Quinta-feira à noite, calor idiopático aquecendo os corações fabularmente gélidos da capital paranaense. Inauguração de sala com nome de ex-prefeito junto com lançamento de seu livro em museu, escrito por uma quase surreal mas legítima Dama de Branco da pinha (e não da gema como preferem os alienados), dessas que dão rasteira em James Bond, Casanova, Banderas e até em Sharon Stone. Gotas de suor coletivo mergulhavam sobre as pranchetas do homem em seu pretérito, era hora de voltar para a casa não arquitetada da solitude.
Fome não havia, apenas uma herança maldita que herdamos da tradição de locupletar estômagos, mesmo quando saciados, em razão de observar um costume cronológico de natureza supletiva, pois os verdadeiros espaços estão em nossos corações. Parada em mercado, intenção capitalista frustrada ao me deparar com uma ‘barraquinha’ de tapiocas.
- Moça, eu ia lá em cima comprar ingredientes pra fazer em casa...será que ainda dá tempo ou você já está fechando?
- Não! Pode se sentar, rapidinho eu faço uma, escolha o sabor, meu senhor. – depois que uma caloura recém aprovada veio pedir trocados num sinaleiro e referiu-se a mim da mesma forma quando eu tinha 30 anos, eu me entreguei feito revel à engenharia do tempo.
- Hum...”manteiga tradicional”...tem gente que come isso? Puro?
- Essa não, só tem manteiga. É mais pra quem é nordestino mesmo. – disse a moça, biotipo de Tammy Gretchen, se não fossem os seios (posto que a pequena “celebridade” os extirpou nesta semana), diria que era uma xerox ectópica e desgarrada da filha da Conga (pensaram outra coisa, hem?). Aí eu penso nos motivos que levaram o povo Brasileiro do nordeste a criar uma tradição de comer polvilho doce com água, acrescentando apenas manteiga. Passa um flash da transposição do São Francisco, lembro do clã dos Sarney e dos Gomes, o turismo sexual, os poços artesianos que não saem. Ainda bem que existe Geraldo Azevedo. Penso também naqueles que louvam o separatismo. Naqueles que ignoram a Federação, as cláusulas pétreas. Enfim, onde estão os verdadeiros ignorantes? Mas não é hora disso e interrompo bruscamente o meu cérebro-carrossel:
- Eu quero uma de carne seca com queijo. Você trabalha aqui na hora do almoço?
- Não, só venho de tarde. O dono fica aqui, atende sozinho.
- Mas como ele consegue atender toda aquela galera do Colégio Militar ao mesmo tempo? São dezenas de miliquinhos.
- Ah, ele se organiza. Tem uma lista e vai fazendo pela ordem as tapiocas e os sanduíches. Os alunos ajudam a entregar e até a cobrar. – aí eu penso que no Brasil acontecem fatos reveladores de solidariedade e cooperação, tão interessantes que a gente desconhece; eles acham mais importante mostrar as mortes nos jornais. “Informação” devia perder a primeira sílaba, às vezes. Também penso na responsabilidade dos empregadores, mesmo dentro do acrônimo SIMPLES. Que poderia ter mais alguém ali estabelecendo uma relação de trabalho. O que é que traz o medo do progresso? Chega.
- E você, onde aprendeu a fazer tapioca?
- Ele, o dono, foi quem me ensinou. Só que a minha é melhor do que a dele. A dele racha de vez em quando, aí o recheio escorre. Eu tenho mais paciência, demoro no preparo. E ainda prefiro trabalhar sozinha. Sou do interior, meio tímida ainda, tenho 25 anos.
- De onde você é?
- De Umuarama. Quer dizer...na verdade de Cruzeiro do Oeste, ali pertinho. Mas não volto mais pra lá nem a pau. – aí eu penso quanta gente ainda tem vergonha de indicar o seu interior. Talvez seja porque o interior humano seja algo com muitas fronteiras ainda...penso no êxodo rural ainda na virada de século, ninguém faz nada..ela continuou:
- Vim com seis anos pra cá. Comecei a me virar cedo. Hoje, ainda bem que consegui comprar uma moto, porque de ônibus eu demorava quase duas horas. O pior é voltar de noite com chuva na linha verde, quase morri semana passada.
- Onde você mora?
- No Sítio Cercado. Quer dizer...na verdade, na Vila Osternack. Conhece lá?
- Puxa! Uma vez eu vim embora do zoo lá por trás, há uns 8 ou 10 anos. Desculpa, mas parecia um faroeste, cidade fantasma, sabe como?
