sábado, 30 de setembro de 2017

Longe do Mar


Naquela casa paranaense, não tem mais leite. Mel, nunca teve. Acabaram o sal de cozinha e o açúcar refinado, para sempre. Micro-ondas e cinzeiros, nunca terão. Naquela casa não tem cuia, bomba de chimarrão, erva-mate. Incrível, lá não tem televisão! Tem um monitor, que às vezes funciona como, mas TV padrão, não tem não. O freezer, é dentro da geladeira. Forno elétrico, nada. Uma vap... negativo. Tapetes, chaise longue, redes de armar, nada disso. Na verdade tem uma rede, mas está guardada. É... não tem um monte de coisas naquela casa. Não que falte, é que apenas não existe. Existe jardim, mas sem plantas nem flores. Existe uma ameixeira, sem frutos. Igualmente, um abacateiro. Não tem bidê, box de acrílico, ducha forte. Credo, não tem campainha naquela casa, número postal! Morreu um cachorro, restou uma cadela. Porta-retrato de paixão, tem não. Livros de romances, impossível. Mas então, o que é que tem naquela casa? Lá naquela casa tem silêncio. Tem paz, mas é a paz do silêncio. Tem tranquilidade, que também vem do silêncio. A única coisa que existe lá, que não tem relação com o silêncio, é a música. Alguém poderia dizer que essa música, vem da solidão. Eu digo que não sei. Seria o mesmo dessas discussões sobre quem veio primeiro. Pois não posso dizer que a música afasta a solidão, e nem que a solidão chama a música. Só sei, que é única forma de harmonia que eu sinto, há tempos, e nesse espaço. No reino de um só, ele é ao mesmo tempo rei e súdito. No mundo de um só, ele é ao mesmo tempo Deus e fiel. Portanto, aqui não tem estado nem divindade. Aqui não há sexo. Já fui homem. Penso que evoluí. Hoje não passo de uma simples pessoa... 

"Alfonsina Y El Mar" - Ariél Ramirez - by Norberto




terça-feira, 26 de setembro de 2017

Velho Coração












É aquele que aprendeu. Mas não as lições dos livros, dos manuais, nem das cartilhas supostamente amorosas. Nem dos terapeutas, dos gurus ou dos conselheiros de plantão. Aprendeu sozinho, sem ler nada, apenas vivendo ou deixando de viver as situações em que exigiram sua intervenção. O velho coração não obedeceu nada de ninguém. Seguiu os caminhos que sua vizinha consciência mandava. Independente e autônomo, ele é liberto de influências externas de toda natureza. É, pois foi assim a vida toda. Maturidade, é a principal característica. E foi assim que ele chegou a ela, à sua madura idade. Criou uma identidade com a vida, com a experimentação das coisas, indo pela boa conduta, tendo comportamento adequado, realizando serenas atitudes. Sem perfeição alguma, tampouco exemplaridade, apenas sendo fiel a si mesmo. Ele tem princípios, uma base para sustentar-se no meio do peito. Não são dele nem dos códigos, extraiu-lhes da vivência. Às vezes ponderou, umas até hesitou, mas conseguiu chegar aqui. Perdeu muito, ganhou quase nada, além de força e direção para seu afeto. De tão seu, ou original, fez-se errante. Diferente demais, consciente demais, a razão não o largou um só instante. Por isso, nunca se arrependeu. Teve como trunfo, o isolamento. Estranho, incomum, quase inconveniente o órgão. Voltou sua sensibilidade para as coisas da natureza, os dramas sociais e assim, sobrou-lhe indignação. Pacífico, jamais bateu em alguém senão com palavras. Poético, jamais atingiu alguém com palavras. Ou seja, valeu-se das palavras para compreender o sentido de tudo. Foram seu instrumento de bom combate. E a luta continua, mas ele já fez a sua parte. O velho coração hoje está de partida, da cidade. Aqui não há mais espaço para ele, nem tempo para suas palavras. Aqui, o sangue é mais escuro, menos oxigenado, quase venoso. É a vez do velho coração respirar ar puro. Não se envolverá com mais ninguém, não há mais o que sentir, saber ou aprender. Seu grau de desenvolvimento fechou suas portas e janelas, o sangue é caseiro e não convidará mais ninguém para entrar. É uma nova perspectiva, a solidão absoluta. Não há termo que se use para a abstenção de amor. De drogas, de sexo, existe. É que faz parte de um todo, chamado solidão. O velho coração, só quer mar e música. Outras palavras desenharão seu novo panorama, sua nova paisagem. Sim, novos porque ele jamais se considerará um coração velho. Este sim, o coração velho, foi dependente e submisso às paixões e amores errantes, tanto que envelheceu fraco, burro, senil e mal acompanhado, sempre no mesmo lugar. Ele, não. O velho coração está aí. Aqui e onde ele quiser. Não olhe para ele, sequer o procure ou dele queira saber. É tarde demais. Seu compasso, ninguém verá... 


