quinta-feira, 5 de março de 2015

Crônica Cotidiana 15



Outro Sábado de Sol 

A pequena sala, vazia de espaços, carregada de tempos. Quem estava ali, trazia no peito um relógio imaginário sem ponteiros nem horas, mas era uma espécie de referencial suspenso na vida. Plainando sobre o chão, aquelas pessoas todas, cada qual o mais próximo o que conseguia da horizontalidade das coisas. Uma sensação contrastante, entre a vontade de não estar e a necessidade de permanecer. Uma razão, superior a tudo e a todos, era o impulso, suficiente para acreditar num futuro que se demora, nunca se sabe quando, apenas que se quer. Fazer de seus dias, um encerramento de noites e madrugadas de dor, indignação e sofrimento. Não era preciso mais nada para aprender, lição que não cabe repetência. Mas ainda se fazia obrigatório, o acompanhamento. No palco daquela ficção real, alguém determinantemente enviado orientava almas, em função de outros corpos delas dependentes. Um ser de luz, feito elo de família, distribuindo frases de conhecimento, em páginas de verdades com reticências de esperanças. Todos atentos, como se houvesse a certeza de algum outro sol depois de amanhã. Olhos sem lugar para lágrimas, há tempos transformadas em cicatrizes de resistência. Abdicação de cada mundo em prol de determinado mundo já abdicado em função do erro. Praia de consequências, causas naufragadas no leito mar da sociabilidade deficitária. A droga, como uma segunda lua a desorientar estrelas turvas sobre espectadores enganados. E os afins destas vítimas, no afã de trazer à paisagem, a lua única e verdadeira. Rostos marcados, humildes, resignados às tentativas de recuperar alguém que está doente. Mas assim está porque a sociedade é doente. Então é preciso surgir um lugar dentro desta mesma sociedade para cuidar de quem é atingido pelos seus males. Rostos, semblantes e fisionomias doces, contrabalançando o ácido sobreviver de seus rebentos. União, solidariedade e tantas outras virtudes postas às claras, afastando as trevas da dependência química. Manhã de ensinamentos, aprendizado e regozijo, em meio a tanta gente peculiar, que dedica suas vidas à recuperação de quem ignorou a direção de seu próprio caminho. Não há túnel, não há escuridão por ali. Apenas um show de luzes circulando no ambiente como se todo dia fosse um espetáculo acordar para o combate. Como se não houvesse cansaço ao cair da tarde e como se a noite fosse sempre iluminada. A natureza humana em ebulição, riqueza aflorada, sentidos reavivados. Gente que luta, que se recria, que se encoraja e atravessa o combate com orgulho. Medalhas, simbólicas, não virão no final. Elas cravam a cada amanhecer, em cada coração, uma estrela também imaginária. Decoram a grinalda da consciência, tentando representar a beleza daquela coisa inexplicável chamada amor... 



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