- (risos) É, mas hoje tá muito mudado. Fizeram uma ligação com outro bairro (esqueci o nome), tem posto de saúde, bancos, vão até construir um BIG por lá, perto do CT do Atlético. – o carrossel não para e eu penso que as tais caminhadas observacionais precisariam se estender à região metropolitana, ia fazer um bem danado para a nossa alteridade, dos citadinos.
- Se é perto do CT, deve ser um lugar maravilhoso.
- Ih, que nada, sou paranista.
- Sem problemas. Ficou boa a sua tapioca, viu?
- Eu sou cozinheira. Tenho uma empresa de entrega de refeições lá no Sítio Cercado. – então eu imagino o quanto é difícil a vida pra ela. A autoinclusão forçada e suada do jovem no mercado de trabalho. Penso nos cargos comissionados da ALEP. No pacotão do mal, do mau gestor público, o Falcon sem barba. Ira que não cabe naquele momento.
- Além disso, ainda faço faculdade de Administração na UNINTER de manhã (presencial), só estou aqui porque o dono e eu estamos de férias, ganho uma grana Extra (no Muffato, sic) eu cubro ele. Termino ano que vem o curso.
- E o que você vai fazer com o seu diploma?
- Não sei. O meu negócio de refeições tá crescendo. Não sei o que vai ser da minha vida. – então eu penso que esse mistério que ronda as portas do futuro da moça, devia estar presente em todas as idades. Aquele olhar de princípio, aroma de esperança, gosto de criatividade e de desenvolvimento, indícios de emancipação. Mas em nosso meio há muitas pessoas prontas, que atingem seu único objetivo, realização total de sonho que nem se precisa mais das noites para viver melhor os próximos dias. Não sei se falta um pouco de juventude em mim, em você, em nós. Não para passarmos a servir tapiocas ou refeições. Mas para, fundamentalmente, valer-mo-nos da criação até gerar o som, quer dizer: empregos. Se isso fosse possível, os jornais não se reduziriam a fomentar a violência (pensei escondido).
Fui embora, desejei-lhe sucesso na vida. Nota seis para a tapioca. Nota dez, com louvor, para a intersubjetividade. Eu não tinha ido lá para comer tal iguaria. Eu não sabia que era só para que eu conhecesse um pouco mais do nosso povo, e sentir novamente orgulho dele. A Dama de Branco também enche de orgulho a cidade. A Dama de Branco adora tapiocas...
Fome não havia, apenas uma herança maldita que herdamos da tradição de locupletar estômagos, mesmo quando saciados, em razão de observar um costume cronológico de natureza supletiva, pois os verdadeiros espaços estão em nossos corações. Parada em mercado, intenção capitalista frustrada ao me deparar com uma ‘barraquinha’ de tapiocas.
- Moça, eu ia lá em cima comprar ingredientes pra fazer em casa...será que ainda dá tempo ou você já está fechando?
- Não! Pode se sentar, rapidinho eu faço uma, escolha o sabor, meu senhor. – depois que uma caloura recém aprovada veio pedir trocados num sinaleiro e referiu-se a mim da mesma forma quando eu tinha 30 anos, eu me entreguei feito revel à engenharia do tempo.
- Hum...”manteiga tradicional”...tem gente que come isso? Puro?
- Essa não, só tem manteiga. É mais pra quem é nordestino mesmo. – disse a moça, biotipo de Tammy Gretchen, se não fossem os seios (posto que a pequena “celebridade” os extirpou nesta semana), diria que era uma xerox ectópica e desgarrada da filha da Conga (pensaram outra coisa, hem?). Aí eu penso nos motivos que levaram o povo Brasileiro do nordeste a criar uma tradição de comer polvilho doce com água, acrescentando apenas manteiga. Passa um flash da transposição do São Francisco, lembro do clã dos Sarney e dos Gomes, o turismo sexual, os poços artesianos que não saem. Ainda bem que existe Geraldo Azevedo. Penso também naqueles que louvam o separatismo. Naqueles que ignoram a Federação, as cláusulas pétreas. Enfim, onde estão os verdadeiros ignorantes? Mas não é hora disso e interrompo bruscamente o meu cérebro-carrossel:
- Eu quero uma de carne seca com queijo. Você trabalha aqui na hora do almoço?
- Não, só venho de tarde. O dono fica aqui, atende sozinho.