MÚSICA INCIDENTAL - "Eu e Ela" - Vander Lee
"Os velhos corações, são acervos das melhores canções".




segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Loucura Básica, Saneamento Idem












Não chore à noite. Sei que é mais aconchegante, principalmente nos fins de semana. Mas é preciso romper algumas tradições, para dar um sentido melhor ao ato. Chorar, é deixar vazar por alguns instantes aquela coisa toda acumulada na semana, que deixou você magoada. Na hora, o disfarce; guardar e trazer para casa, então cuidar direito da sua indignação. E ainda mude: o faça à luz do dia, claro que em reservado. Se você chegar mais cedo em casa, aproveite. As lágrimas, enquanto é dia, estão mais soltas, fluem mais por não estarem acobertadas pelo aconchego da noite. Há os que dizem serem as lágrimas, as estrelas do dia. E ninguém vê, diante de tanta luz. Também porque secam mais rápido, à medida que despontam na face. Chorar, é conversar contigo em silêncio, afastando o pensamento, deixando só a emoção. Sim, agora não é hora de superego, de controle nenhum. Isole-se, afrouxe a roupa, tire os sapatos, deite-se, fique leve para ser conduzida pelas águas do seu rio interior, ele precisa chegar ao mar, na praia do rosto. Porque a indignação não cabe toda nas palavras, ditas ou escritas. Nem nas atitudes, nas reflexões. Estas vazões tradicionais não liberam toda a má energia contida, é preciso abrir as comportas. Nesta época de seca, faz bem chorar. Mesmo que ninguém veja isso, até é melhor que não. Vão querer saber motivos e eles são só seus. Vão tentar consolar, e não se para um rio. Vão dizer não chore, e não se para um rio. Aquele assunto, aquele problema, aquele desamor, seja o que for, trate-o de limpá-lo com as suas águas. As lágrimas são termais, terapêuticas. Catarse líquida, sem atrito. Mas tenha em mente o seguinte: choro não é solução. É como se fosse um levantamento de dados num problema aritmético ou físico. Só o fato de você separar esses dados num canto, já abre um caminho para uma posterior solução. É assim que se resolvem as questões. Durante a vazão, liberte-se. Revolte-se no início, pondere no meio, relaxe ao final. Pronto, alguns minutos e você estará pronta para sorrir mais seletivamente, com equilíbrio. Uma vez por semana, está bom. Tipo um fechamento para balanço num estabelecimento qualquer. Só que não é qualquer: é você. Canalize o seu rio, e aos poucos verá que não se chora apenas de tristeza. Você aprenderá a chorar também pelas coisas belas da vida. emocionar-se com verdades, cores, sabores, amores e tantos outros ores. Você aprenderá até a chorar direito, como se deve, criando uma resistência frente às diversas situações hesitantes que se apresentem para você. Com o tempo, chorará menos, rirá menos também, só que com mais ênfase, mais certeza, mais cor. Daqui há alguns meses, nos encontraremos. Quero ver o seu sorriso novo. Límpido, cristalino, fluvial feito água de ribeirão. Vou lhe dar um abraço. E trocar duas ou três lágrimas contigo. No final do encontro, fazer-lhe um convite. “Venha me visitar. Moro perto do mar. Os rios vêm para cá. Aqui tem muita água para a gente contemplar...”. 




