quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

O ILUSIONISTA



O amor - e eu bestialmente insisto em falar do que eu não conheço - é algo como um instituto, tem natureza de lei. Exige requisitos, pressupostos, um arcabouço de princípios que o permitam acontecer, revelar-se como fenômeno humano. Ao contrário das outras ciências, a dogmática do amor não guarda nenhuma autonomia, ao mesmo tempo em que não suporta interdisciplinaridade. Por isso, dada a peculiaridade de seu empirismo, ele é diuturnamente usurpado por pessoas que já banalizaram sua essência, já admoestaram sua especificidade, ou já ignoraram sua amplitude. Percebem-se no dia a dia, relações tentadas, por vezes fracassadas, deixando para serem saneadas no porvir, mesmo que não seja logo amanhã. Esquecem-se, de que até lá, acontecem os amanheceres, infelizmente sem conscientização do que isto representa. O que seria da nova manhã se ela trouxesse obscuridades noturnas ou então sombras da madrugada? Um céu com anteparos breus ofuscando o azul? Inimaginável? Será que a natureza não serve como escola para os alunos que nela estão, ainda que compulsoriamente? Bela analogia traz o Mestre, quando aponta tal semelhança espacial. Difícil acreditar que um novo relacionamento possa ter bom desenvolvimento, se ainda nele estão contidas as coisas do passado, das outras relações. Gente que não é livre, submete-se à nova experiência com intuito de que esta sirva como esquecimento. Não foram capazes de se desfazerem das lembranças sozinhos, partindo para uma busca frenética que os faça distante de algo que está indelevelmente dentro deles.  Por isso não são livres. Daí, quando encontram algum novo depositário de seus revezes sentimentais, passam a associar a nova relação às anteriores, eliminando toda e qualquer chance de dar certo. É o cruel extermínio de oportunidades. Seria crime, não fosse comum. De tanto, é apenas casualidade, obra embargada do destino incompetente. É como dar uma nova carona com o carro lotado, levar à festa sem convite, prometer o pão e não voltar, sorrir sem verdade. Coisas que vão aflorando no importantíssimo curso do tempo, minando o espaço, oprimindo corações e suprimindo mentes: dizimando amores possíveis. Até que a decadência chega ao fim, mesmo que tenha havido um começo elegante. É preciso mudar este panorama relacional, este mau hábito, esta tradição comportamental afastada da realidade, longe demais do ideal de companhia. Primeiro, as pessoas tem de se emancipar do seu passado. Deixar para trás memórias, frustrações, até mesmo bons momentos, toda e qualquer reminiscência, para que se possa começar de novo. Mas começar e não continuar, nem retomar ou outros verbos semelhantes. O passado é realmente um dos deuses mais feios. Ele volta à inconsciência tal qual uma tempestade sobre a lavoura, raios sobre os balneários, inundações nos caminhos urbanos: não se pode futurar, se o presente não é livre dele. Tal discernimento, é para poucos. Estes, são os que levam em sua consciência, uma coisa chamada esperança. Por sua vez, esta não está voltada para o querer alguém, e sim para a vontade de sentir paz. A paz, que só pode ser encontrada depois de amanhã. Porque amanhã, é dia de faxina no tempo, para liberar o espaço para alguém que possa inteligentemente compartilhar aquela outra coisa chamada amor...


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