Dois convites, ninguém se habilitou. Foi
sozinho, como se houvesse um lugar vago ao seu lado. Não, esqueça-se da disponibilidade: apenas não há lugar. Já nem ligava, tamanha
a diferença entre seus valores e os dos seus. Uma fugida para a praia num fim de
semana, uma exposição, um show musical antigo, esta palestra sobre a
Terra...tudo era sempre descartável para os outros ao seu redor. “Paciência”,
era uma de suas canções preferidas. Chegou cedo, comprou um livro do
palestrante, recebeu dedicatória de punho autoral in loco. Pediu favor a uma moça que estava logo
atrás na fila dos autógrafos, ela tirou a foto dele com a celebridade. Devolveu
a ela a gentileza, não foi necessário, ela agradeceu. Sentou-se na quarta fileira, aguardou início. Aula de vida, de
conhecimento, de reflexão ou indicativo de necessidade de. No final, a sessão
de perguntas. Ele havia preparado a sua, pediu vez, mas o microfone foi para alguém que
estava imediatamente atrás dele: ela, novamente. Ele nem percebera, não virou-se, só reconheceu
pela voz, macia e aveludada, como se as palavras ditas tivessem tez, absurdo coloquial. Depois da
resposta, ela lhe passou o falador sem fio na mão direita. Acabado tudo, no encerrar da aclamação ele foi
embora com pressa para evitar o congestionamento dos carros na garoante saída.
Esqueceu-se de parabenizá-la pela pergunta como ele tinha pensado. Quando
chegou em casa, é que se lembrou: teria sido um equívoco, ou foi muito mais do que
isso? Recordou-se que a tinha visto no saguão do anfiteatro momentos antes, e
que não tinha reparado na moça. Uma beleza que surgiu e desapareceu feito
clarão em tardinha de Saint Germain, ele ignorou, redirecionou olhares para outros pontos indefinidos: foi o olhar dele que se fez poente e se afastou dela, ela que ficou. Não
havia sentido dizer-lhe aquilo, talvez soasse bom para ela, mas terminaria ali. Daquelas coisas que são fulminantemente princípio e fim, sem meios a vivenciar. Não chegou a ser uma oportunidade de conhecer alguém inteligente, dado o teor
da pergunta que ela fez. Mas a questão não era ela: era ele. Viveu a vida inteira
tendo de jogar fora as meras coincidências que lhe serviam de prato vazio. Atrás dele
na fila e depois no auditório para trezentas pessoas: nada significava, ele já aprendera sobre as coisas
do acaso. Tudo aquilo que ele tentara erigir sobre as tais casualidades, parecia castelos
de areia: fim previsível, cujo tempo durava até a próxima onda. Então ele concluiu
que havia amadurecido. Que no cotidiano não existem chances. Que os caminhos não
se cruzam quando há predomínio do paralelismo ou das divergências, próprias à sua
sina essencialmente cartesiana. Ele poderia ter conversado com ela até a porta do teatro, talvez fizesse bem
para os dois. E dali para fora, a morte de mais uma não relação. Perdeu a conta
de quantas situações semelhantes já velou, agora não era mais preciso lembrar. A frieza
que se instalou em seu peito, permite hoje levar isso com galhardia. Ele possui
uma cicatriz interna, ontem ele viu o tamanho. A proporção, a dimensão e a importância
desta escara relacional. Tal marca, se formou num tecido demasiadamente especificado:
seu tecido emocional. Podem voar mundos, morrer astros, sua inspiração jamais mudaria.
Uma inspiração silenciosa, muda, unilateral e todos os demais adjetivos isolantes que caibam
no quarto da não reciprocidade, fato diametralmente oposto à comunicabilidade da
natureza daquele evento. Nem por isso deixava de existir, de inspirar-se. A morena
da palestra, passou desconhecida. Ele não precisa de companhia alguma. Luis Renato
tinha elegido Débora para sempre como zênite em seu lírico dossel. O deus do fogo marcara com precisão
o desenho daquele sinal dentro de seu organismo, como símbolo da mais elegante dentre as suas coincidências, a sua mais importante viagem de ventania. Ele compreendeu com
sabedoria o sentido dos ventos. O perfume se foi, mas a flor ficou na memória. Memória,
o seu complexo e emocionante órgão de tecidos especializados...
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