domingo, 24 de setembro de 2017

O Lado Escuro do Sol



Eu não vejo, eu sinto. O meu sol não tem cor. Nasce e morre todo dia. Queima, arde, deixa marcas nas estruturas do organismo sob a pele. Não há como remediar isso. Nada alivia, a dor que não vem de algia. Não se aponta, nem se sabe ao certo onde afeta. E é quente, aqui dentro. O frio acontece a partir da superfície, está do lado de fora de mim. Em tudo que eu vejo, mas que eu não sinto. Esse inverso é dos especialistas, não é qualquer um que sabe lidar com ele. A frieza dos humanos começa na rua de casa. Seus pensamentos são nebulosos, suas palavras são ácidas, seus valores são gélidos. É muito baixa a temperatura fora de mim. Talvez, porque o meu sol seja assim. Ele não ilumina algum caminho. Não ressalta as flores, nem alegra os dias. Porque não há caminho, não tenho jardim e sobrevivo à noite. Se escrever é pensar de boca aberta, então começo a descobrir respostas. Tentarei saber por qual razão o meu sol é escuro. Será que já vem com defeito natural feito destino, ou é em função da cordilheira de conceitos que ergui pelas encostas de minha vida? Minhas defesas, obstáculos; minha prevenção, meu isolamento. Mas não sei ser de outro jeito. É aqui, sob o calor do lado escuro do sol, que eu me sinto bem. Tem café, música. Cama grande, boas cobertas. Livros, discos e nada mais. Algumas pessoas, guardo na fictícia estante do que não foi, como exemplares que não li. Determinada mulher, num porta-retrato imaginário, colocado na prateleira do que eu queria, feito o desejo que não vivi. De vez em quando, um cão entra e me pede carinho. Ele tem o meu olhar. Dou-lhe carinho, não peço a ninguém, nem vou procurar. O conforto é relativo e o ambiente é neutro. Quase não há barulho e os raios do sol escuro são também o contrário, ou seja, despontam nas palavras que escrevo sobre o céu branco das páginas. Aqui, aquarela é utopia. O mar está longe. E dentro dessa casa-corpo, tem uma estrada. Elíptica, ela sobe pelo relevo da minha consciência até o outro lado do sol. Chegarei lá, somente ao final da estrada... 


INCIDENTAL -
"Enquanto isso não ocorre, escute esta canção. É praticamente o que cabe ao seu lado, sob aquele sol.."


 Angel - Sarah McLachlan - by Makteusz




quinta-feira, 21 de setembro de 2017

THUM !



Na Angels Flight, ela não desfilava na passarela, preferia ficar em pontos menos estratégicos. Baixinha, biotipo de ninfeta, uma boca tão bonita que ficou na história de quem ela conheceu. Seios fartos, para quem gosta. E o silêncio, compatível com a idade de quem ainda tinha pouco tempo de vida noturna, aos dezessete. Entreolharam-se, ele se aproximou para o início daquele era uma vez, que prolongou-se no tempo, mesmo com pouco espaço. Dali, com mais um casal, foram encerrar a madrugada no salão de festas vazio de um prédio qualquer. Ela deixou telefone e um endereço no centro, morava em bairro distante. Na primeira saída, na segunda semana e na terceira hora, o motel passou a ser a casa de praia deles. E era bom. Muito bom. Era físico, era hormonal, era tribal, era aquilo mesmo. Entregavam-se até mais que marido e mulher. A coisa tinha ares de ritual: tiravam os sapatos, deitavam lânguidos na cama, sorrisos, trocavam algumas novidades, uns beijos na boca impossível e ela ia para o banheiro. Ficava uns vinte minutos lá dentro, voltava nua enrolada na toalha, ele a esperava em riste, entre lençóis. Agarravam-se nas preliminares, sem perder muito tempo. Do oral, demorado e único, partiam para o coito anal, ele adorava regozijá-la assim. De costas para ele, ela se masturbava por baixo do ventre, até o gozo profundo e libertador. Após um relax, era a vez de ele ejacular em sua boca: ela voltava correndo para o banheiro, mistério que ele traz até hoje, sem saber se ela engolia tudo ou passava no rosto, cuspir jamais. Repetiam a dose. Até que ela, em determinada época, revelou-se noiva. Foram alguns anos assim, apesar de que, em função disso, diminuíram a frequência de um encontro a cada dois meses, para a cada quatro meses. E depois para duas vezes por ano. Até que um dia, praticando o que ela mais gostava, de pé dentro da hidro, ela desmaiou. Passado o susto, eles meio que se desentenderam e ficaram uns três anos sem se verem. Mas ele tinha aquele endereço no centro, foi até lá, era casa de uma amiga dela. Esta, fez-se de elo e os dois proibidos voltaram a se encontrar. Quando ela casou, afastaram-se de vez. Passou mais um bom tempo e encontraram-se num circo, cada qual com sua família, filhos pequeninos. Ela saiu para levar o filhote ao banheiro, cruzou por ele num instante mágico, de emoção e mudez. Nunca mais se viram, até a separação temporária dela, quando o procurou. Foi até a casa dele, conversaram e fizeram sexo. Perguntaram-se, porque que motivo nunca haviam namorado. Não acharam respostas, além do compromisso dela. Um, o melhor parceiro sexual do outro. Hoje, ambos têm muito mais diálogo, pela experiência, pelas vidas que passaram. Não são felizes, nem ela casada nem ele só. Mas o fato de outrora terem abdicado de uma vida a dois, tem peso significante. Um peso que não faz cessar a dúvida: pode o amor nascer do sexo? Na sequência, os filhotes dessa dúvida: existem casais que se mantém apenas por sexo? Existem casais que se mantém apenas por amor? Existem casais que se mantém com amor e sexo? Existe tudo. A fauna relacional é extensa, inimaginável seu fim. Assim como o caso do sujeito e a noiva, sabe-se que um dia começou. Dele, ela guardou imagens do passado. Dela, ficou na lembrança a boca mais gostosa que beijara. Não tentaram ser felizes. Ocuparam-se, somente do prazer. Um descompromisso mais que verbal. Não há culpa. Nem telefonemas, sequer mensagens. O que restou, foi a certeza de que o  tempo, faz de cada encontro uma chance. Nós, todos nós, é que não sabemos o que fazer com nossas chances...  

