quinta-feira, 19 de maio de 2016

IN VER NADA




Chegou o frio. É hora de me afastar do rio. Correnteza que leva, leva, leva mas nunca chega. É preciso vir mais para o centro do que é próprio, embora o rio seja da minha natureza. Não se pode ser assim o tempo todo, nessa fluidez quase esportiva, essa liberdade toda que conduz, há de ter frações, glebas de calmaria: menos inspiração, mais respiração. Remodelar o espaço ao meu redor, um novo desafio. Para tanto, inventar uma nova suspensão, interromper, parar um pouco de ser o que se é. Não vale mais fechar as cortinas da casa. Ou passar a tranca no portão, deixando o imóvel como se fosse desabitado, ermo. Aqui dentro, jamais usarei lençóis sobre os móveis, nem fecharei as portas dos cômodos. Se pudesse, não haveria paredes onde moro, em mim, nem aonde quero. Mas temos que nos defender, às vezes até dos perigos causados por nós mesmos, as tais aventuras, sejam simples hábitos, hobbies ou complexas compulsões. Como esse alto risco por exemplo, em ter um rio dentro da própria vida. Acompanharei o curso de longe, em vigília. Uma nova experiência, essa de acumular mergulhos imaginários em mim, sem pular na água. Verei até onde sou capaz de me silenciar, caso não me afogue na minha aridez, mudez para mim mesmo. Pois, por um tempo indeterminado, não mais virei aqui neste rio, local, ponto de partida, que se transforma em linhas de raciocínio e páginas de sentimentos, que atravessa o meu mundo, no meio da mata que é esta solidão toda. Sem nadar no figurado, ou escrever no restrito, tentarei outro sentido para uma mesma vivência. Já venho fazendo isso em outras áreas de minha terra, há de dar certo aqui também. Como dizem os experientes, a idade faz a gente ficar muito mais leve. Porque dispensando tudo o que é supérfluo, por ser incolor, inodoro ou insípido, e ficando somente com aquilo que a gente naturalmente sente, é que nós levitamos. Então eu saio da água. Saio do chão. Saio dos textos e da paixão. Paixão é uma palavra estrangeira que adaptamos à nossa realidade, chamando aquilo que na verdade é desamor. Nesta incursão espacial, eu trouxe muita força nos braços para desfazer as superficialidades, inclusive os nomes aculturados que emprestei para os meus fracassos pretéritos. Mas como é bom aqui dentro...quentinho, afável, tranquilo...vista legal das coisas...talvez por isso as pessoas costumem compartilhar interiores, quem dera o fizessem com maestria. Caso a minha despensa fique abarrotada de não dizeres, não sentires ou quereres todos amordaçados, eu volto à beira capital. Por enquanto, não. O inverno chegou. E com ele, meu novo e reservado caminho entre as velhas coisas que eu insistia... 


"Caminho Pro Interior" - Bruna Caram



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