Paradigma da
Comunicação
Controle
social. Instrumento de manutenção das relações de poder sobre os dominados, modelo eletroeletrônico, tornozeleira aberta entre aspas. Um quadrado retangular de cristal
líquido, emitindo suspeitosa luz dentro de sua casa, sua intimidade. Altar de igreja eclética, todos são
fiéis à qualquer programação, não há senso crítico, tudo vem bem. Controle remoto, é o seu leme de discernimento, vá para onde quiser, mas nunca abandone esse mar nada navegável, você há de achar seu peixe doce. Ação física e mental, à cata de dependentes. O pacote
fechado, é o dízimo travestido. Os anunciantes, o mesmo escancarado. Esta, a programação, sob o discurso do
entretenimento. Tão que os adestrados espectadores não percebem o condão da
violência, em torno do qual tudo gira. Radiação eletromagnética, não ionizante e de baixa frequência eles dizem. Quase infantis de tanta ingenuidade seu
potencial (in)ofensivo declarado. Compre pouca energia, ganhe "informação"; na
real, pague muito e perca autonomia. Seja formado e não informado. Seja dirigido,
controlado, rotulado, amestrado pelo aparelho domador (e não doméstico) que atravessa a virada de século
como ponte para lugar nenhum. O paradigma da comunicação está aí, e ninguém
quer vê-lo, sem coragem nem inteligência para assumi-lo e transpô-lo; preferem assistir modismos artificiais no “conforto de seu lar”, mesmo que seu sofá
cheire a cachorro, sua poltrona esteja com uma mola perigosamente saltada ou se os seus vizinhos preferem gozar a vida fazendo sexo no horário nobre. Futebolzinho
pra ele, novelinha pra ela, algum desenho violento para as crianças darem um tempo nos games, claquetes de um mundo triste para os idosos e sexismo para-todos, assim
está ótimo: jogos marcados, adultério, paternidades, futilidades, desesperança e muita violência fazendo dinheiro, capital circulante. No meio disso tudo, programas de auditório com 90% de merchandising
interno, intercalado com desastres de toda ordem, desde as desgraças
familiares, passando pela rotina policial, com ênfase na morte, na tragédia; tudo transformado em algo normal, pela boca de apresentadores, animadores e âncoras completamente desqualificados para a função, sub-gente da pior espécie, estirpe, linhagem, mas totalmente biocompatíveis com o produto. Agora, lutas pseudomarciais são o clímax do caráter
violento das pessoas perdidas dentro de si mesmas, só o nocaute com vazamento de sangue alheio salva o
dia, a noite, o mês, grande compensação para a pequenez das frustrações individuais. Diversão, é ver o inimigo apanhando feito um bicho numa
cena vintage greco-romana, encurralado e sanguinolento, de preferência com
alguma fratura, melhor ainda se exposta. Os
gladiadores voltaram, e com eles os animais da gleba espectadora. Montados os
novos coliseus em qualquer lugar onde caiba mais de mil, é hora de vibrar espetáculos
naquilo que chamam de Arena. Depois que os leões foram proibidos nos palcos
provisórios dos municípios, escolheram alguns recém-homens da escala evolutiva
não darwiniana, e retiraram-lhes as facas, as adagas, os escudos e as botas. Pesam os brutamontes de cuecas, para delírio das e dos onanistas, admiradores do falo em estado latente ou não. Bordões
antigos como ringue, luta, esporte, foram trazidos da violenta natureza desumana
e colocados à baila, hemorrágica por excelência, como se não tivessem se
passado dois mil e tantos anos. O retrocesso é explícito, a involução é
passivamente absorvida como cultura, manifestação de. A luta principal, durou
menos de dois minutos. De repente, o “adversário” norte-americano desfere um
golpe certeiro no gaúcho vacilante: fim. Ninguém questionou, foi um direto na ponta do queixo que faz vibrar a articulação temporomandiular estremecendo a base do crânio na altura dos temporais: fim. Fim da luta, do contrato entre os
promotores e os donos do lugar. Começo. Começo da contagem do borderô. Reinício da volta para casa da torcida-pró-ferida com toda
aquela violência borbulhando no subconsciente, lava na garganta rouca de gritar selvagerias. O show já terminou, foi um
verdadeiro spettacolo, top of mind parindo trend topics, digno de Guinness Book tupiniquim. Pergunta-se o que fica, qual o saldo a ser medido ou descontado
além do preço alto do ingresso à barbárie. O que será que precipita sobre a índole já seriamente comprometida dos
fãs da modalidade. Argumentos como a parafernália imagética não faltam. Responde-se, que foi a televisão que os conduziu até lá. Lá é
um lugar bem longe dentro de si mesmo, um estado de natureza, terra onde a Lei Maior é de Talião, órfã de constituição qualquer. Lá, onde aflora o lado animalesco, compatível com o
estado policialesco: casamento perfeito, os convidados vieram quase todos, só
faltaram os rebeldes e atrasados e jacus que leem livros, aqueles boçais que não pactuam com hábitos medievais e, portanto, são radicalmente contra esse establishment primitivo. Siglas, luvas, heróis
de mentira, saídos dos quadrinhos para tornar fictício um mundo real, no qual
os indivíduos deveriam se ocupar com coisas construtivas. A televisão destrói. Despolitiza,
criminaliza, deseduca. Entre receitas e filmes de ação, a população vai definhando seu
presente, adepta à falsa modernidade dos costumes, tão cega quanto muda, obnubilando seu futuro. Todo o
aparato tecnológico engendradamente utilizado para o golpe da usurpação dantesca da naturalidade humana. Vitória de quem? De alguns, pouquíssimos.
Derrota: da humanidade. Televisão, o anúncio do fim da aventura humana na Terra. Espectadores:
animais acuados na jaula do lar. Ligue-a, se for incapaz...
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