AS SOMBRAS NA CHUVA
Maria dormia em vigília. Era noite de carnaval
no mundo lá fora. E chovia sobre a casa de Maria. Lá dentro, uma determinada
sede rompeu a calmaria da madrugada, ela levantou-se. Tomou um copo d’água
gelada, sem saciar sua vontade. O que seria então? Sede de que ela teria? Na volta
da geladeira, passou por um cômodo onde as cortinas estavam semiabertas. Viu vultos
no pátio, sentiu receio. Onde estaria a alegria, se muitos sujeitos optaram por
não ir à folia? Olhou em volta, as casas ao redor com meia-luz, não havia som
nem barulho. Nuvens escondendo a Lua, as árvores balançavam ao vento pedindo um pouco de estrelas, ao menos. E as sombras dos vultos ainda no pátio de Maria. Mas o medo
de repente foi embora, diante da atitude que ela tomou: abriu a porta dos
fundos e foi de camisola e descalça até o centro do pátio. A lajota molhada
lembrou-lhe a infância. O cheiro da terra encharcada do jardim, sua adolescência. A
escuridão, juventude. Tinha aproveitado pouco, em razão de um amor insolente.
Perdeu anos com ele, perdeu vida e virgindade. Aprendeu na carne sobre a
brevidade das ilusões. Hoje, adulta e só, deixou-se molhar pela natureza do
momento, encharcando seu corpo inteiro, até começar a sentir prazer. Aliviou-se
ali mesmo, de pernas abertas para um luar que não existia, mãos no ventre trouxeram o êxtase
naquela relação com o céu negro e úmido. Em sua própria casa, mas do lado de fora,
todas as demais sensações que não teve lá dentro ou a partir da rua. Permaneceu
ali por uns minutos, mas não encontrou as tais sombras. Ninguém entraria em sua
vida, por nenhum motivo, muito menos criminal. Tirou a camisola ali fora, era
hora de depilar o ventre novamente. Para que na próxima vez, a chuva não
parasse de beijá-la, por causa da superfície do seu púbis. Ou seja, a noite não
possui sombras. Se elas estão, é porque vêm de dentro, de dentro de Maria. Saem
de vez em quando, atrapalhando seu precioso tempo atual. Estas sombras, representavam
o seu passado. Foi para o chuveiro tentar lembrar pela última vez, já não dava mais
para beber. Lembrar de quando ela gostava de conversa, seus homens eram silenciosos. Ela gostava de sinceridade, cumplicidade e verdade,
seus homens foram metades. Ela gostava de música e literatura, seus
homens eram ignorantes. Ela gostava de viajar, dançar, sair,
seus homens foram estáticos. Ela gostava de massagem, seus homens
eram ásperos. Ela gostava de beijo na boca, seus
homens tinham mau hálito. Ela gostava de se masturbar, seus homens tinham preconceito. Ela gostava que lhe lambessem os
seios, seus homens tinham pressa. Ela gostava de sexo oral, seus homens tiveram nojo. Ela gostava de sexo anal, seus homens não tiveram jeito. Ela gostava de gozar, seus homens foram egoístas. Ela gostava de carinho, seus homens estavam ocupados. Ela gostava de amizade, seus homens se consideravam donos do relacionamento. Ela gostava de companhia, seus
homens não foram pessoas. Ela gostava de amor, seus homens não foram homens...
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