A montanha não é dos homens. A montanha é a cidade dos
animais. Cheio de vazios em sua selva, o homem se lança a desafiar a montanha,
como se fosse possível. Então ele invade o território que não é seu, dizendo
que é pela natureza, mas na verdade é tão somente um desafio. Uma necessidade
espacial, de ocupar algo alheio sem ser crime, uma compensação àqueles vazios predominantes onde
mora, cuja artificialidade esfria o ambiente. Falando em ambiente, na cidade da
montanha ele é selvagem, na selva do homem há selvageria. Duas coisas distintas
semanticamente parecidas, mas de significados desiguais, em função das realidades dos
lugares. A palavra quase certa, é desafio: um eufemismo para o que chamamos de fuga. Este, atinge proporções dimensionais,
envolvendo as dificuldades encontradas na montanha para cruzá-la, e também os
obstáculos existentes no homem para superá-los. Ele começa, e na primeira hora
o coração acelera, o corpo vai se habituando à intentada. Depois da
aclimatação, o silêncio toma conta, parecendo que os donos da casa e os rios
vão sugerindo que o invasor se cale, dentro da mata e diante de si mesmo. Começam
as reflexões, as buscas das respostas para problemas que aparentemente estão
ali, mas que remetem à selva humana. A perda de água e sais minerais é absurda,
reposta a cada novo rio com o qual se depara. A musculatura fica tensa, a mochila
parece aumentar de peso, fazendo lembrar o quanto de supérfluo carregamos pela
vida. Vontade de deixar algumas coisas por ali, mas a consciência ecológica impede,
como também impede isso na selva humana, nem para todos. Há um objetivo, na caminhada que
seria de duas horas e meia, foi de três. Paradas para normalizar o coração,
poupar o restante do organismo, mais água. O caminho, é na verdade um carreiro onde só
passa um, mato denso e fechado, onde o sol não chega, mas abafa feito forno. Subida, que ao final dá
em quatrocentos metros de altura. Ali, centenas de cobras ocupam naturalmente
seu lugar, passamos por boa parte delas, o cansaço e a determinação de cumprir
a meta não permite vê-las. A morte ronda a floresta, representada a cada risco corrido num escorregão, num tropeço, numa queda, num corte, uma fratura, uma parada cardio-respiratória pelo excesso constante de esforço, o estômago se rebela. Enfim, após o último lance em aclive de 70º,
chega-se ao salto. Descritível, a maravilha. Mas, como dizia a musica caipira, “o
cansaço me dominou” e tal descrição caberá melhor em outra oportunidade. Uma
hora e meia de relaxamento na monstruosa cachoeira, com quatro piscinas
construídas pela rainha do espaço, a natureza. Aquilo não é do homem. É dos
peixes, das cobras, dos insetos, dos pequenos e grandes animais que se banham e bebem naquela água gelada e pura. É dos macacos. Quando o homem assume desafio desse porte, não tem volta. Não
tem ajuda, é momento de solidão. Mais do que tudo, o controle mental é quem
rege os passos, entre pensamentos, sentimentos e degraus para mais de metro,
lama, troncos, pedras e conclusões. O aprendizado da trilha vai longe. No sentido
de sua dimensão. Sempre com suporte em força desconhecida. Quando o homem supera
seus limites, vai reconhecendo essa nova força até então oculta. Força que eu não sei o nome,
tão nova que eu ainda nem a imagino passando por aqui em minha selva, principal ambiente para meus outros desafios, aqueles sem eufemismo..
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