sábado, 30 de dezembro de 2017

Dois Tempos da Eterna Solidão


Mil novecentos e noventa e dois, dezembro. Comando do Quinto Distrito Naval do Rio Grande, último dia do ano. Eu, de serviço na unidade junto com alguns praças: um sargento, um cabo, um marinheiro e o taifeiro, além do fuzileiro naval na guarita de entrada. O resto do pessoal já havia ido embora, mais de centena. Naquela tarde, conduzi novamente o cerimonial de recolhimento da bandeira, estava escurecendo. Apareceu outro sargento solicitando que a viatura pegasse a esposa dele num bairro da cidade, ele também estava de serviço, mas na Capitania dos Portos, ao lado. Consenti. A pistola 9mm em minha cintura era apenas um adereço na decoração da farda militar. Permaneci no quarto do oficial de serviço lendo algum livro (talvez fosse Blavatski) até que vieram pedir que eu liberasse a geladeira do rancho, pois quase todos os praças de serviço na Capitania iriam comemorar ali com seus parentes, fora os quatro do Comando, eles precisavam dos refrigerantes que o intendente negara pela manhã. Impossível repetir o ato dele, ainda mais vindo de um subordinado 2º Tenente, eu era 1º. Um silêncio sepulcral, fui dar uma volta pela OM (organização militar), por dentro e por fora. Na segunda sessão, verifiquei que os navios do Comando estavam devidamente plotados, em terra. Lá fora, nada se mexia, além dos pássaros que bebericavam no canal. Voltei, fui à Praça D’Armas, o refeitório dos oficiais. Liguei a TV e o taifeiro perguntou que horas eu queria a ceia de ano novo, pedi que servisse às 23. Quinze minutos antes, dirigi-me ao rancho, todos já estavam sentados com suas mulheres e crianças, umas trinta pessoas. Desejei-lhes um feliz novo ano, repleto de realizações e esperança, já que o governo Collor representou os dois piores anos das Forças Armadas em toda a sua história. Saí dali, eles começaram a cear. Quando voltei, o taifeiro deixou a bandeja com a ceia e minha tradicional água com gás sobre a mesa, desejou-me feliz 93, pediu licença e recolheu-se aos seus colegas no rancho. Antes de comer, sentei-me no sofá, desliguei a TV e chorei um pouco. Por aquele povo que trabalhava de serviço numa data tão especial, impedido de estar em casa com mais parentes. Refleti sobre meu futuro. Jantei, vi a passagem de ano na TV a única vez em minha vida e fui dormir.  

Dois mil e dezessete, dezembro. Caverna do Tarumã em Curitiba, último dia do ano. O desafio. Driblei a todos, não muitos, mas o suficiente. Aloquei pessoas, inventei destinos, realizei mentiras. Tudo na mais sutil arte do embuste, o engano. Claro, que sem ferir ninguém. E consegui, o triunfo de minha solidão. Nesta virada do ano, livrei-me de tudo e de todos, para ficar sozinho. Pela primeira vez, resolvi experimentar uma situação semelhante à de 1992, só que tomada de vazios, todos. Reflito sobre meu presente, já não há mais futuro. Tanta coisa aconteceu de lá até aqui, passaram-se 25 anos. Trabalhei em três estados, cinco cidades, nove empregos, serviço público em todas as esferas de governo, clínicas particulares e grupos de saúde, e agora uma empreitada. Casei, fui pai duas vezes, me divorciei. Fiz outra faculdade. Morreu um dos meus dois cachorros. Raras paixões, nenhum amor, sexo suficiente. Mas o que mais me chama atenção nessa noite de virada de ano, não é uma mesa com brasileiros ceando longe de suas casas. É a falta de diálogo das pessoas neste momento nacional. É certo que o golpe dividiu a sociedade. É certo que a tecnologia afastou as pessoas criando vácuos artificiais na sociedade. Mas tudo isso é errado, penso eu. E não poderei resolver. Então, eu concluo planos para este meu presente-próximo. Então eu revisito minha garagem de valores, meu porão de verdades e meu sótão de afetos. Como um astronauta, subo rumo a 2018 numa cápsula tão reduzida, que quase posso ver quem são as pessoas que sobraram em minha vida. Naquela mesa do Comando, eram 30. Nesta mesa imaginária de hoje, sem contar comigo, são 5: duas filhas, minha mãe e um amigo. A meia-noite chega, os foguetes começam, a cadela Buba corre para dentro. No mundo inteiro, pessoas comemoram presencialmente a entrada do ano novo. Aqui, neste mundinho meu, não comemoro isolado pensando em minhas filhas e na mãe. E choro. Não de tristeza, mas de sensibilidade. Porque ainda arde em mim uma ausência. Então, minhas lágrimas em formato de rio, deslocam-se para o mar, eu já disse isso. O mar, é a minha ausência. É o quinto elemento em minha mesa imaginária. E as lágrimas vão indo por simples espontaneidade da natureza. Sem tristeza, mágoa, rancor ou ressentimento, pois tenho a consciência de que eu não haveria de ser amado: apenas, "porque não tinha que ser". Basta-me aquela ausência, para escrever, percorrer a natureza e chorar quando for preciso. A solidão, é talvez a mais bela forma de reconhecer quem está mesmo ausente em nossa vida. Não há ninguém aqui, posso até perguntar em voz alta, sobre algo que já aprendi. Mar, onde está você?... 

