terça-feira, 17 de maio de 2016

Sessão Inutilidade Pública




Paradigma da Comunicação 
Controle social. Instrumento de manutenção das relações de poder sobre os dominados, modelo eletroeletrônico, tornozeleira aberta entre aspas. Um quadrado retangular de cristal líquido, emitindo suspeitosa luz dentro de sua casa, sua intimidade. Altar de igreja eclética, todos são fiéis à qualquer programação, não há senso crítico, tudo vem bem. Controle remoto, é o seu leme de discernimento, vá para onde quiser, mas nunca abandone esse mar nada navegável, você há de achar seu peixe doce. Ação física e mental, à cata de dependentes. O pacote fechado, é o dízimo travestido. Os anunciantes, o mesmo escancarado. Esta, a programação, sob o discurso do entretenimento. Tão que os adestrados espectadores não percebem o condão da violência, em torno do qual tudo gira. Radiação eletromagnética, não ionizante e de baixa frequência eles dizem. Quase infantis de tanta ingenuidade seu potencial (in)ofensivo declarado. Compre pouca energia, ganhe "informação"; na real, pague muito e perca autonomia. Seja formado e não informado. Seja dirigido, controlado, rotulado, amestrado pelo aparelho domador (e não doméstico) que atravessa a virada de século como ponte para lugar nenhum. O paradigma da comunicação está aí, e ninguém quer vê-lo, sem coragem nem inteligência para assumi-lo e transpô-lo; preferem assistir modismos artificiais no “conforto de seu lar”, mesmo que seu sofá cheire a cachorro, sua poltrona esteja com uma mola perigosamente saltada ou se os seus vizinhos preferem gozar a vida fazendo sexo no horário nobre. Futebolzinho pra ele, novelinha pra ela, algum desenho violento para as crianças darem um tempo nos games, claquetes de um mundo triste para os idosos e sexismo para-todos, assim está ótimo: jogos marcados, adultério, paternidades, futilidades, desesperança e muita violência fazendo dinheiro, capital circulante. No meio disso tudo, programas de auditório com 90% de merchandising interno, intercalado com desastres de toda ordem, desde as desgraças familiares, passando pela rotina policial, com ênfase na morte, na tragédia; tudo transformado em algo normal, pela boca de apresentadores, animadores e âncoras completamente desqualificados para a função, sub-gente da pior espécie, estirpe, linhagem, mas totalmente biocompatíveis com o produto. Agora, lutas pseudomarciais são o clímax do caráter violento das pessoas perdidas dentro de si mesmas, só o nocaute com vazamento de sangue alheio salva o dia, a noite, o mês, grande compensação para a pequenez das frustrações individuais. Diversão, é ver o inimigo apanhando feito um bicho numa cena vintage greco-romana, encurralado e sanguinolento, de preferência com alguma fratura, melhor ainda se exposta. Os gladiadores voltaram, e com eles os animais da gleba espectadora. Montados os novos coliseus em qualquer lugar onde caiba mais de mil, é hora de vibrar espetáculos naquilo que chamam de Arena. Depois que os leões foram proibidos nos palcos provisórios dos municípios, escolheram alguns recém-homens da escala evolutiva não darwiniana, e retiraram-lhes as facas, as adagas, os escudos e as botas. Pesam os brutamontes de cuecas, para delírio das e dos onanistas, admiradores do falo em estado latente ou não. Bordões antigos como ringue, luta, esporte, foram trazidos da violenta natureza desumana e colocados à baila, hemorrágica por excelência, como se não tivessem se passado dois mil e tantos anos. O retrocesso é explícito, a involução é passivamente absorvida como cultura, manifestação de. A luta principal, durou menos de dois minutos. De repente, o “adversário” norte-americano desfere um golpe certeiro no gaúcho vacilante: fim. Ninguém questionou, foi um direto na ponta do queixo que faz vibrar a articulação temporomandiular estremecendo a base do crânio na altura dos temporais: fim. Fim da luta, do contrato entre os promotores e os donos do lugar. Começo. Começo da contagem do borderô. Reinício da volta para casa da torcida-pró-ferida com toda aquela violência borbulhando no subconsciente, lava na garganta rouca de gritar selvagerias. O show já terminou, foi um verdadeiro spettacolo, top of mind parindo trend topics, digno de Guinness Book tupiniquim. Pergunta-se o que fica, qual o saldo a ser medido ou descontado além do preço alto do ingresso à barbárie. O que será que precipita sobre a índole já seriamente comprometida dos fãs da modalidade. Argumentos como a parafernália imagética não faltam. Responde-se, que foi a televisão que os conduziu até lá. Lá é um lugar bem longe dentro de si mesmo, um estado de natureza, terra onde a Lei Maior é de Talião, órfã de constituição qualquer. Lá, onde aflora o lado animalesco, compatível com o estado policialesco: casamento perfeito, os convidados vieram quase todos, só faltaram os rebeldes e atrasados e jacus que leem livros, aqueles boçais que não pactuam com hábitos medievais e, portanto, são radicalmente contra esse establishment primitivo. Siglas, luvas, heróis de mentira, saídos dos quadrinhos para tornar fictício um mundo real, no qual os indivíduos deveriam se ocupar com coisas construtivas. A televisão destrói. Despolitiza, criminaliza, deseduca. Entre receitas e filmes de ação, a população vai definhando seu presente, adepta à falsa modernidade dos costumes, tão cega quanto muda, obnubilando seu futuro. Todo o aparato tecnológico engendradamente utilizado para o golpe da usurpação dantesca da naturalidade humana. Vitória de quem? De alguns, pouquíssimos. Derrota: da humanidade. Televisão, o anúncio do fim da aventura humana na Terra. Espectadores: animais acuados na jaula do lar. Ligue-a, se for incapaz...  


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