Dizem
que é para comemorar em reunião mais um ano de vida. A coisa retroage: o ano já
se passou e assim se conseguiu completar mais um determinado tempo. Comemora-se
o quê, então? As vitórias? As conquistas e as ascensões? E se não houve nada
disso, o que comemorar? A neutralidade, a estagnação e as mesmices da humanidade são dignas de
festança? E se foi um ano de baixas, de perdas e derrotas? Ah, mas comemore-se
o que se venceu, mesmo que seja em menor quantidade do que aquilo que se
perdeu, o que importa é chegar até aqui, vivo. Aqui aonde? Vivo de que jeito?
Basta respirar? Tradições centenárias pra não dizer seculares necessitam serem
revistas. Penso que o aniversário merece outro tipo de celebração. Não havia
muita gente na sala do hospital na hora do nascimento. Eles vieram depois. E
outros não ficaram. E outros partiram ao longo dos anos. A outra sala hoje estará com pouca
gente. Ele queria é estar bem longe daqui. Desse frio, da sala pequena, das
comidas sobre a mesa. Um estrogonofe, um bolo sem velas e uma cantoria, já não
fazem mais sentido. Nada mudarão. Quando o caminho é a introspecção, requer-se
o isolamento, mesmo que seja monofásico. Tudo isso é adereço, perfume, embrulho,
encadernação de um livro apenas escrito. Quando a gente elege coisas mais
importantes na vida, as outras coisas importantes deixam de ser, e passam a
integrar o rol das superfluidades. Ao mesmo tempo, ele ainda não descobriu o
caminho que levasse até a data certa, na profundidade certa e bem medida das
coisas, sem exageros nem obrigações. Ele não queria ir nessa festinha. Ele já
não gosta de comemorar tradições. Ele não quer comemorar o passado. Ele nem
sabe acabar esse texto. É que ele ainda não aprendeu a comemorar o amanhã...
Soneto de aniversário
Passem-se dias, horas, meses, anos
Amadureçam as ilusões da vida
Prossiga ela sempre dividida
Entre compensações e desenganos.
Faça-se a carne mais envilecida
Diminuam os bens, cresçam os danos
Vença o ideal de andar caminhos planos
Melhor que levar tudo de vencida.
Queira-se antes ventura que aventura
À medida que a têmpora embranquece
E fica tenra a fibra que era dura.
E eu te direi: amiga minha, esquece...
Que grande é este amor meu de criatura
Que vê envelhecer e não envelhece.
Passem-se dias, horas, meses, anos
Amadureçam as ilusões da vida
Prossiga ela sempre dividida
Entre compensações e desenganos.
Faça-se a carne mais envilecida
Diminuam os bens, cresçam os danos
Vença o ideal de andar caminhos planos
Melhor que levar tudo de vencida.
Queira-se antes ventura que aventura
À medida que a têmpora embranquece
E fica tenra a fibra que era dura.
E eu te direi: amiga minha, esquece...
Que grande é este amor meu de criatura
Que vê envelhecer e não envelhece.
- Vinícius de Moraes
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