- Mas como ele consegue atender toda aquela galera do Colégio Militar ao mesmo tempo? São dezenas de miliquinhos.
- Ah, ele se organiza. Tem uma lista e vai fazendo pela ordem as tapiocas e os sanduíches. Os alunos ajudam a entregar e até a cobrar. – aí eu penso que no Brasil acontecem fatos reveladores de solidariedade e cooperação, tão interessantes que a gente desconhece; eles acham mais importante mostrar as mortes nos jornais. “Informação” devia perder a primeira sílaba, às vezes. Também penso na responsabilidade dos empregadores, mesmo dentro do acrônimo SIMPLES. Que poderia ter mais alguém ali estabelecendo uma relação de trabalho. O que é que traz o medo do progresso? Chega.
- E você, onde aprendeu a fazer tapioca?
- Ele, o dono, foi quem me ensinou. Só que a minha é melhor do que a dele. A dele racha de vez em quando, aí o recheio escorre. Eu tenho mais paciência, demoro no preparo. E ainda prefiro trabalhar sozinha. Sou do interior, meio tímida ainda, tenho 25 anos.
- De onde você é?
- De Umuarama. Quer dizer...na verdade de Cruzeiro do Oeste, ali pertinho. Mas não volto mais pra lá nem a pau. – aí eu penso quanta gente ainda tem vergonha de indicar o seu interior. Talvez seja porque o interior humano seja algo com muitas fronteiras ainda...penso no êxodo rural ainda na virada de século, ninguém faz nada..ela continuou:
- Vim com seis anos pra cá. Comecei a me virar cedo. Hoje, ainda bem que consegui comprar uma moto, porque de ônibus eu demorava quase duas horas. O pior é voltar de noite com chuva na linha verde, quase morri semana passada.
- Onde você mora?
- No Sítio Cercado. Quer dizer...na verdade, na Vila Osternack. Conhece lá?
- Puxa! Uma vez eu vim embora do zoo lá por trás, há uns 8 ou 10 anos. Desculpa, mas parecia um faroeste, cidade fantasma, sabe como?
- (risos) É, mas hoje tá muito mudado. Fizeram uma ligação com outro bairro (esqueci o nome), tem posto de saúde, bancos, vão até construir um BIG por lá, perto do CT do Atlético. – o carrossel não para e eu penso que as tais caminhadas observacionais precisariam se estender à região metropolitana, ia fazer um bem danado para a nossa alteridade, dos citadinos.
- Se é perto do CT, deve ser um lugar maravilhoso.
- Ih, que nada, sou paranista.
- Sem problemas. Ficou boa a sua tapioca, viu?
- Eu sou cozinheira. Tenho uma empresa de entrega de refeições lá no Sítio Cercado. – então eu imagino o quanto é difícil a vida pra ela. A autoinclusão forçada e suada do jovem no mercado de trabalho. Penso nos cargos comissionados da ALEP. No pacotão do mal, do mau gestor público, o Falcon sem barba. Ira que não cabe naquele momento.
- Além disso, ainda faço faculdade de Administração na UNINTER de manhã (presencial), só estou aqui porque o dono e eu estamos de férias, ganho uma grana Extra (no Muffato, sic) eu cubro ele. Termino ano que vem o curso.
- E o que você vai fazer com o seu diploma?
- Não sei. O meu negócio de refeições tá crescendo. Não sei o que vai ser da minha vida. – então eu penso que esse mistério que ronda as portas do futuro da moça, devia estar presente em todas as idades. Aquele olhar de princípio, aroma de esperança, gosto de criatividade e de desenvolvimento, indícios de emancipação. Mas em nosso meio há muitas pessoas prontas, que atingem seu único objetivo, realização total de sonho que nem se precisa mais das noites para viver melhor os próximos dias. Não sei se falta um pouco de juventude em mim, em você, em nós. Não para passarmos a servir tapiocas ou refeições. Mas para, fundamentalmente, valer-mo-nos da criação até gerar o som, quer dizer: empregos. Se isso fosse possível, os jornais não se reduziriam a fomentar a violência (pensei escondido).
Fui embora, desejei-lhe sucesso na vida. Nota seis para a tapioca. Nota dez, com louvor, para a intersubjetividade. Eu não tinha ido lá para comer tal iguaria. Eu não sabia que era só para que eu conhecesse um pouco mais do nosso povo, e sentir novamente orgulho dele. A Dama de Branco também enche de orgulho a cidade. A Dama de Branco adora tapiocas...
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