terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Crônica Cotidiana 7


BANQUETES DOS SIGNOS
Pessoas sentam-se em volta das mesas nas comemorações. Comida e bebida, tradição na base de reminiscências inconscientes dos tempos medievais. Mesas de plástico, jacarandá, vidro ou metal nobre, sempre sustentando reuniões de cunho social, nunca sem deixar de haver um motivo suficiente. Um aniversário, uma data especial, um encontro de fim de ano. E os casamentos, principalmente. Gente que se endivida ou então desperdiça numerários para abarrotar os seus próximos de comer e beber. Pretendem dividir com eles a sua alegria e a sua esperança, mostrando àquela maneira a força dos laços nem tão visíveis assim, às vezes. Uma boa parte consegue, o tal entretenimento, ignorando o futuro da solidez conjugal: não é preciso, importa o presente, o momento, o dia de hoje. Uma das mais puras intenções, repleta de bondades, solidariedade até, também outras virtudes coletivas. A maioria dá certo, não obstante a relatividade do que isto possa significar. Sobretudo, é uma questão temporal. Pois quando uma relação acaba, aquela festa perdeu o sentido, logicamente que não de uma hora para outra, os tais copos d’água vão enchendo. Para estes casos, onde o samba não está tão animado, é preciso refletir um pouco, parafraseando Chico. A pergunta paradigma: “por que não há festa quando se acabam as relações?”. Ninguém inova costumes, quebra protocolos ou rompe tradições. Se a separação é para viver melhor - assim como se deu com a união - não caberia uma outra comemoração, com mais comida e bebida? Ninguém pensa que sim, que caberia. Nem que não caberia, só porque ninguém pensa nisso. Mas entre bijus e pedrarias João e Maria ousaram renovar. Após oito anos de casados, dois filhos, casa e um dos carros ainda financiado, além das dezessete domésticas que presenciaram ascensão e queda do lar, resolveram viver em paz. Maria não tinha nenhum pretendente além dos que a admiravam, uns pelas suas curvas, outros pela sua alegria. João recorreu de imediato aos corpos de sempre, encontrou sobras de sexo e videotaipes. Os admiradores dela súbita e surpreendentemente perderam a coragem ao vê-la livre. As parceiras dele repentina e inesperadamente perderam a vontade ao sabê-lo solto. Os dois, pensaram que o depois de amanhã chegaria antes, não veio. Há um amanhã no meio do caminho. Um novo tempo que necessita ser bem recebido anteriormente. Então decidiram, depois de quatros meses de inadaptação e preconceitos, convidar os conhecidos para um evento transcendental de costumes, mudança de hábitos. Reservaram um salão para cento e poucas pessoas, um conjunto musical e um buffet maneiro. Todos vieram, a rigor, dançaram, comeram e beberam como se fosse ontem. O ex casal trouxe alguém fantasiado de fênix para cortar o bolo, servido pelos jovens que foram respectivamente damas e pajens no casório de outrora. Todos riram, se divertiram e brindaram de um jeito diferente, a pedra fundamental das transformações pós-conjugais estava lançada. Não havia o que lamentar: a pior morte, é mesmo do que ainda continua vivo; não era o caso. Ali, comemorava-se renascimento. “O amor não é infinito, infinitas são as almas, cujos sentimentos são sempre recomeço”, dizia o poeta trovador e fugidio. Edificar quando desmorone, mas em outros terrenos. Ligeiro espanto: isso aconteceu em Curitiba, virada então em modelo de transposição relacional civilizada. Maria foi pra casa dela dormir sentindo-se protegida. João foi pra casa dele beber se sentindo apoiado. Porque nessa história, além de muita criatividade, desprendimento, coragem, superação, comida e bebida, havia algo assim muito mais do que fundamental nas etapas mais importantes na vida de todo mundo: os amigos...


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