Um Fiat Palio vermelho passou devagarzinho na frente da
casa, parou um pouco além da outra esquina. Dava para ver, desceu um sujeito
daqueles, voluntariamente estereotipado, de bermudas, sem meias e com um capuz
a evitar reconhecimento, sob o sol não escaldante. Carregava um pacote azul nas
mãos e fez o caminho da volta até um condomínio de sobrados no meio da quadra,
onde digitou o número da residência, sem erro. Veio um homem que, através da
grade, pegou o pacote e voltou para dentro. O sujeito retorna sorrindo e
apressa o passo até correr para onde o Palio lhe aguardava, já mais no meio daquela
outra quadra. Delivery extra-oficial? Disk o quê? Happy alguma coisa, com
certeza. Dali alguns minutos, o homem que ficou com o pacote saiu em seu Nissan
Sentra pelo bairro. Fico pensando na cadeia econômica que sustenta o tráfico de
drogas. Quanto mais próximo da produção, mais pobre. Quanto mais próximo do
consumo, mais rico. E quem sempre cai, são os pequenos intermediários, pois os
grandes, donos dos cartéis, não vão a campo, têm quem o faça por eles. Senadores,
militares, megaempresários, celebridades da mídia. Helicópteros em suas
fazendas entreposto, aviões em seus aeroportos clandestinos, cruzam os céus
como se todo dia fosse de Brigadeiro. Nada os intercepta, nem a Polícia Federal
ou o Ministério Público, tampouco o jornalismo investigativo, muito menos as denúncias
nominais ou anônimas. São os intocáveis da idade contemporânea. O topo da
pirâmide é um lugar para poucos e eles fazem questão que seja de difícil
acesso. Para isso, doutrinam, manipulam, ideologizam a classe abaixo da deles,
a do meio, servindo como barreira a impedir ainda mais aquele acesso ao
vértice. Por isso, a legislação se volta para os mais pobres na base, livrando
os consumidores do topo. Há quem fale na descriminalização geral, como se isso
fosse acabar com o tráfico de entorpecentes. É só olhar para o contrabando do
tabaco, para ver se o tráfico se encerrou. Sim, eles querem descriminalização
geral, pois eles têm seus planos de saúde compatíveis, completos a tratar das
respectivas dependências. Mas e quem não tem acesso à medicina privada? Vai morrer,
e é justamente esse o desejo da classe alta, cujo ódio baba mais do que saliva.
Ditam padrões de consumo impossíveis à maioria, elegendo modelos de
comportamento e valores invertidos como cartilha da modernidade. Seu plano de
metas é que a população brasileira se resuma a 80 milhões de habitantes. O extermínio
de mais de 120 milhões já começou. Importante é você se posicionar
estrategicamente, estabelecendo em que ponto do caminho você se encontra agora.
Se você é pela liberalização geral e irrestrita sem intervenção do Estado,
formando pseudocidadãos, ou se você é pela regulamentação racional da vida em
sociedade. Polarizaram, agora é também difícil não seguir. Quando morava numa
república, cheguei em casa e fui até o banheiro. Lá, um colega médico injetava cocaína
na veia. Eu vi. Você já viu alguém realmente entorpecido por causa da administração de
uma droga? Eu achei aquilo deprimente, rasteiro e condutor de desvios na
trajetória natural dos homens. Não me venha falar em moral, a coisa é questão de saúde. Mas na novela real dos barões do pó, o Sentra é
seminovo, e o piá mascarado vem todo mês abastecer o rico e livre desencapuzado que lhe manterá pobre e preso por toda a sua reles sobrevida...
Diametralmente oposta a qualquer ordenamento jurídico, DESUNIÃO ESTÁVEL é uma imaginária relação multiafetiva ousada entre a Poesia e a Música. Como esses valores estão em declínio nos dias pós-modernos, decidi promover impulsos de acasalamento sentimental entre ambas, com a substancialidade e a emoção que brota dessas duas formas de expressividade dos sujeitos na sociedade civil, ou seja, nascentes da natureza humana. Aos amantes, as cortesias da Casa.
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