Meu velório. Ambiente pantaneiro. Presença de uma classe de répteis humanos. Muitos jacarés sem disfarces, todos ordenados crocodilianos.
Aligator, sem parentesco entre si, mas família caracteristicamente da mesma
espécie. Têm longa existência, eles, uns oitenta a outros cem anos. São em torno de dez, os animalescos. Atenção
para as bocarras, largas, narinas também, alguns dentes sobressalientes. Pele
áspera, grossa, escondida sob as vestes da moda. Estarão lá, sentados perto da
urna, em pé na porta de entrada, no cafezinho ou se arrastando pela pracinha do
Municipal. Seres cruéis, deslocar-se-ão até o meu brazil-in-box na tentativa de compensação ou
etiqueta. Compensar aquilo que foram em vida, omissos, covardes, ausentes.
Preconceituosos, discriminadores, rejeitadores, julgadores, novamente ausentes.
Mas compensar de que jeito, se há tempos deles formei opinião? É em consideração ao deus deles, figura inexistente que ignoram não os acompanhar. “Pelo menos eu fui
lá”, diriam os ascetas instantâneos, essa a etiqueta. Aquela olhadinha básica no finado. Algum sinal
religioso, e um abraço para o coveiro, pois não tem viúva para consolar. Se eu
pudesse estar ali na portaria, a todos esses vedaria a entrada. Não faz
sentido. Talvez, uma das coisas mais sem sentido que alguém pode fazer, é velar
quem não lhes foi luz. Mas, enfim e todas as outras conjunções possíveis, será
fato. O último fato. Sabe as pessoas (sic) que lhe repelem em vida, sem
sentido mas com motivos fúteis ou escabrosos para tanto? Mas que bobagem! Nada mudará, nem para mim
nem para elas! Se a convivência humana já não tinha razão nem afeto, para que
ir até o aeroporto no último voo se a despedida já aconteceu em vida? É longe, é muito longe, não combina, torna-se
bizarro. Porém, eles continuam fazendo coisas sem sentido. Prestar atenção em
suas lágrimas-de-papo-amarelo. Suas frases pantanosas, suas expressões
desumanas, não será difícil identificá-los. Já vi desses ao montes em outras
oportunidades. Eles fazem questão de enfrentar a ocasião, coragem jamais vista
para visitar o de cujus quando vivo: tais valentes atitudes rampantes, são corretamente
chamadas de covardia. É como... não, procurei mas não tem nada igual. É ocasião
única. Fica chato e até deseducado fazer lista de impedidos, tipo ‘non gratas’,
barrados no baile. Não sou assim. Não tem nada a ver com rancor, mágoa ou coisa do gênero, isso é achismo evanescente dos velozes sem reflexão. Em relação a eles, os crocodilianos, sou indiferente, apenas me cumpre reconhecê-los e não me envolver, posto que são répteis, assim como faço hoje em respeito ao caminho que optaram. Este reconhecimento, é que gera essa criação que, por sua vez, não advém de quaisquer sentimentos ou falta deles. Meu instinto animal, posto em folha. Que sejam felizes, onde e com quem escolheram. Mas não admitirei sua presença. Soprarei nos
ouvidos deles, pois tão distante é sua consciência. Alguns arrepios bastarão. Assim,
quem sabe não se demorem, e o ambiente fique mais limpo. Mas acontece, que eu escrevo. No tempo
certo, farei uma poesia a ser colocada em destaque, ponto estratégico, para que
eles pensem duas vezes antes de entrar. Poesia não é ameaça, não é vingança,
não carrega energia negativa. Poesia, é apenas a verdade sobre uma tábula fria. Depois,
permanecerei eu sentado, num canto da sala, sorrindo. Pois ao menos e todas as
outras conjunções possíveis, poderei ter visto algumas lágrimas sinceras. Não dignas de
poesia, mas de companhia. Porque a poesia, também pode ser uma forma de retrato
da ausência, estampando no papel branco, tudo o que poderia ter sido, se acaso fosse aquele
mundo, colorido...
EDITORIAL - Como é gostoso escrever sobre a morte.
Ela e todas as suas palavras derivadas, que fonética linda, eu insisto em
agradecer a língua. Principalmente, se você está, por enquanto, temporalmente longe dela. Não
tenho medo. Que ela ronde, que ela fira, que ela insista. Doutro lado, não precisa coragem para discorrer sobre ela. Como eu já disse em outra vez, a morte é vento que flui em céu manchado. O meu, ainda é azul. “Sou o pior tipo de
poeta, o desconhecido. Não é de bom alvitre, ler-me após a minha morte”. Quem
sabe esta, a frase para a capela...
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