sábado, 2 de dezembro de 2017

Liberdade, abre os blusões sobre nós












Um Fiat Palio vermelho passou devagarzinho na frente da casa, parou um pouco além da outra esquina. Dava para ver, desceu um sujeito daqueles, voluntariamente estereotipado, de bermudas, sem meias e com um capuz a evitar reconhecimento, sob o sol não escaldante. Carregava um pacote azul nas mãos e fez o caminho da volta até um condomínio de sobrados no meio da quadra, onde digitou o número da residência, sem erro. Veio um homem que, através da grade, pegou o pacote e voltou para dentro. O sujeito retorna sorrindo e apressa o passo até correr para onde o Palio lhe aguardava, já mais no meio daquela outra quadra. Delivery extra-oficial? Disk o quê? Happy alguma coisa, com certeza. Dali alguns minutos, o homem que ficou com o pacote saiu em seu Nissan Sentra pelo bairro. Fico pensando na cadeia econômica que sustenta o tráfico de drogas. Quanto mais próximo da produção, mais pobre. Quanto mais próximo do consumo, mais rico. E quem sempre cai, são os pequenos intermediários, pois os grandes, donos dos cartéis, não vão a campo, têm quem o faça por eles. Senadores, militares, megaempresários, celebridades da mídia. Helicópteros em suas fazendas entreposto, aviões em seus aeroportos clandestinos, cruzam os céus como se todo dia fosse de Brigadeiro. Nada os intercepta, nem a Polícia Federal ou o Ministério Público, tampouco o jornalismo investigativo, muito menos as denúncias nominais ou anônimas. São os intocáveis da idade contemporânea. O topo da pirâmide é um lugar para poucos e eles fazem questão que seja de difícil acesso. Para isso, doutrinam, manipulam, ideologizam a classe abaixo da deles, a do meio, servindo como barreira a impedir ainda mais aquele acesso ao vértice. Por isso, a legislação se volta para os mais pobres na base, livrando os consumidores do topo. Há quem fale na descriminalização geral, como se isso fosse acabar com o tráfico de entorpecentes. É só olhar para o contrabando do tabaco, para ver se o tráfico se encerrou. Sim, eles querem descriminalização geral, pois eles têm seus planos de saúde compatíveis, completos a tratar das respectivas dependências. Mas e quem não tem acesso à medicina privada? Vai morrer, e é justamente esse o desejo da classe alta, cujo ódio baba mais do que saliva. Ditam padrões de consumo impossíveis à maioria, elegendo modelos de comportamento e valores invertidos como cartilha da modernidade. Seu plano de metas é que a população brasileira se resuma a 80 milhões de habitantes. O extermínio de mais de 120 milhões já começou. Importante é você se posicionar estrategicamente, estabelecendo em que ponto do caminho você se encontra agora. Se você é pela liberalização geral e irrestrita sem intervenção do Estado, formando pseudocidadãos, ou se você é pela regulamentação racional da vida em sociedade. Polarizaram, agora é também difícil não seguir. Quando morava numa república, cheguei em casa e fui até o banheiro. Lá, um colega médico injetava cocaína na veia. Eu vi. Você já viu alguém realmente entorpecido por causa da administração de uma droga? Eu achei aquilo deprimente, rasteiro e condutor de desvios na trajetória natural dos homens. Não me venha falar em moral, a coisa é questão de saúde. Mas na novela real dos barões do pó, o Sentra é seminovo, e o piá mascarado vem todo mês abastecer o rico e livre desencapuzado que lhe manterá pobre e preso por toda a sua reles sobrevida... 


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