sábado, 21 de maio de 2016

NEON - 1


depois, do desamor, 
vem uma paz semelhante à morte. 
um apogeu humano. 
é quando a gente vira mestre de si mesmo. 
agora catedráticos, 
é hora de lançarmos as notas de quem não conseguimos ser...




DEpoiS do AMOR  
Deslizo o indicador sobre a tela do despertador moderninho. Acordei mais de uma hora antes do sinal. A garganta que arranhava a madrugada pedia ainda no sono um gole d’água. No escuro, caminho silencioso em respeito aos fantasmas da semana que eu não convido a posarem aqui, nesta deserta hospedaria de bairro. A geladeira corta em feixes de luz a noite ausente de sonhos, pois os desejos lânguidos permaneceram sob as cobertas azuis de inverno brusco. A acuidade visual tomou um choque térmico ao nível da fonte de minhas lágrimas, igualmente seca, vazia, inócua; pensei em aliená-la feito um bem imóvel. Pés no chão, mãos ao redor do copo já vazio, coloco onde imaginei estar a mesa. Na volta à cama, deslizo os dedos sobre as cordas do violão de nylon, pois o de aço não é feito para recepcionar os amanheceres. Músicas antigas tomam conta do ambiente soturno, pudera, ainda não vieram as do futuro. Ainda preenchemos o presente com coisas do passado, obviedades que ignoramos em toda ausência de som e de tudo mais que nos falta. A voz rouca seduz a mim mesmo, em volume baixo para não despertar os pássaros da árvore sempre verde do quintal. Pronto, já é hora de levar para a escola um dos meus rebentos, por duas vezes engravidei uma só mulher. No caminho chuvoso e escorregadio, a curva na entrada da Visconde e o carro ao lado direito passa reto cortando a nossa frente subindo no canteiro, quase rodamos na pista e por habilidade não batemos nos outros. Mal súbito? Defeito mecânico? Celular...a dependência psíquica do objeto é metástase de uma pseudomodernidade inversora de valores e sem tratamento, um dia mata o doente-autor, vítima de si mesmo. A cidade começa a ser bloqueada na marcha anual em busca do Messias, o qual, se chegasse, acabaria com toda essa folia: nunca virá, o que existe são apenas justificativas de dominação. Volto para casa, a chuva, a árvore e os cães. Os pães de queijo sobre a mesa sozinha, pois os fantasmas foram embora porque eu não uso presunto. A noite se continua pela manhã embaixo do cobertor agora mais azul-marinho, dou as mãos para o meu único aconchego, sentindo-me submerso no oceano. Rotina de sábado? Coisa nenhuma. A cidade já teve seus dias de sol, nesta semana voltou à sua normalidade. Eu, tinha alguém no coração. Também voltei...  




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