- Oi. Vamos hoje?
- Thum! 

                                    *Thum: uma resposta feito bordão que ela usava para perguntas desencontradas...



quarta-feira, 20 de setembro de 2017

Espécie





Réquiem Para Um Velório



Meu velório. Ambiente pantaneiro. Presença de uma classe de répteis humanos. Muitos jacarés sem disfarces, todos ordenados crocodilianos. Aligator, sem parentesco entre si, mas família caracteristicamente da mesma espécie. Têm longa existência, eles, uns oitenta a outros cem anos. São em torno de dez, os animalescos. Atenção para as bocarras, largas, narinas também, alguns dentes sobressalientes. Pele áspera, grossa, escondida sob as vestes da moda. Estarão lá, sentados perto da urna, em pé na porta de entrada, no cafezinho ou se arrastando pela pracinha do Municipal. Seres cruéis, deslocar-se-ão até o meu brazil-in-box na tentativa de compensação ou etiqueta. Compensar aquilo que foram em vida, omissos, covardes, ausentes. Preconceituosos, discriminadores, rejeitadores, julgadores, novamente ausentes. Mas compensar de que jeito, se há tempos deles formei opinião? É em consideração ao deus deles, figura inexistente que ignoram não os acompanhar. “Pelo menos eu fui lá”, diriam os ascetas instantâneos, essa a etiqueta. Aquela olhadinha básica no finado. Algum sinal religioso, e um abraço para o coveiro, pois não tem viúva para consolar. Se eu pudesse estar ali na portaria, a todos esses vedaria a entrada. Não faz sentido. Talvez, uma das coisas mais sem sentido que alguém pode fazer, é velar quem não lhes foi luz. Mas, enfim e todas as outras conjunções possíveis, será fato. O último fato. Sabe as pessoas (sic) que lhe repelem em vida, sem sentido mas com motivos fúteis ou escabrosos para tanto? Mas que bobagem! Nada mudará, nem para mim nem para elas! Se a convivência humana já não tinha razão nem afeto, para que ir até o aeroporto no último voo se a despedida já aconteceu em vida? É longe, é muito longe, não combina, torna-se bizarro. Porém, eles continuam fazendo coisas sem sentido. Prestar atenção em suas lágrimas-de-papo-amarelo. Suas frases pantanosas, suas expressões desumanas, não será difícil identificá-los. Já vi desses ao montes em outras oportunidades. Eles fazem questão de enfrentar a ocasião, coragem jamais vista para visitar o de cujus quando vivo: tais valentes atitudes rampantes, são corretamente chamadas de covardia. É como... não, procurei mas não tem nada igual. É ocasião única. Fica chato e até deseducado fazer lista de impedidos, tipo ‘non gratas’, barrados no baile. Não sou assim. Não tem nada a ver com rancor, mágoa ou coisa do gênero, isso é achismo evanescente dos velozes sem reflexão. Em relação a eles, os crocodilianos, sou indiferente, apenas me cumpre reconhecê-los e não me envolver, posto que são répteis, assim como faço hoje em respeito ao caminho que optaram. Este reconhecimento, é que gera essa criação que, por sua vez, não advém de quaisquer sentimentos ou falta deles. Meu instinto animal, posto em folha. Que sejam felizes, onde e com quem escolheram. Mas não admitirei sua presença. Soprarei nos ouvidos deles, pois tão distante é sua consciência. Alguns arrepios bastarão. Assim, quem sabe não se demorem, e o ambiente fique mais limpo. Mas acontece, que eu escrevo. No tempo certo, farei uma poesia a ser colocada em destaque, ponto estratégico, para que eles pensem duas vezes antes de entrar. Poesia não é ameaça, não é vingança, não carrega energia negativa. Poesia, é apenas a verdade sobre uma tábula fria. Depois, permanecerei eu sentado, num canto da sala, sorrindo. Pois ao menos e todas as outras conjunções possíveis, poderei ter visto algumas lágrimas sinceras. Não dignas de poesia, mas de companhia. Porque a poesia, também pode ser uma forma de retrato da ausência, estampando no papel branco, tudo o que poderia ter sido, se acaso fosse aquele mundo, colorido...     


