Eu
vi sangue. Vi sangue escorrendo pela fresta da tumba. Um vermelho escarlate
sugeria a visão cortante de um sol a pino, escaldante para toda retina. Ali,
uma história, morta. Mas aonde teria se passado a tal história? Espalhada eternamente
em alguns pontos não turísticos pela cidade, ou resumida a sete palmos sob
aquele lote incógnito e macabro? Sei que ela pode sangrar, percebi isso através
de vários sentidos. Ninguém escreve a sua própria história, ou desenha, sequer
rabisca. Mas pode pintá-la, como a cor de uma casa, dos quadros, dos
automóveis. As pessoas se locomovem pelo mundo, feito traço de arquiteto em
plantas de cidades e avenidas, casas e quartos. Vilarejos, ruas, apartamentos,
quitinetes também. Vidas inicialmente sem cor, aguardam alguma tinta que lhes
diferencie ao menos entre si. Talvez nosso caminhar seja justamente este,
apanhar coisas pela frente para transformá-las em algo colorido. Porque as cores são belas, elas desafiam o simples globo ocular e querem ir fundo, até impressionar a
alma. Entram pela percepção, caem como que na corrente sanguínea para então espalharem-se
pelo organismo. Quando a história de uma vida inteira passa descolorida, só
restou o sangue para contar, isto é, ratificar o silêncio dos vazios, das indiferenças e das omissões. Enquanto as cores viram memória e saudade, a
pequena poça resseca ao calor que nunca sentiu, manchando de coisa alguma o cimento e
os azulejos, sinal de que realmente nada havia a precipitar, gostar ou amar. Não
havia flores sobre o pequeno mausoléu. A chuva lavou a mancha. Comorientes, ele
e sua própria história. Um mês depois, a tumba continuou a inexistir...
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