurava atualização. Na cidade de onde partiram para a pauliceia, os olhares sofrem morte peri-natal. Ônibus um tanto vazio. Sentaram-se em diagonal, lá no fundo, ela na fileira de trás dele, do lado do motorista. Pelo vão entre os bancos, ele podia vê-la, parcialmente. Lembrou-se de Jéssica, sua esposa, naquela vez em que, quando noivos, ele se sentiu como Bentinho. Uma vez Bentinho, sempre Bentinho; então, olhar para alguém, realmente não tira pedaços, concluíra desde que a cabeça começou a pesar. Partiram, rumo norte do país. A pista dupla da estrada garantia certo equilíbrio à visão, descontando-se os buracos e os comprometidos amortecedores do auto. Lá pelas tantas, reclinou sua poltrona ao máximo. Virou-se para a esquerda e teve o avistamento: ela, deitada com as pernas para o corredor, coberta com uma manta que lhe tapava metade do rosto. Estaria ela dormindo? Ou poderia estar espiando. Não havia como não chamar a atenção, os lábios carnudos daquela moça, salientes sob a calça legging, a tal pata de camelo que tanto falam. Na posição quase fetal dela, a imaginação pré-senil dele corria solta, começou a se excitar. A ingênua passageira posicionada de joelhos para o encosto e a retaguarda voltada para ele. Ele virou de lado, para o caso de alguém vir lá da frente para o banheiro e pegá-lo com volume extra sob a calça jeans. É certo que a justeza daquela calça não combinava bem com a silhueta dela, já que tinha um sobrepeso considerável. Mas o dito popular diz que na horizontal e na piscina, todo mundo é igual. Permaneceu ali, curtindo sua fantasia gratuita, sem pecado nem juízo, apenas com a dúvida de que se ela poderia estar com um canto de olho em sua direção. Os embalos de sexta à tarde não se tornaram cult movie, mas o fizeram cochilar alguns minutos, naquela posição. Quando despertou, a surpresa: ela estava com os dedos de uma mão, tocando-se sobre a calça. Como se não tivesse tecido sobre a vulva, ela deslizava-os pelos grandes lábios, agora maiores pelo sangue estimulado. Lentamente, suas unhas vermelhas faziam parecer uma nudez total daquele órgão pulsante. O espanto diante da cena, o fez pesquisar os outros passageiros, todos dormindo. Voltou à sua casamata aberta, mirando o inimigo, ou a amiga, enfim, a garota generosa e destemida que se masturbava languidamente como que em público, tipo “tô nem aí”. Os olhos cerrados dela continuavam lhe incomodando. Mas quando ela começou a mordiscar os lábios da boca, ele não aguentou e abriu o zíper. Dizem os sexólogos que a masturbação mútua é a forma de sexo mais saudável, não engravida e nem contamina. Haja determinação para ficar só nela. Pois bem, nosso protagonista, já de membro para fora, em sua luta visual entre a garota e o corredor. O calor dos corpos obviamente aumentou, e ela resolveu tirar a sua legg até um pouco abaixo da bunda para poder se tocar diretamente. Depilada, resolveu arriscar mais e introduziu um dedo da mão esquerda em seu ânus, mais vagarosamente ainda. Roberto já não se aguentava, o mistério aumentava a galope, como que ela não cuidava o que estava fazendo? E se passasse alguém? Mas ele não reparou que a posição da manta, escondia a visão da sua vagina para quem olhasse de cima, só ele tinha esse prazer. Ângela com dois dedos dentro de si pela frente, e um por trás, agora em ritmo sincronizado, vai e vem. A blusa dele já melada de tanto mascarar seu ato libidinoso, lascivo, delirante. Quando de repente, ela abre totalmente os olhos dando de cara com ele. Engoliu em seco, guardou o pau e fechou os olhos de imediato. Mas nada ouviu e em menos de um minuto, fitou-a novamente: ela estava sorrindo no canto da boca. E olhando-o ao mesmo tempo. Então ele perdeu toda a compostura, o medo e a vergonha e se entregou aos caprichos da pequena tarada. Tentou mostrar-lhe o pênis, ela abriu a boca e passou a língua pelos lábios. Fez menção em levantar-se, mas ela fez o sinal de pare. Também, por mímica, mandou que ele continuasse a se masturbar. O ritmo dos dois aumentou freneticamente, separados por dois bancos, unidos por seus delírios. Aí ela olhou bem fundo nos olhos, trancou a face e gozou sem fronteiras, escorrendo um líquido gotejante no chão. Quando ele estava quase lá, o ônibus diminuiu a velocidade, entrou para o acostamento, era a parada para o almoço. Ele recompôs-se, e se sentou em posição franciscana. Já na plataforma, o motorista grita que eles têm meia hora para a refeição. Ela passa por ele, nem olha, sequer o cumprimenta, e vai ao banheiro da parada. Ele permaneceu no ônibus, quem sabe para um retorno físico, já que todos haviam descido. Mas ela foi a última a subir, indo direto para o seu lugar e virou de costas para ele, como se nada tivesse ocorrido. O bobão, ao reinicio da viagem, teve ciência de que caiu no conto da dominação da carne, onde um faz de si mesmo, senhorio, e do outro, escravidão. Objeto, de consumo, descartável, obsoleto. E pensar que há tanta gente unida assim desse jeito. Pelo menos, eles foram cada um para um lado, nem se viram no congresso. Ele procurou, mas nada encontrou. Ela sim, encontrou o que queria, submeter algum estranho aos seus deleitosos caprichos assexuais. Tão déspota, que nem soubemos seu nome. Roberto, voltaria para casa com uma não experiência...estranho isso. Coisa deveras animalesca para merecer algumas linhas de pseudoficção. Serão as fantasias, humanas? Ou serão os deuses, astronautas? Qual o limite das pessoas, qual o fim do céu? Vagamos pelas estradas, pelos ares e pelos mares, sem saber muito sobre o sal da Terra. Vida doce, é outra coisa. A felicidade, não comporta extremos, ela tem sabor agridoce...



sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

A Cor da História




Eu vi sangue. Vi sangue escorrendo pela fresta da tumba. Um vermelho escarlate sugeria a visão cortante de um sol a pino, escaldante para toda retina. Ali, uma história, morta. Mas aonde teria se passado a tal história? Espalhada eternamente em alguns pontos não turísticos pela cidade, ou resumida a sete palmos sob aquele lote incógnito e macabro? Sei que ela pode sangrar, percebi isso através de vários sentidos. Ninguém escreve a sua própria história, ou desenha, sequer rabisca. Mas pode pintá-la, como a cor de uma casa, dos quadros, dos automóveis. As pessoas se locomovem pelo mundo, feito traço de arquiteto em plantas de cidades e avenidas, casas e quartos. Vilarejos, ruas, apartamentos, quitinetes também. Vidas inicialmente sem cor, aguardam alguma tinta que lhes diferencie ao menos entre si. Talvez nosso caminhar seja justamente este, apanhar coisas pela frente para transformá-las em algo colorido. Porque as cores são belas, elas desafiam o simples globo ocular e querem ir fundo, até impressionar a alma. Entram pela percepção, caem como que na corrente sanguínea para então espalharem-se pelo organismo. Quando a história de uma vida inteira passa descolorida, só restou o sangue para contar, isto é, ratificar o silêncio dos vazios, das indiferenças e das omissões. Enquanto as cores viram memória e saudade, a pequena poça resseca ao calor que nunca sentiu, manchando de coisa alguma o cimento e os azulejos, sinal de que realmente nada havia a precipitar, gostar ou amar. Não havia flores sobre o pequeno mausoléu. A chuva lavou a mancha. Comorientes, ele e sua própria história. Um mês depois, a tumba continuou a inexistir...