sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

A Cor da História




Eu vi sangue. Vi sangue escorrendo pela fresta da tumba. Um vermelho escarlate sugeria a visão cortante de um sol a pino, escaldante para toda retina. Ali, uma história, morta. Mas aonde teria se passado a tal história? Espalhada eternamente em alguns pontos não turísticos pela cidade, ou resumida a sete palmos sob aquele lote incógnito e macabro? Sei que ela pode sangrar, percebi isso através de vários sentidos. Ninguém escreve a sua própria história, ou desenha, sequer rabisca. Mas pode pintá-la, como a cor de uma casa, dos quadros, dos automóveis. As pessoas se locomovem pelo mundo, feito traço de arquiteto em plantas de cidades e avenidas, casas e quartos. Vilarejos, ruas, apartamentos, quitinetes também. Vidas inicialmente sem cor, aguardam alguma tinta que lhes diferencie ao menos entre si. Talvez nosso caminhar seja justamente este, apanhar coisas pela frente para transformá-las em algo colorido. Porque as cores são belas, elas desafiam o simples globo ocular e querem ir fundo, até impressionar a alma. Entram pela percepção, caem como que na corrente sanguínea para então espalharem-se pelo organismo. Quando a história de uma vida inteira passa descolorida, só restou o sangue para contar, isto é, ratificar o silêncio dos vazios, das indiferenças e das omissões. Enquanto as cores viram memória e saudade, a pequena poça resseca ao calor que nunca sentiu, manchando de coisa alguma o cimento e os azulejos, sinal de que realmente nada havia a precipitar, gostar ou amar. Não havia flores sobre o pequeno mausoléu. A chuva lavou a mancha. Comorientes, ele e sua própria história. Um mês depois, a tumba continuou a inexistir... 

   

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