 Poesia incidental: 
 “Consolei-me, voltando ao sol e à chuva 
 E sentando-me outra vez à porta de casa. 
 Os campos, afinal, não são tão verdes para os que são amados 
 Como para os que não são. 
 Sentir é estar distraído.” 
 - Alberto Caeiro  





phOTOCALIGRAfIA





quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

Entredatas












“Os nunca politizados, pegam facilmente carona com qualquer desconhecido...”

“Todo preconceito, é um constante perigo de se transformar no objeto do próprio preconceito..”

“Na eterna luta de classes, enquanto B não admite o giro vertical da pirâmide social, o pavor de A é que esta se transforme em ampulheta.”

“O ódio alheio é como o tsunami. Precede-se por um recuo silencioso do mar, guardadas as devidas proporções em relação à duração deste recuo...”

"Há quem atribua à morte, valor de nascimento. Então, desprezam alguém a vida inteira, para em seu velório, compensar tanto desprezo. Na verdade, é somente para atestar a inversão de seus próprios valores."

“A necessidade de aparecer feliz na rede social, é diretamente proporcional ao vazio individual.”

“A raiz de todo problema, está na disciplina: ou ausente, ou em falta, ou imperfeita.”

“Apenas os artistas têm competência para encontrar pessoas quentes numa cidade fria.”

“Repare que toda falta de um amor, é compensada com muitas formas de criatividade. Já a ausência dele, admite uma só forma.”

“Viajar, é percorrer 360º em volta de sua missão.”

“O homem sobe a montanha, só para ver o mar que está perdendo.”

“A fome, é uma ansiedade por algo de natureza distinta do alimento.”

“Bebidas alcoólicas são feitas para quem tem sede de saliva.”

“Não pensem que os solitários passam as festas de fim de ano em branco: eles ganham novamente seu belo presente, a realidade...”

“A música, é a hóstia dos ateus.”

“Experimente, mexa com a Física, invertendo seus polos: diga sim para os seus medos e não para os seus segredos. Pois reconhecimento e revelação, são libertadores...”

“Não espere aviões. Construa barcos.”

“Ou é o homem que se aproxima da natureza indo às florestas, montanhas, rios, saltos e cachoeiras; ou é a naturalidade da morte que assim se aproxima do homem...”



quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

Trítico 1




Ela disse bem assim, “o ser amado que está fora, já mergulhou mar adentro”. Então ela passeia na beira-mar cantarolando em sua espera. Algumas frases têm me enlouquecido ultimamente, pena que perco a maioria delas no vento. Não posso questionar os fatos que a inspiraram, apenas me pergunto por que razão ele se foi mergulhando no mar. Teria seu amado ido atrás de alimento? Ou ela ainda não o conhece e tem a certeza que ele vem do mar? A poesia quando vem a parir uma música, deixa interrogações para o pensador, contemplação para o observador e êxtase para o ouvinte. Não precisamos saber ao certo a sua história, basta a beleza da canção. Minha teimosia em refletir as coisas da vida ainda vai me matar numa curva da 277. Se ela ao compor aguarda o retorno de alguém do passado, ou ela se guarda para a chegada de outro alguém no futuro. Eu queria que não fosse nenhum dos dois, porque ambos indicam sofrimento. No primeiro caso, a falta de perspectiva quanto as novidades; no segundo, o excesso de expectativa quanto a elas. Peguei a letra nas mãos, fui passear pela casa do pensamento meu, até concluir que é sim algo futurista. Essa coisa chamada esperança, que algumas pessoas criam em seus quintais dos fundos, de encontrar um amor verdadeiro. Admiro tal capacidade, habilidade em jardinagem afetiva. Não é para mim. se eu chagasse na casa azulada e visse um turbilhão de rosas, avencas e jasmins, teria a certeza que não foram por mim. E eu não tolero essa coisa de se encaixar no molde sentimental do próximo. Sei que elas, as jardineiras, plantam inadvertidamente. E se houver visita, por que não mostrar tal beleza? É um jeito de se dispor a amar. Compreendo. Mas permaneço sentado no alto da pedra onde batem as ondas. Não mergulhei, penso que não. Não a vejo daqui. Em minha paisagem, mar, musgos, mariscos e areia...  

Vejo Você Aqui
(Badi Assad / Zélia Duncan, 3:29)

Pele, pérola
Flores, pétalas
Vinhos, velas
Algo em mim te espera
Silêncio, sílaba
Palavras, mímica
Solidão cíclica
Algo em mim te avista
Âncoras, cânforas, rosas
Tudo vibrando por você
Dentro da casa azulada
No fim da rua comprida, cacheada
Longas notas, músicas novas
Portas e mais portas
Caminhos sem fim
Passeiam por mim
As coisas falam por si
Vejo você aqui.