EDITORIAL - Como é gostoso escrever sobre a morte. Ela e todas as suas palavras derivadas, que fonética linda, eu insisto em agradecer a língua. Principalmente, se você está, por enquanto, temporalmente longe dela. Não tenho medo. Que ela ronde, que ela fira, que ela insista. Doutro lado, não precisa coragem para discorrer sobre ela. Como eu já disse em outra vez, a morte é vento que flui em céu manchado. O meu, ainda é azul. “Sou o pior tipo de poeta, o desconhecido. Não é de bom alvitre, ler-me após a minha morte”. Quem sabe esta, a frase para a capela...



segunda-feira, 18 de setembro de 2017

Cartas Para Não Escritores



Suicídio, é vento sazonal e que passa moderado pelos campos dos escritores. Passa assim, porque lá não encontra obstáculos, nem limites que o fizessem parar e levar alguém. Lá só existe o chão e o céu, ainda em grandezas de infinito. Eles não morrem disso, os escritores. Antes, de tifo ou tuberculose; hoje, de tédio ou remédios. O que realmente mata os escritores? Os cientistas das academias da mente, mentem sobre a cabeça da gente, criando novas doenças e portanto novos remédios. Eles conseguem enganar os menos avisados, também os inadvertidos, que escrevem sem sentido, apenas por escrever. Mas o que mata mesmo os escritores, é o fim de um texto: o fim de uma prosa, um poema, de uma poesia, um livro. Ali, falece o escritor, aguardando o renascimento no próximo escrito. Pois o tédio, que também possui natureza de vento, só acomete os menos avisados e os inadvertidos. Os escritores, têm uma defesa natural contra as mortes comuns aos mortais, as naturais, as por doença ou devidas ao suicídio. É a solidão. A solidão é um antídoto específico, presente naqueles que escrevem com sentido, ela também afasta os ventos contrários nos campos dos escritores, sejam moderados ou não. Porque a solidão é a melhor companhia para se passear por estes campos. Todavia, aparecem aqueles cientistas e os que neles acreditam, para considerarem os escritores pessoas com alto potencial suicida. Qual o quê, isso advém dos medos que rondam essa gente, incapaz de escrever, portanto de mergulhar em si mesmo, de refletir, de se expor, de contar sobre aquilo que acontece e o que não acontece nas extensões dos seus campos. Mas é porque eles não têm onde passear, eles têm obstáculos e limites, que podem sucumbir a qualquer vento ou mudança. Seu chão não é de feito de campos, são sim caminhos asfaltados e traçados com início, meio e fim, os quais são percorridos obrigatoriamente seguindo placas indicativas por essa gente, que não escreve. Seu céu bate nos telhados, nos arranha-céus, nos neons a nas nuvens, essa gente que não escreve. Não escrever? Imagine que tédio é a vida de quem não escreve, por não ter nada para contar, porque nada aprendeu ou nada deseja. Basta para eles, ficar desviando dos obstáculos e divagando aquém dos seus limites, que já está bom. Coitados, não sabem sobre a liberdade, que nos permite atribuir um valor imensurável à loucura, um custo intangível à imaginação, e um sentido epistemológico à vida. Eu não queria, mas o mundo contemporâneo é maniqueísta. Ainda aqui, inserido neste chaos dual, tenho que me aliar ao inimigo e comentar que eu dividiria a humanidade em dois tipos de pessoas: os escritores, e os vazios. Os vazios necessitam preenchimentos, como companheiros, amores e demais gentes quaisquer – sem falar nas coisas – a ocuparem suas lacunas existenciais, seus vácuos afetivos; suas vontades e ansiedades, manias e hobbies; suas camas e documentos, tempos e espaços. Vazios, ventos, suicídio, tédio, nada disso é compatível com o mundo vivente dos escritores. Porém, há quem diga que um escritor também morre quando se encerra uma determinada inspiração. Outro engano. Enquanto os não escritores precisam amar condicionalmente, os escritores, de modo incondicional se ocupam da inspiração. Os escritores não se matam. Pois para eles a morte é diária fonte de inspiração, que brota e seca, ao fim de cada texto. O suicídio seria acabar com a inspiração, com os textos, com os passeios infinitos pela liberdade, pela loucura e pelos corajosos campos da vida. Não acredite neles, caro leitor. Os cientistas das academias da mente, são teóricos que jamais escreveram uma linha. Eles só fazem montar os obstáculos deles nos campos dos outros, estabelecendo limites alheios à sua (leitor) propriedade de escrever. Por isso, os homens das farmácias, dos consultórios e dos hospitais andam de branco. É porque a mentira, ela é transparente... é da cor do vento... e de todas as mortes que podem alcançar os não escritores. Escutou? Foi o suicídio que por aqui passou quietinho, não parou e foi pairar covardemente sobre aquela gente que nada escreve... 



sábado, 16 de setembro de 2017

phOTOCALIGRAfIA






Onde mesmo?


