Crédito
ou Débito?
Ela gostou
da voz dele. Mas não era bem isso. Moça do caixa da padaria, feita um solzinho
naquela capital fria, aquecia o impossível daquele senhor que ali frequentava. Quase
todos os dias, uma rotina que virou costume, sem traços de tradição. Ambos, estenderam-se
no tempo, aproximando-se sem saber por que. Era a jovialidade dela, versus a
experiência dele. Um misto de educação, cordialidade e urbanidade, que não é
tão comum por aí nas cidades. Enquanto ela sentia cócegas nos ouvidos diante de
um bom dia, ele tinha a mesma sensação nos olhos ao sorriso dela. Quando as
coisas acontecem sem interesses, a dimensão é tão distante, que fica difícil
até de escrever. Veio um e disse que ela não tinha pai, e por isso
encarinhava-se pela presença do velho. Foi o mesmo, sabe-tudo, que afirmou ser
a solidão dele a razão da estorinha. Talvez isso seja ternura. Ou quem sabe,
não seja nada e pelo fato de que o mundo anda tão complicado, isso parece ser
algo, em razão da diferença de estar das coisas. Dois seres humanos, um tempo
no meio, quase duas gerações de intervalo. Mas ali, ali na frente daquele
caixa, o espaço derrotava as horas, por nocaute existencial. Ela lhe perguntava
alguma coisa, ele respondia, numa troca de suavidades que pareciam navegar em
mar de Almirante. Nada corporal, carnal ou erótico como poderia concluir o mais
ávido e banal dos superficialistas, um outro sábio-mor; era apenas uma leva
humana, mútua sensação de bem-estar. Dessas que se desenvolvem sem a conotação do sexo, da procriação, do
animal que há em todos. Nem se pergunta o que havia nela, que lhe aprazia, e
vice-versa. Familiaridade? Identidade? Repito, não se pergunta. Ainda insistimos em questionar aquilo que não tem resposta. Depois do
pagamento, um olhar trocado com a força da inocência, do desapego, do até
amanhã. Talvez ele fosse um pequeno luar para ela. A vida naturalmente preconceituosa impediu uma conversa,
poderiam contar coisas, histórias, gargalhar, tudo em torno do afeto descompromissado. Ele
foi embora, para sempre naquela quinta-feira, morreria classicamente de infarto
após o almoço. Ela jamais ficou sabendo. Ele permanece vivo em sua memória, na prateleira das coisas que nunca viriam a acontecer...
Nenhum comentário:
Postar um comentário