segunda-feira, 2 de maio de 2016

Crônica Cotidiana 29



Voo de Coração 
Há uma ciranda na atmosfera. Um carrossel imaginário em volta do mundo. Com velocidade média para dele saltar e retornar quando bem se quiser. São os buscadores da alegria. Um bloco populoso, bem pra lá de pré-carnavalesco. Eles atravessam continentes, cruzam cordilheiras, singram os mares atrás de alguém que lhes convenha. Quando encontram, nem sabem ao certo para que encontraram, quem dirá por que. A realidade vai perdendo espaço para o ciberespaço. Olhares, onde? Aproximação, como? Beleza, quanto? Encanto, deslumbramento, tudo aquilo que era natural caiu por terra, o que vale está no ar, nas ondas do novo rádio sem frequência modulada, pois as asas ultrapassaram a velocidade do são. Voos individuais, qualquer destino está bom, o que vale é a miscelânea do quase teletransporte. Aeronaves obsoletas, seja comandante é do seu pensamento virtual; esse sim, 'libertas quae sera tamen'. É tão fácil, basta ter digitais, agora substitutas da pessoalidade. Não é preciso mais o corpo enquanto veículo do espírito, o negócio é reduzido às falanges manuais. “Uma buceta, a centímetros da falangeta”, disse um piá internético outro dia, desses que perdeu a adolescência em detrimento da infância pulando a juventude, caindo sem educação nem noção na vulgaridade adulta, superficial por deselegância. Como aquela do sujeito próspero, que colocou seu filho de oito anos a se masturbar na frente do computador, estimulando a sua sevícia, e não a do filho, que ainda não a tinha: ganhou feito herança, a parte podre do pai. Paradigmas à parte, ainda é preciso manter um sopro de consciência para que a comunicação não deixe todos órfãos. Órfãos de semelhantes, de experiências reais, de toques e olhares e tudo mais que se faça fundamental na presença. A pior selva não é mais a verde, é a que não tem cor. Nem sabor, tampouco cheiros, aromas, perfumes. Pasme-se: isso satisfaz a muita gente. Pessoas estão mesmo ganhando estradas ao encalço de seus prometidos, anunciando suas “caras-metades” como se fosse um produto, mercadoria, peça em escassez para troca, escambo comercial. Mundo maquinário, nada mais se constrói. Ela foi até Blumenau e trouxe para a sua vida local alguém forçosamente par, um artifício de amor, um sujeito de plásticos, mentiras e violências. Ainda acham que vai dar certo, pois em casa de esperança iludida não há quarto para o arrependimento saudável. Apanha, de todas as formas, apoiada pelo seu deus da hora. Fosse livre, não estaria em órbita, balançando intermitente numa rede furada, ao léu dos ventos do teclado. Tão bonita, quanto fútil. Tão inteligente, quanto boba. Indefinível, Maria perdeu contacto com a Terra. Três filhos, um em cada portal, e sem um amor que pudesse chamar de amor. Não foi com ela que eu veria as tardes que sempre me faltaram. Ah, modernidade...você vai e volta, mas nunca encerrará o que é essencial na vida. Senhores passageiros, apertem os cintos, eles vão novamente decolar... 



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