domingo, 24 de setembro de 2017

O Lado Escuro do Sol



Eu não vejo, eu sinto. O meu sol não tem cor. Nasce e morre todo dia. Queima, arde, deixa marcas nas estruturas do organismo sob a pele. Não há como remediar isso. Nada alivia, a dor que não vem de algia. Não se aponta, nem se sabe ao certo onde afeta. E é quente, aqui dentro. O frio acontece a partir da superfície, está do lado de fora de mim. Em tudo que eu vejo, mas que eu não sinto. Esse inverso é dos especialistas, não é qualquer um que sabe lidar com ele. A frieza dos humanos começa na rua de casa. Seus pensamentos são nebulosos, suas palavras são ácidas, seus valores são gélidos. É muito baixa a temperatura fora de mim. Talvez, porque o meu sol seja assim. Ele não ilumina algum caminho. Não ressalta as flores, nem alegra os dias. Porque não há caminho, não tenho jardim e sobrevivo à noite. Se escrever é pensar de boca aberta, então começo a descobrir respostas. Tentarei saber por qual razão o meu sol é escuro. Será que já vem com defeito natural feito destino, ou é em função da cordilheira de conceitos que ergui pelas encostas de minha vida? Minhas defesas, obstáculos; minha prevenção, meu isolamento. Mas não sei ser de outro jeito. É aqui, sob o calor do lado escuro do sol, que eu me sinto bem. Tem café, música. Cama grande, boas cobertas. Livros, discos e nada mais. Algumas pessoas, guardo na fictícia estante do que não foi, como exemplares que não li. Determinada mulher, num porta-retrato imaginário, colocado na prateleira do que eu queria, feito o desejo que não vivi. De vez em quando, um cão entra e me pede carinho. Ele tem o meu olhar. Dou-lhe carinho, não peço a ninguém, nem vou procurar. O conforto é relativo e o ambiente é neutro. Quase não há barulho e os raios do sol escuro são também o contrário, ou seja, despontam nas palavras que escrevo sobre o céu branco das páginas. Aqui, aquarela é utopia. O mar está longe. E dentro dessa casa-corpo, tem uma estrada. Elíptica, ela sobe pelo relevo da minha consciência até o outro lado do sol. Chegarei lá, somente ao final da estrada... 


INCIDENTAL -
"Enquanto isso não ocorre, escute esta canção. É praticamente o que cabe ao seu lado, sob aquele sol.."


 Angel - Sarah McLachlan - by Makteusz




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