domingo, 17 de dezembro de 2017

Um Salto na Natureza



A montanha não é dos homens. A montanha é a cidade dos animais. Cheio de vazios em sua selva, o homem se lança a desafiar a montanha, como se fosse possível. Então ele invade o território que não é seu, dizendo que é pela natureza, mas na verdade é tão somente um desafio. Uma necessidade espacial, de ocupar algo alheio sem ser crime, uma compensação àqueles vazios predominantes onde mora, cuja artificialidade esfria o ambiente. Falando em ambiente, na cidade da montanha ele é selvagem, na selva do homem há selvageria. Duas coisas distintas semanticamente parecidas, mas de significados desiguais, em função das realidades dos lugares. A palavra quase certa, é desafio: um eufemismo para o que chamamos de fuga. Este, atinge proporções dimensionais, envolvendo as dificuldades encontradas na montanha para cruzá-la, e também os obstáculos existentes no homem para superá-los. Ele começa, e na primeira hora o coração acelera, o corpo vai se habituando à intentada. Depois da aclimatação, o silêncio toma conta, parecendo que os donos da casa e os rios vão sugerindo que o invasor se cale, dentro da mata e diante de si mesmo. Começam as reflexões, as buscas das respostas para problemas que aparentemente estão ali, mas que remetem à selva humana. A perda de água e sais minerais é absurda, reposta a cada novo rio com o qual se depara. A musculatura fica tensa, a mochila parece aumentar de peso, fazendo lembrar o quanto de supérfluo carregamos pela vida. Vontade de deixar algumas coisas por ali, mas a consciência ecológica impede, como também impede isso na selva humana, nem para todos. Há um objetivo, na caminhada que seria de duas horas e meia, foi de três. Paradas para normalizar o coração, poupar o restante do organismo, mais água. O caminho, é na verdade um carreiro onde só passa um, mato denso e fechado, onde o sol não chega, mas abafa feito forno. Subida, que ao final dá em quatrocentos metros de altura. Ali, centenas de cobras ocupam naturalmente seu lugar, passamos por boa parte delas, o cansaço e a determinação de cumprir a meta não permite vê-las. A morte ronda a floresta, representada a cada risco corrido num escorregão, num tropeço, numa queda, num corte, uma fratura, uma parada cardio-respiratória pelo excesso constante de esforço, o estômago se rebela. Enfim, após o último lance em aclive de 70º, chega-se ao salto. Descritível, a maravilha. Mas, como dizia a musica caipira, “o cansaço me dominou” e tal descrição caberá melhor em outra oportunidade. Uma hora e meia de relaxamento na monstruosa cachoeira, com quatro piscinas construídas pela rainha do espaço, a natureza. Aquilo não é do homem. É dos peixes, das cobras, dos insetos, dos pequenos e grandes animais que se banham e bebem naquela água gelada e pura. É dos macacos. Quando o homem assume desafio desse porte, não tem volta. Não tem ajuda, é momento de solidão. Mais do que tudo, o controle mental é quem rege os passos, entre pensamentos, sentimentos e degraus para mais de metro, lama, troncos, pedras e conclusões. O aprendizado da trilha vai longe. No sentido de sua dimensão. Sempre com suporte em força desconhecida. Quando o homem supera seus limites, vai reconhecendo essa nova força até então oculta. Força que eu não sei o nome, tão nova que eu ainda nem a imagino passando por aqui em minha selva, principal ambiente para meus outros desafios, aqueles sem eufemismo.. 


terça-feira, 12 de dezembro de 2017

Aristóxenes, 266



Um Lugar ao Sol
Eu fui feliz ali. Não se pode deixar de reconhecer que o tempo em que moramos com nossos filhos, é um tempo feliz. Ou foi. Ou era, tanto faz a perfeição do pretérito. Tratar o passado com respeito, é o mínimo que se pode fazer quando se chega ao futuro. A lembrança, é uma caixa forte que levamos na caçamba do coração. O despertar das crianças, chamando-as para o dia, para a vida, era coisa sem igual. Trocar fraldas, era engraçado, fiquei habilitado. A preocupação no banho dos nenês, para não ocorrerem acidentes. A temperatura das mamadeiras, a sopa de vegetais de liquidificador, o primeiro churrasco, um sarro. Vesti-las, uma novela. O primeiro cachorro, o segundo. Cinemas, passeios, viagens, praias e sorvetes, churros, pastéis, lanchonetes e restaurantes perto ou longe dali. Os aniversários, quanta bagunça, com decorações e camas elásticas e as primeiras amiguinhas e amiguinhos. Aliás, tudo era engraçado, para quem se fazia de palhaço tentando mostrar que a vida era um mar cor-de-rosa. Até as tempestades inundantes, os sóis escaldantes, que espaço legal naquele tempo. Olhar aqueles anjos dormindo e tê-las que acordar para os seus minicompromissos. A tentativa com as vans não deu certo. Porque o certo é simples: levar e pegar na escola, nunca faltei. A casona de bonecas, um tesouro no jardim dos fundos, tinha até luz. Algumas piscinas de plástico deram certo, outras não. Incontáveis churrascos, teve até caranguejo. Rede de praia, tinha. Muita filmagem. Jogos de futebol, tiveram seu espaço animado. A sala de visitas, que orgulho, os natais. E as aranhas marrons da sala de estar? Casa grande, com laje, piso de taco. A cozinha que deixava um pouco a desejar, trocou-se o piso. Roupas no varal, ao lado do canil, que saudade. Três ninhadas, vinte e nove filhotes, labradores todos pretos, nenhum chocolate ou caramelo. Brincadeiras e correrias, choros e gritarias. Fui pai presente. Sempre ensinando, jamais obrigando nem brigando, mas apontando entre causas e consequências. Proteção e carinho, sustento na medida do possível. Abdicar da vida lá fora para criar rebentos em casa, é transcendental. Mas o que eu não esqueço, é da hora de levá-las para a cama. Contar estórias, que não podiam ser repetidas, tornei-me um inventor de estórias. Mas sempre com personagens ocultos até elas descobrirem quem eram os camponeses, as rainhas, reis e príncipes, todos conhecidos. Depois da descoberta, o sono. E quantas vezes peguei no sono durante uma narração, sendo imediatamente acordado por elas. Essa interface sono/realidade, após o boa-noite com amor, educação, tranquilidade e segurança, é uma das pedras fundamentais de um lar. Quando fui embora e as deixei no portão, foi o pior dia de minha vida. Nunca houve nem haverá algo igual. Nunca mais eu fui dormir direito. Não há aconchego se longe dos rebentos, partes de nós soltas no mundo. Finjo que toda noite eu não lembro da imagem delas abraçadas no portão naquela noite de despedida. Mas já não finjo mais para elas que a vida é um mar cor-de-rosa. Elas sabem do mar, do azul e das outras cores. Hoje, bem orientadas, vão aos poucos desenhando e pintando seu próprio caminho. Sabem dos valores que o pai deixou feito legado. Dentre outros, a importância da presença, pelo exercício da companhia de um pai com um filho, por exemplo. Só espero que reconheçam, quando preciso for, que um dia também foram felizes ali. Mas e agora? Agora o futuro tem redes, mas são virtuais. As caçambas são de plástico e as caixas fortes são de vidro. Todo dia eu passo lá na frente, ainda moro perto. Pena que não deu tempo para falarmos sobre música e poesia, política e religião: paciência, é um lamento que eu entrego ao vento. Não reclamo da vida. Raramente, a registro em caráter pessoal. Nesta, como que em agradecimento, uma espécie de menção por respeito ao passado. Porque ali, um dia eu fui feliz. “Boi, pega o Memo, boi pega a Liz... boi pega o Memo, boi pega quem quis...”  

