quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Crônica Cotidiana 11



Os compêndios temáticos não lhes ensinaram nada. Mas ele leu alguns, sequer guardou algo tão desnecessário, preferia Asterix. Ao contrário dela, que engordava prateleiras domésticas de autoajuda, coladinho com Palmirinha. É muita gente falando de amor, como se ele fosse ciência, passível de exame analítico. Teorias do além, além-relacionamentos, ingerência alheia sobre nós. Quem poderá dizer das circunstâncias que os outros vivem, falar sobre o que não se vê, discorrer do que não se toca, nem se palpa, muito menos se apreende: aquilo que se sente. Mas existem, os tais profetas do devir. Bravatas, entre arrotos e gravatas de gosto pra lá de questionável. Louváveis as atitudes de apoio, porém incompleto, impossível. Podem conhecer corações os médicos, as mentes os psiquiatras e psicólogos, mas o sentimento não fica por ali, retido como um agravo forense. Conselhos? Orientações? Remédios ou terapias alternativas caem dos céus esparramando-se em folhas de prescrições salvadoras, locupletando espaços vazios nas bolsas e pastas do povo inseguro, 'solucionática' aleluia. Leila tinha um companheiro exemplar, boa praça, boa pinta, bom de papo, de garfo, de copo, de bola e de cama. Mas ela preferiu o divã ao dialogar com quem estava dentro dela, senão, no mínimo bem perto. Talvez fosse muito cedo para que ela se envolvesse em plenitude. Mal sabia que já era tarde para iniciar-se nos prazeres do sexo. Guardava-se como uma ostra protege a sua pérola, a última lá do fundo daquela enorme fazenda marinha perto de Guaratuba. Seus avermelhados pelos pubianos formavam um chumaço de fazer inveja profissional ao delicado rapaz da Bombril. Evitava tocar-se, pois provocava choques de 50 volts na consciência trêmula diante de toda nudez castigada ab initio. E o doutor sem doutorado insistia na virgindade como prêmio, um celibato civil de deslocado puritanismo deísta, sugerido como defesa para quem jamais lhe atacou ou coagiu sobre ameaça. Ele não entendia, o silêncio da voz nem a mudez do corpo. Suas palavras e atitudes caíam por terra, na tentativa de aproximar essências. Queria levá-la a um lugar chamado clímax, conduzindo-a pelo prazer do carinho. Queria chegar noutro lugar chamado companhia, pelo prazer de ouvi-la. Não deu. Ela se abria nas consultas, hermética nos encontros. Ele se fechava no banheiro, arreganhado na noite. Ele foi embora sem saber o que é pior, se aquela ausência toda ou se a mentira. Seria a negação do tudo, uma outra forma de lorota? A verdade só acontece em partes? Muito filosófico para a academia resolver. Que a luz do bom senso recaia sobre os amantes, mesmo que os dispersando pelo mundo adentro. Ela se formou antes dele, não comemoraram nada porque não houve festa, destruíram tudo posto que era de areia, e ignoraram o depois já que foi órfão do antes. Os filhos dela são do terapeuta, aquele que, do alto de sua insustentabilidade humana, fazia crer que existe razão nas coisas feitas pelo coração...


Nenhum comentário:

Postar um comentário