Posso fazer algo comum, mas de uma forma
diferente. Posso deixar que pareça, eu não me importo se os outros molham seus
pés no rasinho ou mergulham no mar; eles são eles e só, aprendi na vida e na
música, não sei com a qual me deparei primeiro. Segunda-feira pela manhã, clima
tipicamente choroso de garoas, aquele frio que não me alcança. De manga de
camisa (ou vice-versa), adentrarei ao Municipal, meu quartier brasileiro da paz mundial. Fiz isso umas quatro vezes no
passado, é hora de voltar. Ignorarei as poças e as pessoas estranhas que
estarão lá, pois eu também sou assim para elas, talvez mais. Na capela da
família, do lado de fora, algum relevo de cimento me sustentará sem
guarda-chuva. E eu soltarei o verbo, dentro de mim, em silêncio. Ali, e só ali,
a reflexão é mais intensa. Diferente do mar e da floresta, cada qual com sua
energia ambiental. Não tardará e as lágrimas irão se misturar com a chuva, a
garoa. Alguns minutos de meditação, um papo imaginário com um amigo que se foi
antes de nos tornarmos amigos. E pronto. A floresta está longe, o mar também e
só deu tempo de ir ao cemitério. Eu não sei rezar. Sei cantar, mas é para mim
mesmo. Costumo olhar para o céu e para as lápides das famílias vizinhas, pensando
quanta gente já passou por aqui. E quanta gente nem vem aqui. Quanta gente
processa de outras maneiras seus ‘penlamentos’*, e quanta gente deixa estar.
Após o alívio imediato e algumas saudações imaginosas, vou passear na alameda
central, sob os cedros, coisa que adoro, longe de qualquer atividade semelhante
a comunidades paralelas da sociedade notívaga. Leio o bronze dos túmulos, só os
interessantes, de simples ou de exagerada arquitetura, cujo destino é sempre
igual, muda somente o teor do legado. Desnudado da armadura urbana lá de fora, eu
atravesso a história da cidade, cruzo o tempo das famílias, e sempre concluo
que o local não passa de um enorme hotel de trânsito, um trânsito simbólico,
onde podemos voltar e simbolicamente louvar quem quer que queiramos. Nem
precisa louvar, basta uma daquelas saudações. Ou apenas uma visita, rápida que
seja, não é obrigatório trazer flores. Quanto mais simples, melhor. Igualmente
ao que deveria ocorrer entre vivos. Mas cada um sabe o que faz de sua história,
de seu tempo. Cada um sabe o que faz na sua quadra, em sua cidade. E também,
aquilo que não faz. Reconhecer, eis a questão...
*penlamentos: reflexões sentimentais sobre aquilo que não aconteceu.
*penlamentos: reflexões sentimentais sobre aquilo que não aconteceu.
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