música incidental 





Contos da Escuridão



Três típicas batidas reais, despertam-me de um sono meio-pesado, duas vezes por ano. Não havia porta no sonho. E não sei se tinha alguém por aqui ao redor da casa. Levanto-me, acendo a luz, olho lá fora, com a discrição que todo ladrão merece. Novamente, ninguém. Quem seria, ou seria o quê? Aviso, de onde? Mais uma pergunta para a coleção de questões que levaremos daqui sem respostas. Teca, tua tia que não fala mais com Tânia; Buba, cadela que não dorme mais dentro de casa; Sandra, a brasileira que recolheu-se em sua amargura; Janete, a francesa que nunca se identificou na rede. São exemplos de indagações sem filhos, soluções de continuidade, porquês rompidos ao meio e acrescidos de eterna interrogação. Árvores sem frutos, sabe como? E temos que seguir assim, sem saber das coisas, mesmo achando que se não fosse assim, o mundo seria bem melhor. Quantas perguntas sem respostas você leva em sua mochila? Mais de vinte e cinco quilos? É perigoso para a coluna, para os joelhos. Deixe-as pela trilha, depois de algumas tentativas, não convém peso extra em longas caminhadas. E eu, ao contrário de todos que eu vejo, acredito que a vida é mesmo longa. Nada passa rápido, os calendários estão aí para mostrar o tempo que não vemos trajado de chances. Mas ele está, e bem elegante. Chances pontuais, estendidas, de toda forma repetindo-se, quase nunca sempre únicas. E não as aproveitamos. Deixamos de experimentar, deixamos de conhecer. De aprender, de sorrir. Amar, viver. Quando abandonamos estas chances que surgem em nosso caminho, alguns de nós atribuímos aos próprios fantasmas particulares, que volta e meia nos assustam e impedem de tentarmos, de aproveitarmos tais chances. Eu desisti de ligar para ela. Alguém bateu três vezes em seu quarto nesta última madrugada?... 


quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

Epílogo Imaginário com Abujamra



O QUE É A VIDA? O QUE É A VIDA?

Ø  É uma chance 
Ø  É um processo facultativo de reflexão 
Ø  É a estação de embarque para o viver 
Ø  É dar à razão a tutela do coração 
Ø  É a busca do desconhecido em nós mesmos 
Ø  É o dever de respeitar a natureza de todas as coisas 
Ø  É o atento garimpar de boas companhias 
Ø  É sentir a chuva como um banhar da alma 
Ø  É bem recepcionar o sol a cada visita 
Ø  É namorar a lua de vez em quando 
Ø  É ter o mar como objetivo 
Ø  É criar a partir da inspiração 
Ø  É contemplar toda forma de beleza 
Ø  É um lapidar de erros 
Ø  É comparar-se somente consigo mesmo 
Ø  É uma imensa cartografia de trilhas individuais 
Ø  É venerar o azul como dogma 
Ø  É uma estrela que não aparece nunca 
Ø  É um constante desperdiçar de bons momentos 
Ø  É uma recomendada expressão de toda verdade 
Ø  É uma sucessão de mortes ao nosso redor 
Ø  É não ignorar que tudo é política entre os homens 
Ø  É uma luta diária contra o fascismo 
Ø  É a extensão dos nossos desejos 
Ø  É praticar o conhecimento adquirido 
Ø  É ter a humildade de não saber tudo 
Ø  É lembrar que ela pode ter outra interpretação que não a sua 
Ø  É ver na alteridade um sentimento 
Ø  É aprender o caráter plural da felicidade 
Ø  É reconhecer que só é amor quando recíproco 
Ø  É a preservação dos seus valores através da ética 
Ø  É um incessante exercício de desapego 
Ø  É planejar a conquista da paz 
Ø  É uma chance que se renova a cada manhã 


quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

Instrumental eu sou.



