Mundo Refil
Antigamente, Lady Francisco atingia o orgasmo em quarenta
segundos com uma chaleira de água quente. Cláudio Cavalcante fazia fendas em
melancias. Fantasias condicionadas à penúria das realidades de cada um. Ou será
que não é assim? Você fantasia que tipo de impossível? Algo que está além de
seu alcance? Aquele homem com quem você já transou ou aquela mulher que transou
com você. Se não é alguém do passado... seu desejo volta-se para quem ainda não
transou contigo? Você conhece mas ainda não deu liga. Talvez nem conheça bem,
mas cairia bem na sua cama. Tem também os desconhecidos dos sites especialistas
da WWW. Ou então é quem não existe, o que fica um tanto difícil e complicado
psicologicamente. Alguém do seu sexo. Um transgênero, pode ser? As pessoas
sempre levam em seu bagageiro do prazer, as mesmas pessoas? O imaginário é
limitado? Parece-se com o real, ou seja, pouca gente... ou muita gente... como
é o seu arcabouço íntimo das horas particularíssimas de manipulação orgânica? Quem
são os habitantes desta seleta casta onírica que povoa seus momentos “I feel
myself”? Digo isso partindo do pressuposto que você se satisfaz sozinha, ou
complementa sua satisfação mesmo tendo alguém. Um profissional? Não, acho que você não faria esse tipo de contrato. Mas você pode ser uma daquelas
pessoas que sempre tem uma amiga, ou um amigo, que possui um amante fixo, à
disposição a qualquer hora que você necessite de sexo, é o que você conta. Você fala que é a amiga, disfarçando muito mal que não é você. O amante. Seu amante. Ele vai até sua casa, um
beijinho discreto no canto da boca e um vinho para você se soltar (dos seus
próprios medos). Ele pede para ir ao banheiro, precisa limpar a bunda para não pagar
mico que comeu muita rabanada no almoço. Na volta, sempre há uma cueca nova e você já está com a mesma lingerie reservada para ele, que tira a calça
e começa o ritual. Entregam-se sem muito beijo na boca – as prostitutas também não
gostam, pois beijo na boca revela intimidade, coisa que elas resguardam, assim
como você; elas por direito, você por honra, isto sem comparação de comportamentos, apenas para demonstrar a similaridade no trato da própria personalidade da pessoa humana – até você atingir o clímax. Caso ele não seja egoísta nem precoce,
uma masturbação final lhe vale o ingresso. Alguns minutos lado a lado, filosofando
sobre a vida não animal e levantam-se para a higiene pós-coito, sua mão está
suja de branco e o pênis dele grudento, vocês não usam camisinha, que bom seria se ele suasse menos. Tarde da
noite, seu soninho já veio e você manda ele dormir num quarto ao lado, pois sua
madrugada também é resguardada: corpos não ocupam lugares de almas. Na manhã, a
despedida de quem veio para fazer a prestação de um serviço sem recibo. Foi bom, vocês
gozaram outra vez, a libido permanente diminui de circulação, volta para a toca. Na verdade, é a ansiedade que aumenta seu
tesão. E o sexo não resolve a ansiedade. Ele é apenas uma fuga dos teus outros
medos. Você ocupa o tempo fazendo exercícios corporais com alguém-objeto,
achando que isso faz bem para o espírito, coisa tão longe quando você e o resto do
mundo transa. Está chovendo lá fora e do lado de dentro de sua janela da sala,
alguma gotas de arrependimento que emanam de sua consciência evaporam no vidro, lá embaixo o amante embarca
na sobrevivência dele, retornando aos medos dele. Há tantos que se submetem a esse ou
outros tipos semelhantes de relacionamento, que o costume social afasta solidões.
É um afastamento temporário. Fantasiando sozinha ou usando alguém, não importa,
o medo de amar é onipresente...
Incidental: no restante da manhã, músicas como essa para limpar a noite passada...
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