Dilemas espaciais. Comparações impossíveis. Só a música salva. Quem é ou quem foi o grande amor de sua vida? É esse hoje ao seu lado?  Ou outro, bem distante? Se for o outro bem distante e houver esse aí ao seu lado hoje, tem algo errado, você tem alguma culpa disso? Óbvio que não. Mas por que a pergunta se não se pode comparar? É que não precisa comparar para perguntar, a resposta não vem com o vento, ela é imediata. Você sabe bem quem é ou quem foi o grande amor de sua vida. Mesmo que não o tenha vivido, ou que tenha tudo ruído pelo destino que vocês escolheram. Sim, nós escolhemos o destino. Mas não devemos comparar. Todo mundo, tem o seu maior amor na vida. Muitos, convivem com outra pessoa que não é este amor maior, mas nem por isso seja menor: não se compara, repito. Porque, exceção feita no campo do trabalho, não se comparam as pessoas entre si, apenas uma pessoa com ela mesma, num intervalo de tempo qualquer. Para ver se ela mudou, melhorou ou retrocedeu em algum quesito. Se você está ao lado dele, esqueça esse texto, vá para o parque passear, beba muita água, hoje é tarde de sol. Se você tem outro que não aquele, o maior, também vá passear no parque, tomem caldo de cana, cerveja ou sorvete. Do contrário, se você é uma pessoa sozinha, fique mais um pouco aqui, tem frutas na geladeira. O amor maior, então distante. O que se poderia dizer sobre ele. Por exemplo, que ele venceu tempo e espaço, pois continua em você a sensação do amor, seja do carinho, do afeto, não é preciso a esperança. Basta aquela boa vibração sentida quando se pensa no amor maior. Lembrando do primeiro encontro, os primeiros olhares, o deslumbramento, aiai. Até, imaginamos algo acontecendo de vez em quando. Risos, brindes, abraços, beijos, conversas, até passeios nos parques para comer pastel. É só acordar de manhã pensando, viajar pela estrada, rever as suas fotos, se embalar na música, passear pela natureza, e de repente chega esse amor maior de branco, pés descalços, sorriso aberto e perguntando: “Onde estávamos? Vamos regozijar um café? Vamos dançar num salão? Vamos para a praia? Juntos!” Tudo isso, e o que mais couber em seu querer. Lembrando que o "maior", corretamente deveria se chamar simplesmente"Amor", sem adjetivos de tamanho ou qualidade, e pronto!  O amor maior, é uma espécie de deus laico ou ateu, que mora em nossa consciência. Visita nosso coração, passeia pelo nosso corpo em desfiles com pompas, bebidas apropriadas, tudo sempre em comemoração. Por isso, festejo minha solidão, distante do meu amor maior. Tentei explicar, não consegui. Para isso, existe a música. A música, nos salva...  

- mas espere um pouco: essa música não é brega?
- brega é não assumir a dimensão de um amor maior. 

    Uma Vez Mais  -  Ivo Pessoa




sexta-feira, 15 de setembro de 2017

Invernal




fogo
o sol nasceu hoje, em círculo
aos poucos,
foi perdendo a vergonha da cidade
e se tornou da cor das pessoas dali
desbotadas, pálidas..
qualquer dia virá amarelado
da cor da bomba nuclear
e todos terão vergonha,
    por não terem sorrido na véspera..     


gosto de mulheres
de ombros largos
cabelos longos
lábios carnudos
seios pequenos
não turbinadas 
totalmente depiladas
e com dedos finos
maiores de idade
e de poucas restrições
para a linguagem
para o sexo
e para o fim...


não tive parentes que me contassem histórias
nem amigos que me trouxessem exemplos
sequer outras pessoas que fizessem algo semelhante
por isso,
sorrio com Luque
me emociono com Daíra
me excito com Tina
e me liberto na solidão...


a música ensina
sugere um abraço
e o beijo bem devagar
para ter tempo de se apaixonar
mas a história foi veloz
atropelos
sangue de açúcar
sobre o asfalto encabulado..


um dia,
tudo mudará
ele chegará sorrateiro
ela vai abrir a porta
sem surpresas,  
    que o inevitável não admite
mas a disparada
dos corações
     e pulmões
organismos bobos
que antes não viam o céu
e a conversa das estrelas
sobre eles,
    os amantes
    errantes
    mas ainda encantadores...