"Mirage" - Jean Luc Ponty - by Andrej Kljakovic



Coletivo Solidão



Coletivo Solidão 
A necessidade de aparecer em público se mostrando 'atualizado' com a moda comunicativa. Some-se à intenção de se portar em público permanentemente 'compartilhado' ao mundo, mesmo que virtual. Compensações, que se observadas um pouco além da superfície, revelam profundezas obscuras e até abissais destes seres pseudocontemporâneos e suas condutas. Nos espaços sociais oferecidos pelo destino, como escola, trabalho, eventos, esportes, praças, ônibus, metrôs, aeroportos, lazeres ou onde quer que se junte mais de um, as pessoas plugadas, ligadas e conectadas em seus smartphones estão liquefazendo suas oportunidades de adquirir experiências autênticas, oriundas das relações reais entre os seres, através de sua intersubjetividade, interpessoalidade. Relações presenciais, substrato para o desenvolvimento de vínculos de várias naturezas, seja coleguismo, amizade, namoro, profissional, social, cultural. Hoje, vale mais enviar mensagens com códigos, palavras sem vogais, emojis e postagens sem comentários, todos reproduzidos feito eco alheio, substituindo a voz, do que dirigir um olhar e propor um assunto. Há quem só se preste a digitar, falar seria um absurdo, coisa ultrapassada, démodé. De repente, a quebrar o silêncio que acompanha este tipo nocivo e falso de comunicação, surge um espanto, uma interjeição, uma risada alta, um grito como resposta ou justificativa para tal comportamento vazio, querendo dizer na verdade, “estou em sintonia, on line, atualizado”. Fora a morte, não há nenhuma notícia que mereça ocupar o binômio tempo/espaço das pessoas, que não possa ser vista em casa, à noite. Então os cafés foram invadidos, os almoços, os jantares, as noites, os aniversários, as festas, os fins de semana, passeios, viagens, ambientes, tudo. Por consequência, o mau uso da tecnologia, a torna outro antônimo da educação. Nada mais se cria, tudo se envia. Uma extensão do organismo, este HD externo que cabe na palma da mão e substitui o cérebro humano, parece tê-lo invadido como um pen drive acoplado ao pavilhão auditivo dos indivíduos. Aquela coisa de responder a um estímulo externo, já não precisa mais de codificação cerebral, pois tudo já vem pronto e mastigado para você responder no mesmo formato, ante a velocidade do transmitirr, que atropelou a reflexão, o pensamento, o raciocínio. Tudo é tão supérfluo, que não se faz necessário refletir, pensar, raciocinar, para depois então agir. Tarde demais. Mas tarde para quê, se o tempo é prescindível? Aliás, o tempo não existe, pois todo minuto é hora para se conectar e ver o que acontece neste plano virtual. As pessoas assassinam o próprio tempo. Ferem o próprio espaço e o tempo/espaço dos que estão em sua volta. Não é crime. Jamais seria. É sim dependência psíquica. E só há um remédio para isso, que não se encontra nas farmácias, está nas livrarias. Se os aplicativos substituíram os olhares, as pessoas encontram seus partners na ponta dos dedos, para quê sair de casa? Tinder, Happn, Hot or Not, são as ferramentas modernas de approach. Instrumentos para, sob a benção dos deuses Iphone & Android, unir cabeças e corações. Os filhos destas relações – que já começaram artificiais – tendem a serem fieis à sua superficialidade. Aí, quando precisarem mergulhar na vida real, o afogamento se tornará pesada estatística. Uma gostava de trocar digitações existenciais de madrugada. Outra, de fazer sexo via internet. Teve até aquela que queria anunciar relacionamento sério mesmo sem ter visto o sujeito. Não houve uma quarta, seria além do demais. Rasguei a minha rede social. Pois descobri que existe uma solidão pior que a minha: a solidão coletiva, celular, que busca virtualmente on line a presença que não tem. Minha solidão é real, integral. É criativa, espontânea, minha agradável experiência autêntica... 



