terça-feira, 3 de maio de 2016

Flash Imobile



 Crédito ou Débito? 
Ela gostou da voz dele. Mas não era bem isso. Moça do caixa da padaria, feita um solzinho naquela capital fria, aquecia o impossível daquele senhor que ali frequentava. Quase todos os dias, uma rotina que virou costume, sem traços de tradição. Ambos, estenderam-se no tempo, aproximando-se sem saber por que. Era a jovialidade dela, versus a experiência dele. Um misto de educação, cordialidade e urbanidade, que não é tão comum por aí nas cidades. Enquanto ela sentia cócegas nos ouvidos diante de um bom dia, ele tinha a mesma sensação nos olhos ao sorriso dela. Quando as coisas acontecem sem interesses, a dimensão é tão distante, que fica difícil até de escrever. Veio um e disse que ela não tinha pai, e por isso encarinhava-se pela presença do velho. Foi o mesmo, sabe-tudo, que afirmou ser a solidão dele a razão da estorinha. Talvez isso seja ternura. Ou quem sabe, não seja nada e pelo fato de que o mundo anda tão complicado, isso parece ser algo, em razão da diferença de estar das coisas. Dois seres humanos, um tempo no meio, quase duas gerações de intervalo. Mas ali, ali na frente daquele caixa, o espaço derrotava as horas, por nocaute existencial. Ela lhe perguntava alguma coisa, ele respondia, numa troca de suavidades que pareciam navegar em mar de Almirante. Nada corporal, carnal ou erótico como poderia concluir o mais ávido e banal dos superficialistas, um outro sábio-mor; era apenas uma leva humana, mútua sensação de bem-estar. Dessas que se desenvolvem sem a conotação do sexo, da procriação, do animal que há em todos. Nem se pergunta o que havia nela, que lhe aprazia, e vice-versa. Familiaridade? Identidade? Repito, não se pergunta. Ainda insistimos em questionar aquilo que não tem resposta. Depois do pagamento, um olhar trocado com a força da inocência, do desapego, do até amanhã. Talvez ele fosse um pequeno luar para ela. A vida naturalmente preconceituosa impediu uma conversa, poderiam contar coisas, histórias, gargalhar, tudo em torno do afeto descompromissado. Ele foi embora, para sempre naquela quinta-feira, morreria classicamente de infarto após o almoço. Ela jamais ficou sabendo. Ele permanece vivo em sua memória, na prateleira das coisas que nunca viriam a acontecer... 





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