segunda-feira, 2 de maio de 2016

Tergiversando Loas



Servimos, a tudo e a todos ao nosso redor, por todo o tempo. Somos os camponeses da modernidade feudal. Por perto, os senhorios de nossa mais-valia existencial. Começamos pelo destino, ao qual nos submetemos apenas pelo fato de estarmos vivos, sobreviventes, inclusive nos casos de invalidez. "Pulsa, e serás vampirizado", é o principal mandamento alocado a décimo-primeiro, que se escorregou das escrituras. Seria o sangue quente? O calor humano...pode ser. O fato é que o destino é que decide quem estará em nossa volta. Vai colocando e retirando pessoas como dominós sobre uma mesa de vime com vidro de espessura suspeita: isso independe de nós. E continuamos a servidão. À sociedade, ao governo, ao capital. À escola, ganhamos frutos. Ao trabalho, sustento. Mas, e à vida? E os indivíduos que a compõem? O que dizer daquela gente que usa e abusa de nossa boa-fé? Servimos aos parentes, coisa levada como obrigação, não implicando em reconhecimento. Aos amigos, algo levado como cordialidade, não significando valorização. Aos colegas e desconhecidos, um tanto descartável. Aos amores, a servidão clássica: “na alegria e na tristeza, na saúde e na doença”. Estendemos a mão, o braço, o ombro, o peito, as coxas, os órgãos genitais, tudo o que eles necessitam e ainda quando bem entendem. Pescoço, veia aberta que não sangra. Ainda bem que o sangue se refaz, é bem-vinda uma hematopoiese ‘de temps em temps’, como dizia Sandra Har-Har, a morenaça da Aliança Francesa, que fugiu duas vezes no tempo, com seu medo de ser amada. Ora na forma de degraus, ora trampolim, plataforma. Corda, laço, lenço, lençol, toalha. Abrigo, agasalho. Também como ouvidores, conselheiros, testemunhas. É quase um infinito, essa tal ajuda. Não se pode reclamar. Apenas questiono, em alguns momentos, aqueles que o fazem sem nos levar em consideração como sendo outro ser humano. Uma vez, alguém me fez de vela, atravessando madrugadas a jogar letrinhas luminosas na escuridão do seu céu. Noutras – e foram algumas - fui catarse dos distúrbios sexuais e relacionais mal resolvidos, eu não sabia; foi culpa da minha ingenuidade passeando com uma calcinha de esperança no meio da turba sedenta de organismos. E aquela em que de companheiro passei a empregado, serviçal de caprichos e fainas conjugais? Depois de cada aprendizado, a gente pensa que já viu tudo e que não vai se repetir, mas eis que sem aviso nenhum aparece uma nova forma de sujeição: a moça me utilizou para reforçar os laços provavelmente afrouxados de seu casamento. O pior, é que ela nem sabe disso; se soubesse que eu sei, me xingaria no final. Eles não identificam suas mordidas, desviam o próprio olhar. Sempre fui o último namorado antes do casamento das minhas namoradas, com o próximo da vez. Mas jamais imaginei que iria servir de cadarço, rejunte, Super Bonder. Pessoas se valendo de terceiros para (re)impulsionarem sua caminhada afetiva. Tem de tudo nessa vida. A gente, que não é assim, se sente deslocado, estranho, quase de outra espécie. Tudo bem, se for para o bem. Mas pelo menos, agradeçam a alguém. A servidão, é o vampirismo não declarado, fantasiado de relacionamento qualquer. Dá nada não, força é algo extremamente relativo. Força-motriz, nem se fala. Coisa de energia, ATP, Van der Waals e equivalências. Um brinde àqueles que não precisam fazer da circulação alheia, o seu próprio cicatrizar... 


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