Contos Metropolitanos









As Moçonas da Cidade 
A frieza das morenas. O calculismo das polacas. A hesitação das 'alemoas'. O medo das orientais. A oscilação das mulatas e o desdém das latinas. Já passei por tudo isso, exceção às orientais, mas eu sei, eu vi, não toquei. Mulheres curitibanas, cada qual com seu veio aberto e nem tão difícil de encontrar na mata capital, fiel às suas tradições geneticamente herdadas. Basta caminhar junto, e logo aparece, a principal característica de sua paisagem. Nem todas são essencialmente assim, algumas um pouco, outras nada. Mas a tal democracia aponta para a maioria, compatível com sua origem. São coisas que evitam novos relacionamentos, ou destroem os já iniciados. Não é questão de paciência, é apenas um estado que elas atingem, no qual não se pode interagir, intervir e nem adianta dialogar. Lendo isso, elas falariam sobre os homens curitibanos e seus defeitos, obviamente. Claro que temos, mas não considero que eles tenham origem semelhante. Penso que têm mais a ver com educação, alteridade e bom senso, presentes ou não. São critérios diferentes para analisar sexos diferentes. Mulheres vêm com genótipos, homens adquirem fenótipos. Tratando-se delas, no fundo, não importa de onde vem a linhagem, e sim os efeitos desta. Acontece também, que elas formam grande população na cidade. E uma cidade com esse tipo de maioria, convida permanentemente ao exílio urbano. É aquilo que eu chamo de solidão. Repito, que o expoente trovador de Sobral está certo quanto ao seu conhecimento das capitais. A minha capital é assim. Muitas mulheres, mas em sua maioria frias, calculistas, medrosas, hesitantes, oscilantes e desdenhosas. As que se mudam para cá, demonstram-se da mesma forma, se é que já não a revelaram acolá. A diferença, é que aqui o viés é mais presente, a marca é mais forte, o traço e mais espesso. O clima pesado interfere na amplitude das relações, de toda natureza. Povo defeso, proibido, que quando ataca o faz voraz, mesmo na forma de silêncio ou indiferença. Gente que vem de fora, adapta-se à temperatura. Outro menestrel planaltino disse uma vez que o livre-arbítrio é um pensamento filosófico extraoficial a mostrar que a escada do destino, é feita por degraus de escolhas. Não tenho o quê escolher. Elas são todas assim. E eu aqui, com meu defeito, dando a entender que o amor fosse uma opção. A companhia é mesmo uma escolha, mas amar é outra dimensão. O amor não se escolhe. Não amar é sim uma opção. Eu poderia escolher uma entre elas pelo seu menor defeito, digamos. Mas outro meu defeito foi não escolher amar uma delas, e também a opção de não amar, ninguém. Pela lógica, não tenho companhia. Minha opção de não amar assusta muita gente, provoca uns, ofende outros. Todos, escolheram-se entre si, ou eles entre elas e vice-versa. Dizem que não, mas no fundo é assim. Um calçado, um esporte, um CD, uma profissão, uma companhia. Tudo se escolhe, menos um amor. Para bem amar, não precisa saber escolher. Mas para ter alguém junto, sim. Não pergunte as diferenças para mim. O que eu direi, são meus defeitos que se transformarão nos olhos do perguntador, em meu susto, minha provocação e minha ofensa. Para compensar os renitentes moradores, todas elas dançam bem. Como eu gosto do Baile do Pato. Mas é em Piraquara... 


sábado, 2 de dezembro de 2017

Liberdade, abre os blusões sobre nós












Um Fiat Palio vermelho passou devagarzinho na frente da casa, parou um pouco além da outra esquina. Dava para ver, desceu um sujeito daqueles, voluntariamente estereotipado, de bermudas, sem meias e com um capuz a evitar reconhecimento, sob o sol não escaldante. Carregava um pacote azul nas mãos e fez o caminho da volta até um condomínio de sobrados no meio da quadra, onde digitou o número da residência, sem erro. Veio um homem que, através da grade, pegou o pacote e voltou para dentro. O sujeito retorna sorrindo e apressa o passo até correr para onde o Palio lhe aguardava, já mais no meio daquela outra quadra. Delivery extra-oficial? Disk o quê? Happy alguma coisa, com certeza. Dali alguns minutos, o homem que ficou com o pacote saiu em seu Nissan Sentra pelo bairro. Fico pensando na cadeia econômica que sustenta o tráfico de drogas. Quanto mais próximo da produção, mais pobre. Quanto mais próximo do consumo, mais rico. E quem sempre cai, são os pequenos intermediários, pois os grandes, donos dos cartéis, não vão a campo, têm quem o faça por eles. Senadores, militares, megaempresários, celebridades da mídia. Helicópteros em suas fazendas entreposto, aviões em seus aeroportos clandestinos, cruzam os céus como se todo dia fosse de Brigadeiro. Nada os intercepta, nem a Polícia Federal ou o Ministério Público, tampouco o jornalismo investigativo, muito menos as denúncias nominais ou anônimas. São os intocáveis da idade contemporânea. O topo da pirâmide é um lugar para poucos e eles fazem questão que seja de difícil acesso. Para isso, doutrinam, manipulam, ideologizam a classe abaixo da deles, a do meio, servindo como barreira a impedir ainda mais aquele acesso ao vértice. Por isso, a legislação se volta para os mais pobres na base, livrando os consumidores do topo. Há quem fale na descriminalização geral, como se isso fosse acabar com o tráfico de entorpecentes. É só olhar para o contrabando do tabaco, para ver se o tráfico se encerrou. Sim, eles querem descriminalização geral, pois eles têm seus planos de saúde compatíveis, completos a tratar das respectivas dependências. Mas e quem não tem acesso à medicina privada? Vai morrer, e é justamente esse o desejo da classe alta, cujo ódio baba mais do que saliva. Ditam padrões de consumo impossíveis à maioria, elegendo modelos de comportamento e valores invertidos como cartilha da modernidade. Seu plano de metas é que a população brasileira se resuma a 80 milhões de habitantes. O extermínio de mais de 120 milhões já começou. Importante é você se posicionar estrategicamente, estabelecendo em que ponto do caminho você se encontra agora. Se você é pela liberalização geral e irrestrita sem intervenção do Estado, formando pseudocidadãos, ou se você é pela regulamentação racional da vida em sociedade. Polarizaram, agora é também difícil não seguir. Quando morava numa república, cheguei em casa e fui até o banheiro. Lá, um colega médico injetava cocaína na veia. Eu vi. Você já viu alguém realmente entorpecido por causa da administração de uma droga? Eu achei aquilo deprimente, rasteiro e condutor de desvios na trajetória natural dos homens. Não me venha falar em moral, a coisa é questão de saúde. Mas na novela real dos barões do pó, o Sentra é seminovo, e o piá mascarado vem todo mês abastecer o rico e livre desencapuzado que lhe manterá pobre e preso por toda a sua reles sobrevida... 


