É aquele que aprendeu. Mas não as lições dos
livros, dos manuais, nem das cartilhas supostamente amorosas. Nem dos
terapeutas, dos gurus ou dos conselheiros de plantão. Aprendeu sozinho, sem ler
nada, apenas vivendo ou deixando de viver as situações em que exigiram sua
intervenção. O velho coração não obedeceu nada de ninguém. Seguiu os caminhos
que sua vizinha consciência mandava. Independente e autônomo, ele é liberto de
influências externas de toda natureza. É, pois foi assim a vida toda. Maturidade,
é a principal característica. E foi assim que ele chegou a ela, à sua madura
idade. Criou uma identidade com a vida, com a experimentação das coisas, indo
pela boa conduta, tendo comportamento adequado, realizando serenas atitudes. Sem perfeição
alguma, tampouco exemplaridade, apenas sendo fiel a si mesmo. Ele tem
princípios, uma base para sustentar-se no meio do peito. Não são dele nem dos
códigos, extraiu-lhes da vivência. Às vezes ponderou, umas até hesitou, mas
conseguiu chegar aqui. Perdeu muito, ganhou quase nada, além de força e direção
para seu afeto. De tão seu, ou original, fez-se errante. Diferente demais, consciente
demais, a razão não o largou um só instante. Por isso, nunca se arrependeu. Teve como
trunfo, o isolamento. Estranho, incomum, quase inconveniente o órgão. Voltou
sua sensibilidade para as coisas da natureza, os dramas sociais e assim,
sobrou-lhe indignação. Pacífico, jamais bateu em alguém senão com palavras. Poético,
jamais atingiu alguém com palavras. Ou seja, valeu-se das palavras para compreender
o sentido de tudo. Foram seu instrumento de bom combate. E a luta continua, mas
ele já fez a sua parte. O velho coração hoje está de partida, da cidade. Aqui
não há mais espaço para ele, nem tempo para suas palavras. Aqui, o sangue é
mais escuro, menos oxigenado, quase venoso. É a vez do velho coração respirar
ar puro. Não se envolverá com mais ninguém, não há mais o que sentir, saber ou
aprender. Seu grau de desenvolvimento fechou suas portas e janelas, o sangue é
caseiro e não convidará mais ninguém para entrar. É uma nova perspectiva, a
solidão absoluta. Não há termo que se use para a abstenção de amor. De drogas,
de sexo, existe. É que faz parte de um todo, chamado solidão. O velho coração,
só quer mar e música. Outras palavras desenharão seu novo panorama, sua nova
paisagem. Sim, novos porque ele jamais se considerará um coração velho. Este sim,
o coração velho, foi dependente e submisso às paixões e amores errantes, tanto
que envelheceu fraco, burro, senil e mal acompanhado, sempre no mesmo lugar. Ele,
não. O velho coração está aí. Aqui e onde ele quiser. Não olhe para ele, sequer
o procure ou dele queira saber. É tarde demais. Seu compasso, ninguém verá...
MÚSICA INCIDENTAL - "Eu e Ela" - Vander Lee
"Os velhos corações, são acervos das melhores canções".
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