a água quente
da chuva do banheiro
passa pelo meio dele
que se altiva,
pensa nela
e chora
lágrima de cor primária
vestido dela
combinando,
apenas com o sonho que não se esgota...
   

sexta-feira
ela na noite
em sua banheira
lânguida
desliza a mão direita
entre as coxas
entre os lábios
e permanece
e movimenta
chamando ele
que não vem
já está
ela nem sabe
é só falar...


um vento
redemoinha meu impossível
porção amor que eu não tenho
mas roda, gira
porque voltou
e eu ainda não sei o quê
eu jamais poderei entender
em quantos círculos de fogo
essa mulher me faz
morrer..


comer
é a principal fuga,
da sede de viver.


venha
me chame
ou qualquer coisa assim...



quarta-feira, 13 de setembro de 2017

CURTA -- metr.





Crônica Cotidiana 52




Obrigada Por Tudo 

Relacionamentos (não é preciso dizer ‘afetivos’). Condição onde as pessoas começam a deixar de serem pessoas. Tornam-se algo à mercê, ao dispor, à deriva. Perdem lenço e documento, chão e ar. Brincam com fogo de palha, afogam-se com água em gotas. Uma confusão de elementos descaracteriza aquela outrora individualidade, da inserção do ser humano em seu meio. É o tal do “braço a torcer” em nome da união. Abdica-se das convicções, pior: do aprendizado. As convicções não são pétreas, podem se transformar. Mas o ensino que a vida trouxe... que absurdo. No começo isso é mascarado pela esperança aliada da ingenuidade, pela entrega, pelo carinho, dedicação, flores, gozos e perfumes soltos pela ‘casa’ do ser amado. Mas não temos a chave da despensa, do sótão, do porão do outro. Aos poucos, começam a sair de lá, coisas inimagináveis. Revelam-se pensamentos, cometem-se atitudes, confessam-se intimidades de toda natureza, nunca sem causar o espanto, agente de união (ou adesão) fundamental no medievo filosófico. Ab initio, torna-se um jogo. Agora, namorar ficou para trás e as peças estão sobre a mesa, chegam por mensagens, olhares, presentes, conversas e silêncios. Além daquele braço, o outro braço e a primeira perna já estão comprometidos, em torção. Não fica por aí, torce-se a voz, a vontade, a vida a dois. É o fim da naturalidade da relação, quando se começa a ver que existem forças que a mantém, forças ocultas, explícitas, veladas, de todo jeito. E são elas que sustentam o “estamos juntos”. Olha-se para o acostamento na autoestrada, que paisagem linda lá fora, um dos dois queria pular deste veículo aparentemente não desgovernado. Será que alguém se machucará caso pule? Onde dói mais, aí dentro ou lá fora? E por que não dar meia volta, parar o carro, e cada um seguir o seu destino lá naquele trevo divergente por onde passaram desapercebidos? Não, o que importa é estar na pista, como dizem os espertos, a malandragem da convivência humana. É muito triste passar um fim de semana sozinho, melhor “aguentar”, seja off road ou on the rocks, esteja sempre on line. As manias. Os caprichos. Os dengos. Os pitis. Os barracos. Os medos. As certezas. Quantos monstros cabem numa só caixa craniana? São monstros reais, mais ferozes e letais do que os quadrinhos japoneses. E aqui, não tem herói para salvar ninguém. Os dois sentados na sala, os monstros andando em volta, mudos. Qual deles será o próximo a se rebelar? Está é a única emoção que sobrou, adivinhar o motivo da próxima briga. Aposta onde não se ganha nada. E passam-se semanas. meses, anos, a perspectiva morta num caixão imaginário bem posicionado na garagem, apontando para a saída. Já não usam mais formol, os preparos químicos que conservam almas, seus corpos e sentimentos um dia inocentes sonhadores, agora são de amargar estômagos, arranhar gargantas, um refluxo que não cessa. Principalmente à noite, na hora de se deitar. As características pessoais se juntam às más interpretações, e da relação se fez rotina, do destino se fez retrocesso. Ao mesmo tempo em que tanto combinavam, tanto se identificavam em gostos, hobbies e sexo, que não viram o asfalto acabar. Às vezes é assim, inflamos o bom para ocultarmos o mau. Alceu, carregado de futuro, não conseguiu demonstrar à Edna a sua verdade. Ela, carregada de passado, não conseguiu mostrar a ele, a verdade dela. Interrompiam-se, com álcool e transas, rangos e discussões. Deixaram de ser aquele algo, mesmo que construído, mas indefinido, amorfo, não identificado, para voltarem a ser pessoas. E no instante em que voltam a ser pessoas, desprezam este axioma humano, e passam a se menosprezar e tratar o outro não como pessoas, mas como ‘ex-aquilo’. Fim da estrada, ele voltou a sonhar com a paz, ela a sonhar com outra união. Dizem que o sonho acordado afasta pesadelos, monstros e CIA. Tudo bem. Mas a tal cara-metade, tampa de panela, alma gêmea, é incompatível com a vida. Todos os casais têm algo torcido, não vemos por causa das roupas. Todos os casais têm seu dilema, não sabemos por causa dos disfarces. Poucos são os casais que andam nus. Melhor mesmo, é ir morar numa praia deserta, poder tomar banho sozinho, pelado, sem hora pra voltar nem coisa pra explicar. Sem lar para lutar, apenas com cadeira de praia e guarda-sol. Porque aquilo que o mar exige do nosso lado para ser bem contemplado, é um mínimo de paz e o máximo de simplicidade... 