quinta-feira, 30 de novembro de 2017

Vanglória Deus



Ah, como ela adora aparecer! Pode se tirar o A e o “parecer” também cabe direitinho nos anseios dela. Nunca as redes sociais tiveram tanta razão de ser. Ou de “estar”. Não importa o verbo, e sim as imagens. É a típica ‘cultura de superfície’, inventei isso agora, ao escrever sobre quem raramente o fiz. Quem vivia trancada em seu cansaço, sua falta de dinheiro e a proteção integral aos filhos, hoje, com o mesmo esforço e um pouco mais de capital, passeia pelo mundo não sem registrar nas páginas virtuais suas belas aventuras; claro que agora sem os filhos, então filhos do mundo, outrora justificativa para a clausura. Escolheu outro homem para chamar de seu, uma dessas religiões para chamar de sua, e compartilhar o sentimento de prosperidade no culto, que significa a mesma coisa que ostentação fora dali. Precisava de um deus para remover suas culpas e de um Jesus para pedir desculpas, ambos tutores de seus pecados. Sexo? Basta ajoelhar-se aos pés da cama e orar ao Senhor. Álcool? Basta compensar com o dízimo. Ruindade? Tem culto domingo. Ódio? O pastor abençoa: a doutrina vai até onde lhes convém. Tudo novo e a felicidade estampada no sorriso de quem só tem o sucesso para mostrar, mas nenhum valor humano guardado, nenhuma virtude a ser descoberta. Mas a rede é de seda. Atrás, ao redor de cada imagem, palavras subliminares ora sussurram, ora gritam “olhe como estou agora”, “veja o quanto eu mereço”, “saiba o quanto eu posso” e tantos outros recados que afastam toda e qualquer aproximação de humildade, senso e até mesmo lógica. Isto sim é que se chama de biodiversidade. Problemas de ordem psíquica, sequelas de um passado onde foi injusta, desleal, cruel e sobretudo omissa em relação ao seu sentimento, quer dizer, à ausência deste. Fosse honesta, poderia estar ou ser feliz bem mais cedo, talvez até sem os filhos que hoje já nem liga mais deixar em casa, ou na rua, em qualquer marcador do binômio espaço/tempo. Infelizmente, só aprendemos a descobrir o ódio contido em alguém, muito além do que deveríamos. É o popular “tarde demais”. Difícil conviver com pessoas com ódio, caso você não o tenha. Vai-se até um limite, inevitável o fim. O grande problema, é a fase antes do fim, igualmente acabada, encerrada, livre ou ausente de afetos e perspectivas. Há de se reconhecer esta fase, e tomar medidas nada conservadoras, tampouco ilusórias, mas sim radicais a ponto de libertarem-se, ambos, do factoide que é o casamento sem amor. União sem reciprocidade, é falsidade. Vivemos em meio social, não podemos nos apresentar assim. No máximo, entende-se a divulgação de aparências e ostentação imagética embalada nas redes. Há quem goste, quem aplauda, quem vibre e quem faça o mesmo. Cuide-se bem, ao conhecer alguém. Vá fundo, até o porão e o sótão, no jardim, na garagem, na despensa. Mostre-se por igual, todos os seus cômodos, inclusive seu banheiro. Senão, você correrá o risco de ter que ver tudo isso mais tarde, demonstrando o erro que foi seu, ao permanecer junto de alguém que não lhe merece um só dia de companhia. Não é o amor que cega as pessoas. Pode ser o sexo, a paixão ou a ilusão. Quando se recupera essa modalidade de visão, enxerga-se até o fundo. Seres superficiais sempre têm justificativas medianas para seus atos e omissões. Seres profundos, sabem que atrás das aparências, há engano. Somente eu conheço seu escudo de trabalhadora. Sua armadura de guerreira. Pessoas que utilizam o próprio trabalho como justificativa de suas ações, omissões, ausência e inversão de valores, são provavelmente o pior tipo de ser humano. Pois resumem-se ao tipo de ser, ou de “estar”, fundado na fachada das aparências, onde fica a janela aberta do ego bem vestido. “E as tuas crianças, meu bem? Levamos junto?” “Deixa pra lá. Presta atenção amor, é só nós dois agora! Mais uma selfie aqui pro face!”. “Para quê isso, querida? Você quer demonstrar algo para alguém?”. “...”. O silêncio, é a segunda característica que mais roupas (disfarces) tem em seu closet. Só perde para a indiferença... 


quarta-feira, 29 de novembro de 2017

O Sobrinho que eu não tive.




