domingo, 1 de março de 2015

Gêmeas Bivitelínicas

 2015, AINDA UMA ODISSEIA DE CORPOS 


A borra de café no fundo do coador 
A réstia de nata na borda da xícara 
E o rastro de esperma sobre as coxas 

O fio de óleo no centro da panela 
O resto de molho na ponta da mesa 
E a pústula de sangue sobre o ventre 

Preto, branco,  
Amarelo, vermelho 
Cores que entram 
Cores que saem 

A crosta de ideias dentro da mente 
O limo de sentimentos ao centro do peito  
E a saburra de farelos no corpo da alma 

Mundo incolor 
Coisas que não circulam 
Vida que não vive 

Nessa desbotada aquarela, 
Um cavalete de madeira 
Uma tela de pano 
Onde só o sexo traz inspiração... 






[Ele chegou, sentou e se instalou. Falou quase tudo, mas não prometeu o impossível. Permaneceu quando, quanto, como e onde bem quis. Ele só queria estar ali, nada além: inimaginável ser aquilo o tempo todo. Uma doença bandida, malformação espiritual, somatizando uma espécie de criptorquidia cardíaca: seu coração havia descido para a genitália. Durante o sexo, a vida era bela. O amor inventava-se, tentando se fazer presente naquele mundo maravilhoso de Etérnia girando feito carrossel entre quatro paredes sobre uma cama em meio a lençóis manchados de suor e secreções germinativas, sobrevida sem vírgulas. luzes artificiais. Bastava aquilo, o resto era supérfluo. Ela acreditou nele como contador de uma sedutora história marselhesa, em sua novela mexicana com roteiro paraguaio, temática sueca, personagens de Atlântida em cenário de Dogville. Pronto, a figurinha de uma ficção alocada para o álbum da realidade. Difícil viver assim, mas era o que tinha para ontem. Ela, não sabia que não merecia aquilo. Sujeitou-se durante anos restar à beira de um podium inexistente. Infelizmente, acontece com pessoas que não submetem seu próprio coração ao crivo do pensamento, esquecendo-se de que estes próprios corações são estruturas muito sensíveis para permanecerem expostos ao léu das estações, livres de reflexões ou perspectivas. Ventos momentâneos do prazer supletivo, fingindo ser oxigênio, era gás hélio, já não mais ali. Sensações voláteis, corpos horizontais, predominância da antimatéria, ausência de sentidos pela rejeição ao mundo lá fora, luz natural. O calor hermético do ambiente da vez, culminava no gozo que representava uma fuga do cárcere das privações, caindo minutos depois estatelada no pátio da não liberdade. Suas cicatrizes eram as piores que podem existir: as invisíveis. O saldo consolador, de que ela faz parte de uma considerável parcela da humanidade, a qual acha que qualquer coisa pode ser chamada de amor. Que relacionamentos mínimos podem assumir categoria, qualidade, grau de relevância sentimental com status de companhia. Proporções à parte, são os que fazem desta música o seu cotidiano, onde a triste e bela poesia revela uma não menos triste e horrorosa realidade. Rosa tinha nome de flor, que rima com amor, incompatível com pusilanimidade. Bernardo tinha nome de bicho, urso que não rima com a espécie humana. De tão ácida sua vida, que um dia ela se permita reconhecer algo básico, ou fundamentalmente máximo enquanto durar. Ele? Que ele continue do seu jeito neutro de estar, mas bem longe dali, ou seja, bem distante das pessoas que merecem amar...] 




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