EDITORIAL - Às vezes eu penso que o homem não é um animal tão político assim. E que os (afetivos) relacionamentos, são como mudança para uma bonita casa moderna, construída sobre um antigo cemitério indígena...



domingo, 10 de setembro de 2017

BICHOS emocionais DO PARANÁ racional - "Improvisation in CM"



Das Belas Artes para as frias noites curitibanas e dali para o mundo harmônico. INDIARA SFAIR, da Orquestra Harmônicas de Curitiba ao Milk’n Blues, não importando se pelo jazz, blues ou rock, sua arte corta a garganta de nossa sede musical. Vá, leitor, de ouvidos bem abertos confundir as belezas da natureza sobre a nossa terra... 







segunda-feira, 4 de setembro de 2017

Sessão Velha Infância


- 1978
- Festinhas no Santa Quitéria
- O segundo beijo na boca
- Gosto de ostra viva (Cuba Libre)
- Inocência à flor das peles
- Malícias tocando corpos novos
- Noções primárias de sexo
- Um paralelo chamando ao longe
- Conhecendo o universo da boa Música
- Mas nenhuma ideia sobre o amor
- Tampouco que eu acabaria em canções...


    Mandy - Barry Manilow
                                                                                                                     Minnie Riperton - Lovin' You
    Don't Throw It All Away - Andy Gibb
                                                                                                                               Self Pity - Lúcifer




PHoto RESENHA





Moradas & Namorados



As pessoas não escolhem muito bem aonde vão morar. São muito pouco exigentes, a maioria indiferentes. Se já estão naquela cidade, talvez o bairro lhes interesse. A rua, nem tanto, aquela casa ou apartamento serve, está bom. Ninguém pensa nos vizinhos, nem nos arredores. E assim, vão preenchendo os vazios imobiliários dali, mais por pressa que atenção. Passa um tempo, lamentam. Mas agora está difícil de mudar. Além dos custos, são raras as ofertas de imóveis bons na região, que caibam dentro das necessidades e de condições de toda natureza. Então, permanecem ali, as pessoas. Convertendo frustração em não prioridade. Jogando nas mãos do tempo, a lida com seu espaço. É o jeito, que virou costume, depois tradição e incorporou-se à cultura do povo, mais um pouco seria lei. Tanta passividade, que resolveram fazer o mesmo com a companhia, seu par. Não escolheram muito bem, não foram exigentes, levaram com indiferença, poderia ser o verdadeiro amor, esse serve, está bom. Pra quê pensar nas consequências? Nas expectativas? Isso é coisa para o futuro, que a nós não pertence. E assim foram preenchendo os vazios afetivos dali, mais por pressa que atenção. Passa outro tempo, lamentam. Mas agora está difícil de mudar. Além de tudo, são raras as pessoas boas na região, que se adaptem em afinidade e reciprocidade com outro ser humano de mesma natureza. Então permanecem ali, as pessoas. Convertendo frustração em conformismo. Jogando nas mãos do destino, o dever com seu compromisso. É o jeito, que virou costume, depois tradição e incorporou-se à cultura do povo, mais um pouco seria lei. Tanta omissão, que o ciclo casa-coração se fecha, formando um círculo delimitado dentro do qual as pessoas transitam cheias de pompas e circunstâncias próprias da rotina. Sabemos que existem os imprescindíveis, rompedores de tradições e círculos, que convivem muito bem na plenitude os novos amanheceres. Estes, não têm pompas e previnem-se contra as causas. Minoria, raridade, sabedoria. Por fim, um terceiro tipo de gente: os solitários. Nem dentro do círculo, nem rompendo ele. Para os solitários, mais vale uma garrafa de vinho com taça única e por isso sem brinde, do que o paladar insípido de quem ainda está por ali porque não soube escolher onde morar, ou porque nem imaginava o significado do amor..