Uma sexta-feira matinal
genuinamente curitibana. Ela levava a filha pós-adolescente para a escola,
movendo-se no trânsito dos automóveis como uma das células sanguíneas na grande
circulação. No ponto morto do câmbio, aproveitou o tempo de sinaleiro que não
existe em casa, tocando num assunto que lhe cobrava a intervenção maternal no
sentido de orientar seu rebento, sobre o balanço dela na rede social:
- Quem era aquele sujeito que
comentou sua postagem ontem?
- Não interessa! E vê se não me
enche o saco de novo, porque ele é só meu amigo! Vê se não vai escrever pra ele
aquelas besteiras como fez na outra vez.
- Mas filha, naquela ocasião era
diferente, você tinha só 14 anos, o cara era de maior, quase 10 anos mais
velho, a diferença nem era muita, mas você é que era muito nova.
- Ridículo, mãe! Já disse: não
atrapalhe minha vida de novo! Vou ficar puta com você, que merda!
As palavras machucavam não apenas
pelo conteúdo, mas principalmente pela rudez no tom de voz, carregada de
rebeldia e insensatez, sobre uma causa deveras inexistente, sem motivo para tal
consequência. Quando no celular, a menina sempre digitando em calmaria, ao
contrário das fracassadas tentativas de diálogos interpessoais, quando no
centro do lar. Um profundo gole de lamento, e as lágrimas da genitora ofendida
pela própria cria misturaram-se às da chuva lá fora. Fez do seu rosto, um vidro
dianteiro, das mãos um limpador de para-brisas. O silêncio habitou-se no meio
do veículo que transportava indignações nos dois bancos da frente. Evitaram
olhares, desviaram foco, permaneceram mudas na superfície do asfalto das coisas
importantes.
A mãe lembrou-se do próprio pai, e
do que ele faria caso ela se dirigisse a ele desse modo. Pensou no mundo de
hoje, se a sociedade caminha mesmo no sentido da evolução, como dizem os
periódicos especializados. Ontem, era a juventude transviada, hoje a
adolescência comeu um pedaço da infância e a juventude um maior ainda da
adolescência, formando adultos deficitários, incompletos, desvirtuados. Quando
baixinhos, foram precoce e literalmente jogados na arena romana do mundo
sexista de competições, também por aquela loira regenerada que ainda tenta na
justiça recuperar rolos de fitas pretéritas do tempo em que ela tirava leite de
falo tição e poderoso. As fases da vida diminuindo seu tempo, pessoas fora do
espaço etário, pedestres na rua, carros sobre as calçadas, argentinos cuspindo
fogo, haitianos apátridas, chineses clandestinos do cartel pasteleiro central,
brasileiros votando em Manhattan...
Dói mais saber que o sangue
fervente diante do motor, é o mesmo que corre em suas avenidas vasculares de
sentir. O ar condicionado tentava segurar cada lágrima caída na tez da pele da
face, discretamente coberta pelos cabelos soltos de disfarçar tristeza, em
vão.
O indigente pedia na janela
trocados para se alimentar de crack. A droga de vida tomou proporções
inimagináveis. Ele, o pedinte, já não tinha mais futuro. O que seria do futuro
da filha revoltada, ignorando já a essa altura da sua jornada uma simples
conversa ao pé do rádio que tocava um prelúdio desconhecido criando uma
artificiosa redoma de tranquilidade contra o caos externo da metrópole
bastarda? Sim, a cidade não teve pais. O dependente químico perdeu-se de seus
pais. E há gente que os despreza, como se não tivesse havido ontem.
Depois do almoço, ela foi para um
shopping, adquirir um aparelho mais novo para tentar adicionar sua própria
filha à sua vida, ou melhor, chamá-la à sua família, vínculo afetivo em comum.
Uma espécie de resgate, ou feedback dos valores tão invertidos em prol da
modernidade tardia. E quando novamente chover de dentro pelo caminho, que seja
de alegria: um basta na acidez alheia do temporal da aculturação globalizante.
Pois neste recém-nascido paradigma da comunicação, um dos maiores perigos é a
obsolescência das relações humanas...
- Solicitação de amizade enviada.
Aguarda sucesso...
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