quarta-feira, 11 de março de 2015

Coletânea ADAUTO BOTELHO




 Coletânea MANICÔMIO RESIDENCIAL 

[Três tipos de pessoas fazem do desamor o alimento para sua sobrevida. Os músicos,   porque a inspiração vem de lá. Os poetas, porque a inspiração não sai de lá. E os loucos, porque a inspiração é sempre metade. Por isto, não se pode confundi-los com ninguém, apenas entre eles mesmos.] 

[Poeta, um ser invertido. Porque o pensamento, está no porão da casa onde mora. No sótão, habita sua loucura...] 

[O poeta, 
 É o habitante mais infiel 
 Do seu mundo de solidão.] 

[O poeta é o convidado exclusivo 
 Da festa temporária de sua própria existência..] 

[O poeta que é feliz 
 Já não é mais poeta 
 Ou porque matou sua inspiração 
 Ou por ter desfalecido.. 
     Pois os poetas jamais sucumbem, 
     E nunca regozijarão 
     Eles sempre se relacionam muito bem com a morte das coisas..] 

[O poeta não é feliz 
 Fosse feliz não seria poeta 
 Seria apenas um entregador de flores 
 De uns para outros 
 Sem passar pelo seu jardim de ilusões.. 
 Mas não é a ilusão que alimenta o poeta 
 Ele apenas sorve a realidade do impossível] 

[Poetiza, 
 Lembra que tua alma é barroca 
 Procurando conciliar os opostos que te rodeiam 
 Bastardos que ignoram teu penar.. 
 Deixa disso 
 E parte no sentido da tua própria unificação..] 

[Os poetas podem amar as poetizas 
 Mas elas podem apenas gostar deles 
 Pois se houver amor entre ambos 
 Deixa-se de ser poeta 
 E passa-se a estar comum.. 
 E deixa-se de ser poetiza 
 Quando alguém não poeta, que ela gosta, passa a amá-la.. 
 Porque ser poeta é amar sem ser correspondido 
 E ser poetiza é gostar sem ser amada..] 

[O poeta 
 Não escreve sobre a mulher que ama 
 Porque vem do desamor, 
 O sangue que passa pelas suas mãos...] 

[O Poeta sabe que não ama 
 Mas ele vai até onde não existe 
 Só para confirmar as impossibilidades.. 

 O Poeta sabe que não será amado 
 Mas ele vai até quem não o ama 
 Só para negar tais possibilidades.. 

 O Poeta apenas vai  
 Porque aonde ele mora 
 É um lugar quase inexistente...] 

[O poeta nada espera 
 Porque ele sabe que nada fica, 
 Dele tudo se vai.. 
 Mas ser poeta, 
 É ficar em permanente vigília, 
 Atento àquilo que passa.. 
 É quando o poeta vive, 
 No instante em que toca a superfície da vida fugaz 
 E ela vai quase imediatamente embora, 
 Sempre incólume, 
 De onde ele jamais permaneceu...] 

[Poetas não vivem 
 Nem sobrevivem 
 Apenas colecionam as mortes de tudo...] 

[Poeta 
 Por excelência, o mais solidário dos seres 
 Suas palavras partem por alguém, 
 Mas nunca chegam a ninguém.. 
 Têm elas a mesma natureza do vento 
 Voo permanente, passando por muita coisa, 
 Em direção a lugar nenhum...] 

[Poucas horas para a alvorada 
 E eu aqui tentando adormecer minha inspiração 
 Difícil essa vida de poeta, 
 Um ser que é órfão do tempo... 
     Mas é pai de sua virtude 
     Mãe das nossas palavras 
     E irmão de todas as coisas que vão embora...] 

[O poeta é um contínuo viajante 
 A levar de carona um estranho 
 Alguém que ele não vê 
 Mas que entra em seu veículo, 
 E desce um pouco mais adiante 
     Ocasião, 
     Para que se repita o gesto 
     Pois é sensação indescritível, 
     Poder ser solidário com a própria solidão.] 

[O poeta, 
 É um grande cão não adestrado 
 Que fugiu para a periferia dos acontecimentos da doméstica civilização 
 Lá, 
 É onde nada lhe ocorre 
 Pois tudo sempre poderia ter sido 
 Mas nunca será..] 

[O poeta é um ser descompensado 
 Cujo coração insulínico 
 Pede para sua alma escrever 
 Sobre aquilo que não pode sentir..] 

[O poeta, é o único ser capaz de decifrar a beleza. Porque ele não leva consigo a preocupação de vivê-la: basta-lhe a contemplação...] 

[Eu escrevo, por nenhum motivo. É apenas o meu jeito de viver o que eu não vivo. Sei que isto não me leva a lugar algum. Mas eu  não quero parar nas limitações dos lugares, sua clausura ou sua certeza. Somente desejo ir, por não querer ficar..] 


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