Atleticanismo. Um dom para poucos. Muitos atleticanos não têm isso. Mais que uma paixão, mais que uma ideologia ou filosofia, é um jeito de ser e estar emanado pela alma. Quem o é, sabe como é. O meu, não veio por opção, instalou-se pelo sangue pois meu avô foi atleta do clube quando da fusão de outros dois, em 1924. Cedo, deixei aos 9 anos de ir aos jogos com meu pai, porque estouraram um foguete ao lado de minha cabeça, ele ficou indignado, questão de segurança. Aos 13, após a morte dele, voltei ao campo sozinho. Somente depois dos 18, comecei a ir acompanhado de meu tio. Ronaldo, quando o Atlético perdia um gol, quase me matava de nervoso, demos muitas risadas. Consegui esconder dele, as lágrimas que sempre soltei quando o time entra em campo, lembrando do meu pai e do vô, pai dele. E foi um grande companheiro, durante anos, até o meu casamento, quando passei a assistir em casa pela TV a cabo.

Não tive filhos homens, e o destino que levou precocemente meus antepassados, também não me trouxe sobrinhos homens, que eu pudesse conviver, criar, educar de maneira presencial no estádio, questão cultural, formação. Mas a vida é mesmo uma surpresa que se revela na medida em que prestamos atenção e interpretamos corretamente seus acontecimentos, estabelecendo conceitos e compartilhando convivências a partir do não acaso. 

Entrando no tema, vamos saber um pouco mais sobre um determinado sujeito. Da minha altura, e até um pouco mais gordinho do que eu, desembarcou de São Mateus do Sul um piá cabeludo e sorridente, veio fazer cursinho. Num piscar de olhos, estava na Federal. Já mais alto, as outras mudanças nesse primeiro ano de capital foram radicais. Aprendeu bateria, começou a tomar cerveja, arrumou namoradinha de iniciação. E também fez algo muito importante: arrumou amigos. O seu AC DC, define-se antes e depois do cursinho. Vizinho dele e de seu tio de sangue, nos reuníamos para rodas de churrascos que atravessaram dias, rodas de cerveja que atravessaram madrugadas, rodas de música que atravessaram sábados, e rodas de caminhadas de atravessaram a serra do Mar. 

Identidade de sobra. Futebol, Blindagem, natureza. Amizades & Família. Marco tem outra adoração: reunir a galera. Volta e meia promove churras, feijoadas, encontros onde junta parentes e amigos, às vezes sem data especial. Marco, sempre foi revelador dos seus pensamentos. Contava-nos sobre suas mulheres, em relacionamentos sabidamente descartáveis, ao mesmo tempo em que fazia planos, ou seja, preparava-se em paralelo para outro tipo de relação, outro tipo de vínculo com alguém que viria apaixonadamente como Peri. Passávamos a ele nossas experiências, valores e orientações, até mesmo dúvidas, coisa que ele é grato até hoje. Sua passagem de garoto para homem foi marcada por sexo, álcool e rock’n’roll, como todo aquele que se preze rubro-negro. Hoje, noutra fase, já é mais pessoa. 

Marco, é um brasileiro diferenciado. Um paranaense raiz. Não mede desafios para trabalhar. Ao contrário, isso o estimula a desafiar o mundo em forma de viagens, meio easy rider, mas com bastante aventura e disposição, jamais sem humildade. Uma de suas principais características, é ter um sonho nas mãos. Ele abre, estende a mão e nos mostra, sem vergonha nem medo de revelar aonde quer chegar. É uma personalidade forte, em semblante de calmaria, equilíbrio e postura. Esse jeito de ser, diz ele, acaba muita vezes até não permitindo que ele demonstre um determinado sentimento. Penso que é a timidez em relação à exposição do afeto, que acarreta isto. Ele sente, mas não precisa mostrar a toda hora, é o seu jeito. 

Marco, hoje tem um amor. Aquele amor para o qual se preparou, a conspiração lhe foi honesta, se fez merecedora. São companheiros, inclusive dos planos, coisa rara hoje em dia. Marco, hoje tem um fusca. E leva seu amor para passear de fusca. Em breve, os filhos deles. Quando houver festa, a mãe que morre de saudade no interior, cuidará dos bambinos. Sua nora tem muitos irmãos, as crias deles terão muitos tios. E se seus filhos forem meninas, que não se acanhem em ir a campo com tios e tias. Em ir para a vida. Marco, desafiou a vida, pois viu que a vida era uma loba da estepe, então luta e vence a cada dia, transformando-a em felicidade. 

Foi essa mesma conspiração, honesta e merecedora, que corrigiu um desvio do meu destino que não me trouxe sobrinhos homens. Mas foi recentemente que me senti com o dever cumprido, em relação ao que o meu tio fez por mim: Marco foi junto, fez companhia nos campeonatos do Atlético neste 2017. Sabem por quê? Porque, simplesmente, o Marco é um bom companheiro. Por isso, agradeço nesse modesto texto ao universo, por ter permitido que eu conhecesse Marco, o sobrinho que eu não tive... 

Feliz Aniversário, Sobrinho! 

p.s.: lhe peço um favor: não se esqueça de estender o nosso manto rubro-negro sobre minha urna em meu velório: daremos, todos, novamente, muitas risadas... 

Música incidental (a melhor que nós, Os Tilápias, conseguimos tocar): 


“Se Eu Tivesse” - Blindagem  - Ana Luisa & Alexandre