Chegou
o frio. É hora de me afastar do rio. Correnteza que leva, leva, leva mas nunca
chega. É preciso vir mais para o centro do que é próprio, embora o rio seja da
minha natureza. Não se pode ser assim o tempo todo, nessa fluidez quase
esportiva, essa liberdade toda que conduz, há de ter frações, glebas de
calmaria: menos inspiração, mais respiração. Remodelar o espaço ao meu redor,
um novo desafio. Para tanto, inventar uma nova suspensão, interromper, parar um
pouco de ser o que se é. Não vale mais fechar as cortinas da casa. Ou passar a
tranca no portão, deixando o imóvel como se fosse desabitado, ermo. Aqui
dentro, jamais usarei lençóis sobre os móveis, nem fecharei as portas dos
cômodos. Se pudesse, não haveria paredes onde moro, em mim, nem aonde quero.
Mas temos que nos defender, às vezes até dos perigos causados por nós mesmos,
as tais aventuras, sejam simples hábitos, hobbies ou complexas compulsões. Como esse
alto risco por exemplo, em ter um rio dentro da própria vida. Acompanharei o curso de longe, em
vigília. Uma nova experiência, essa de acumular mergulhos imaginários em mim,
sem pular na água. Verei até onde sou capaz de me silenciar, caso não me afogue
na minha aridez, mudez para mim mesmo. Pois, por um tempo indeterminado, não
mais virei aqui neste rio, local, ponto de partida, que se transforma em linhas de raciocínio e páginas de sentimentos, que atravessa o meu mundo, no meio da mata que é
esta solidão toda. Sem nadar no figurado, ou escrever no restrito, tentarei outro
sentido para uma mesma vivência. Já venho fazendo isso em outras áreas de minha
terra, há de dar certo aqui também. Como dizem os experientes, a idade faz a
gente ficar muito mais leve. Porque dispensando tudo o que é supérfluo, por ser
incolor, inodoro ou insípido, e ficando somente com aquilo que a gente naturalmente sente, é
que nós levitamos. Então eu saio da água. Saio do chão. Saio dos textos e da
paixão. Paixão é uma palavra estrangeira que adaptamos à nossa realidade,
chamando aquilo que na verdade é desamor. Nesta incursão espacial, eu trouxe
muita força nos braços para desfazer as superficialidades, inclusive os nomes
aculturados que emprestei para os meus fracassos pretéritos. Mas como é bom
aqui dentro...quentinho, afável, tranquilo...vista legal das coisas...talvez por isso as pessoas
costumem compartilhar interiores, quem dera o fizessem com maestria. Caso a minha despensa fique abarrotada de não dizeres, não sentires ou quereres todos amordaçados, eu volto à beira capital. Por enquanto, não.
O inverno chegou. E com ele, meu novo e reservado caminho entre as velhas coisas que eu
insistia...
"Caminho Pro Interior" - Bruna Caram
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