quarta-feira, 25 de maio de 2016

Lendas Urbanas




João e a Mão de Arroz 
O correio continua arisco. Ele transformou-se, cresceu e invadiu até as casamatas, até os eremitas. É a hodierna comunicação entre os humanos revelando inclusive as características impróprias da espécie. Peculiaridades, particularidades, intimidades e tantas outras ‘dades’. Menos 'tudes', e bem mais 'oses' e 'ites'. Ação e omissão em matrimônio perfeito, sem prejuízo do equilíbrio, este não se faz necessário. O mundo ao alcance dos dedos. Mas não é o mundo aí de fora, é outro mundo. Mas também não é o mundo de dentro. Digamos que é um mundo...trigonométrico, isso. Um mundo aonde figuras imaginárias vão ganhando formas de acordo com os traços elaborados pelo pensamento. Sem nenhum compasso, nenhum esquadro, apenas à mão "livre". Pior, vão sequestrando até os conteúdos de outras coisas reais, inclusive de sentimentos. Por isso, a invasão. Comunicadores, os atores sociais despontam no firmamento estelar deste mundo, emitindo a luz que bem entendem, natural ou artificiosamente elaborada em (des)favor das suas conveniências - palavrinha tosca essa, emprestaram até para lojículas em postos de combustíveis. Pode tudo, tudo vale, não há limites. Não há princípios, valores, virtudes. Se a terra é de ninguém, invadamos todos. Lei? Muito embrionária ainda. Embriões não são nem imaginados às vezes. João apenas gostava de Maria que pensava que o amava. Mas ele conheceu Ana, a qual sucumbiu às difamações de Maria. Então sozinho, ele nem chegou a conhecer Miriam, que por sua vez foi convencida pelas injúrias de Mônica, que andou um pouco com João mas amava Pedro. A ex de João, também mentira para fulana que caluniou João para Mônica. Sim, um carrossel anguloso de fofocas não presenciais, cuja virtualidade ganha contornos falsos de facticidade, pelos tais desenhos geométricos traçados em linhas tortas sobre papel crepon. Um desfile de crimes contra a honra, os quais, uma vez ajuizados, perder-se-iam no tempo vindouro, outrora mal aproveitado dessas relações carentes de presença. O quê? Presença? Aquela coisa de entreolhares, expressões faciais, trejeitos, sensações, perfumes, toques, cafunés e belezas? kkk, isso é supérfluo, jacu e engorda. Estamos no século XXI meu nego, onde os juízos de valor se formam em velocidades de 10 a 25 mega(bits): tecnologia para auxílio da consciência, é o discurso. Tato na tecla, olho na tela, voz na escrita e o resto é dado processado. Deixa que eu acho quem ache algo de ti, que eu te direi quem és. Mundo bizarro, programas de auditório foram alocados para o cotidiano real, portanto surreal. Historinha típica para exemplificar a clássica pergunta que se responde por exclusão: “de onde vem o amor?”. Sabe-se, experimental ou cientificamente, que das confabulações entre os sujeitos é que não, muito pelo contrário: isso destrói. Então, pensando num final feliz, João abdicou de vez de uma coisa chamada companhia. Pois quem acredita em terceiros, ignora por completo não apenas a possibilidade de ter alguém (e sem se preocupar com a nomenclatura do relacionamento), mas ignora principalmente a chance de viver um grande amor, mesmo que isso não seja obrigatório. Assim, fazendo da liberdade da comunicação moderninha um exercício de irresponsabilidades, inconsequências e injustiças, as pessoas se apequenam, impossibilitando caber nelas tal sentimento. Quando vem, é igualmente proporcional ao dano causado ao próximo; que pena, são coisas da Física. Todavia, seja a pequenez diretamente proporcional à frustração. João não admite ter que desmentir boatos e/ou absurdos para aqueles que não possuem a capacidade de identificar a veracidade do mundo, subjugando-a aos seus interesses ou vontades ou caprichos ou maldades. Quando se chega ao ponto de ter que convencer alguém sobre uma ou mais verdades, é porque este alguém é propenso à falsidade: segura na mão de quem quiser, e vai! João não é professor, nem aluno, nem guru, nem guri. Terapeuta, João jamais seria. João também não sonha um grande amor. Mais do que ficar se afundando em maledicências internéticas na vida dos outros, ele pensa que as pessoas tinham que ocupar seu tempo com algo eticamente construtivo na própria vida. Mais do que parboilizados, os sentimentos deveriam ser integrais. Assim como azeite de oliva e cebola, são fundamentais; mas só para quem se habilita, é claro. João rima muito bem e tão bonitinho com solidão. João não tem mais tamanho, porque não é mais mensurável. Portanto, ele não cabe em coração algum...      




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