terça-feira, 24 de maio de 2016

Contos 3/4




Via Dupla 
Ele tinha perdido (quase) tudo na vida. Tavares fazia jus ao seu apelido. Outro Pinduca. Todos os dias, toda manhã, na bebida buscava esquecer, que estava vivo. Não havia rota de fuga, mas o álcool era o seu veículo de transporte. Partia sempre para algum lugar que não era ali, bem longe da sua realidade. Abandonado pelo núcleo familiar, foi terminar de destruir seu aparelho digestório com a mãe. Mães são seres que acolhem até os piores tipos de filhos. Sempre estão a espera, de uma visita, de um telefonema, de uma lembrança, com uma refeição ou de um mínimo que justificasse ao menos os nove meses de gestação, sem falar na criação da criatura. Mas existem filhos que não existem. Ou melhor, existem filhos que, para eles, as mães deixaram de existir, dada a natureza descartável que atribuíram a elas no tempo. A ingratidão é pouco para essa gente. Não importa, o espaço formado no ventre, sempre será sala de visita, parador, abrigo, qualquer coisa assim feito colo. Um corpo estendido no térreo, foi preciso carregá-lo até o quinto andar, e tocar a campainha, tinha um neto de dona Z. capaz o suficiente de recolher o tio para dentro daquele coração materno. Ela agradeceu e ele morreu alguns meses depois, soberana cirrose, alívio imperfeito. Tatá não foi o pior. Havia também Alberto, o novo-rico da família. Depois da independência financeira, sua mãe virou história. Uma história sem livros nem fotografias, mas embolorada de presenças e mofada de sentimentos. Este, conseguiu chegar - noutra direção - num lugar muito mais distante do que Tavares achava que pudesse, numa inóspita fronteira indemarcável entre a desesperança da mãe e o desprezo do bastardo: o adeus em forma de silêncio mineral. Alberto, de tão longe, já não tinha apelido. E os cientistas ainda lutando para descobrir se o mau caráter também é uma doença... 




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