A Filha do Sargento
Dezesseis anos. Só no registro
geral, o corpo era de vinte, carregando um espírito já adulto. Gente assim, dá
até medo de perguntar quando foi que perdeu a virgindade, tolice nossa em ainda
trazer no lombo esses temores tradicionais dos antepassados, moralismo
intempestivo que só. Não enxergava muito bem a moça, óculos de fundo de
coca-cola. Seduzia os seus com jeitos e trejeitos de Lolita, os homens iam
perdendo o receio a cada investida, investida dela. Fosse hoje, a lei os
enquadraria. Há vinte anos atrás, uma leve contravenção, dada a voluntariedade
e disposição da moça que não era mais mocinha. De tanto que cruzou a trincheira do
tenente, que um dia o arrastou para a garagem do prédio dos praças. Abraçaram-se,
mas ele limitou-se à sua boca, língua molhada e ágil como felina na selva sem caça. De repente,
ela pergunta: “Mas...então você não vai tocar nos meus seios?” Tenente
Escovinha virou bezerro nas mamas de Claudinha Batalhão. Jogou o Código Penal
Brasileiro na valeta, o Regulamento Disciplinar da Força embaixo da cama e entregou-se à lascívia de um criminoso latente, que antes só fazia
gato em TV a cabo e alterações em relógios d’água, prática que logo abandonou para a middle society. Partiu para o deleite,
naqueles fartos e duros e tesos e alucinantes mamilos, gosto de néctar; ubres juvenis, fonte no deserto, pecado ao lado, não foi ele
quem começou era o seu consolo. “Chega, pode aparecer alguém.” Sua ingenuidade
perdia de goleada para a abusada coragem da menina. Claro que não era isso, é que ela era sim
uma aventureira desbravando a tropa dos machos militares. Queria saber até onde
cada um aguentava, os homens e os seus limites diante do perigo. Saiu de lá
molhado na noite tardia, se perguntando por que razão as mulheres mais velhas
se guardavam tanto neste quesito. As casadas então, quanta rejeição ele ouvia
falar. Afastamento, rejeições, verdadeiras distâncias, quase um outro exército. Mundo de comparações, quando lembrou disso, descartou tal pensamento. Uma bela tarde, quando não foi para o quartel, estava ele quase dormindo em casa de inverno. Pensando no
rolo, sentiu-se feito um Reginaldo Faria recebendo e tendo que lidar com as sedutoras
e irrecorríveis tentações de Flávia Monteiro. De
repente, um barulho, pensou em ladrão. Era Claudinha, fugiu do colégio e
debandou-se pra lá, atrás de folia, pulou janela. Ela sentou de imediato na cama, sem falar
nada. Abaixou-lhe o calção e sugou – na maestria de uma balzaquiana – com volúpia o homem que se fez menino para
submeter-se com menos culpa aos caprichos sexuais daquela garota cujas travessuras já não eram
mais doces, e as gostosuras mudaram de figuras. Gozavam sempre juntos, seria o seu par mais perfeito durante toda a
sua vida, ele não sabia disso. Corpos ardentes, não aqueceram relacionamento cujos
dez anos de diferença haveriam de transformar em decadência. Na feira, ela
comia doces antes de salgados, enquanto ele não gostava de doces. Ela queria
beijar com a boca cheia, ele era fresco. Ele queria seu outro lado, ela era
fresca. Marmanjo em porta de colégio não soa bem. Mas ele a ensinou bastante, sobre a vida e sobrevida, ela reconheceu isso. Alguns poucos meses se passaram. Enfim, a bifurcação
de caminhos. Ele, ainda hoje reflete sobre as relações...por que diabos quando o sexo
é conjunção, harmonia, prazer maiúsculo, o resto não dá certo? E vice-versa? Qual
a pedra filosofal, o santo graal de um relacionamento a dois? Parece gangorra,
ora tende para um lado...ora para o mesmo lado...sem equilíbrio mútuo. O que as
pessoas procuram numa companhia? Mais amizade...mais sexo...mais fuga da
solidão...compensações de carências...mais isso, mais aquilo. Aí está! As pessoas procuram! Esse é o grande
erro! Se a vida fosse mais natural, os encontros não seriam resultados de
buscas, para satisfazer egos, obter conveniências, destaque no meio social, demonstração de "normalidade", vencer as frustrações do
passado. Procurar...esperar...tudo que antecipa um amor, concorre para o flagelo
desse amor. Não a experiência, o aprendizado, mas as coisas relativas à determinadas relações, características particulares, portanto, intransferíveis e incomparáveis. Talvez seja preciso que as pessoas compreendam a união, como um
nascimento. Uma nova semeadura, e a partir daí, frutos próprios, autônomos,
independentes. Assim, quem sabe, Batalhão encontre alguém para amar também. E Escovinha
encontre alguém que goste de carinho também. Mas não, o passado relacional é um
mofo resistente e imune às naftalinas de toda espécie, de nada adianta os supermercados. Eles dois, usavam o método da
tabelinha, ela nunca engravidou. Casou com um Professor de Direito e depois abandonou-o e juntou-se com uma mulher, ele sabia de sua bissexualidade, e que ninguém sentia prazer como ela, tampouco dava. Ele morreu, sem
saber o que era amar. Porque o amor não admite nenhuma estória que o traduza, nenhum
texto que o decifre, nenhum exemplo que o demonstre, nenhuma razão que o explique, nenhuma teoria que o
sustente: o amor, é apenas um exercício plural. Um exercício dimensional, cujo
alcance, é próprio e exclusivo e segredoso de quem se ama. Os outros, não
passam de meros ficcionistas, uns coitados e bastantes contadores de estórias...
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