segunda-feira, 23 de outubro de 2017

Flavinha Sem Fronteiras

                                          

 Flavinha Sem Fronteiras 

 Esperar secarem um pouco as poças nos olhos neste dia onde o sol nasceu branco. Da cor do meu sapatenis que há anos não usava e calço logo hoje. Da cor da esclerótica humana que sustenta a sempre menina dos teus olhos castanhos, e da cor do teu tão almejado jaleco. 
 Vamos lá, correr um pouco atrás das palavras. Resignação? Desapego? Abdicação? Ou seria determinação, dedicação, animus? Vamos Aurélio, Houaiss, Michaelis, Priberam! Abram suas gordas páginas e pincem um símbolo de nossa rica língua pátria que possa nos ajudar neste momento! Mas tragam-me um significado, não quero os costumeiros e banais significantes fonéticos ou gráficos, todos superficiais, eu quero é a metafísica da coisa! 
 Sim, alguém nos explique este divisor de águas que choveu em forma de luz na manhã de hoje. Seria fim de uma fase ou princípio de outra? Como discernir se envolve uma só pessoa? O que morre e o que nasce neste mágico instante dentro e fora de ti? Há solução de continuidade? Não. Nada disso. Penso que algo se transforma, internamente e ao teu redor.
 Primeiro, a escolha de um caminho. Mas há vários tipos de escolhas. Desde as aleatórias, as impostas, as condicionais, as eliminatórias, até as propriamente ditas. Estas, como foi a tua, são de livre e espontânea vontade, sem influência externa: tu escolheste. Vou te contar, que há tempos eu já era parabenizado, pois já diziam em relação a ti, que “ela já saber o que quer”. 
 Não importa quando teu sonho começou, tentarei explicar. Se foi lá na década de 90 com aquela fantasia de Médica e um kit, com os quais tu fazias auscultação e diagnosticavas doenças em bonecas, as quais ficavam imediatamente sem roupa como se tivessem todas, sem exceção, indo para um centro cirúrgico para procedimento de urgência, sob teus cuidados. Se foi no início do século, quando tu trocavas diariamente aqueles curativos em meus dois joelhos operados ao mesmo tempo. Ou ainda, se foi nesta década quando tu acompanhaste a primeira cirurgia ao vivo. Em meio a isso tudo, a preocupação com a gripe de Edna no comercial de TV, a redação com o fígado batido com um antebraço no liquidificador e os capítulos sanguinolentos de CSI. Como antigamente, ao operar coelhos de pelúcia com auxílio da instrumentadora-irmã Gabriela, ou recentemente, sentindo-se em casa no Marcelino Champagnat ao extirpar suas próprias amígdalas. Tudo isso – fora o que aqui não coube – já era muito mais do que mera anunciação ou indicação, posto que eram fatos que iam construindo paulatinamente o futuro profissional que hoje te formata como pessoa humana, e não para, e segue ininterrupto, desenvolto a cada dia, e tomara que repousante a cada noite que vier. 
 De lá para cá, tentar imaginar o que se passava em tua cabecinha em relação ao teu ofício, era coisa para íntimos. Dizemos nós, os sabedores de ti, que tudo se resumia a uma questão de tempo: quem te conhece, não tardaria em te parabenizar pela tua conquista. Já sabíamos o por que e o como, só faltava o quando e onde. Na vida, cara Flávia, não existe sorte nem azar. Pois a vida não é loteria, tampouco um jogo qualquer. O fato de existirem vitoriosos e perdedores, aproxima erroneamente a vida do caráter de acaso, mas não significa que ela seja um tabuleiro, as pessoas peças e o metal seus dados. Não mesmo. Todo processo bem vindo, é construído, fase a fase, mesmo que duradouro, jamais tardio. 
 A vida é isso aí, levando em conta tudo aquilo que viveste até hoje. Dia por dia, noite por noite, dor por dor, alívio por alívio. Ninguém melhor do que tu para avaliar com precisão absoluta os obstáculos que superaste para te encontrares hoje neste ponto desta profícua caminhada. As primeiras provas, as colegas passando, as amizades se liquefazendo, e tu assumindo com altivez o limbo que é próprio dos vestibulandos. Os recomeços dos cursinhos, as apostilas, o cafezinho no Omar, os shakes, as aulas da Sol a pino, o Itupava-Cohab, o Detran-Vicente Machado, tudo igual, de janeiro a janeiro como diz a música. E tu lá, impávida, como se fosse sempre um novo verão. Jamais considere que ficaste para trás, pois os anos que usaste para qualificar-te à nobre intentada, resumem-se a nada diante da grandeza da vitória que é a realização de um sonho. Melhor dizendo, serviram de alimento e água para a chegada até aqui, sendo homérico reconhecê-los, não obstante, não existam mais.  
 Poderíamos mergulhar fundo e apontar todas as mazelas abissais dessa época, a ponto de que tu relevaste ainda mais o trunfo. Mas não é preciso, também porque é coisa tua, como já disse. A questão, a partir de agora, é paradigmática. A tua transição paradigmática. Não consideres uma nova época em tua vida, mas sim uma nova vida dentro do teu tempo. Tudo mudará se transformando, a partir de tua visão das coisas do mundo, agora ampliada pois tomada será de outros pontos de vista, principalmente, o acadêmico. Novos colegas, novas amizades, novos professores, bons e maus, tu encontrarás de tudo, pois a espécie dominante é a do homem/mulher/trans/cis/etc, nem todos sapiens. 
 Em momento de festa, pensa que essa manifestação é um grande bolo de parabéns, e os docinhos vêm a seguir, em forma de conselhos. 
- Não esperes reconhecimento de ninguém, atribuir valor ao teu trabalho é competência exclusivamente tua. 
- Não esperes ajuda de ninguém, o teu dever será reflexo somente de tua capacidade. 
- Escolhe a critério justo tuas companhias, pois nem todas estarão lá pelos mesmos motivos (sonho) e objetivos (realização) teus. 
- Dedica-te ao máximo que puderes à faculdade, para que depois, no exercício da profissão, trabalhes com sabedoria, segurança e retidão. 
- Desenvolve sobretudo aquilo que chamam de consciência social, pois tua preparação/formação também será voltada para diagnóstico, tratamento e cura dos menos favorecidos, ou seja, dos que mais precisam de ti, os cidadãos do mundo. 
- Mantém como tua conduta, o equilíbrio, a serenidade, a humildade e a verdade para com o próximo, sempre considerando o binômio tempo e espaço, inclusive no tocante ao sigilo profissional. 
- Não desanimes, diante das novas formas de obstáculos que surgirão em tua estrada: teu conteúdo, congênito e adquirido, será o instrumento para ultrapassá-los com maestria.  
- Lembra que a Medicina é uma Arte. E como disse Nietzsche, “Temos a Arte para não morrer da verdade.” 
- Estuda a fundo a Ética. Ela é a maior e melhor condutora dos profissionais no sentido de superação de todas e quaisquer fronteiras... 

Um beijo, saúde, felicidades e continuidade em teu sucesso.
Eduardo, seu Papão Lixa.

Ps:   há mais valores nestas poucas linhas, do que a nossa vã racionalidade possa desconfiar...
(o restante, tens no sangue)


Curitiba, 17 a 23 de outubro de 2017.



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