segunda-feira, 11 de abril de 2016

Cine Paradiso



A Filha do Sargento

Dezesseis anos. Só no registro geral, o corpo era de vinte, carregando um espírito já adulto. Gente assim, dá até medo de perguntar quando foi que perdeu a virgindade, tolice nossa em ainda trazer no lombo esses temores tradicionais dos antepassados, moralismo intempestivo que só. Não enxergava muito bem a moça, óculos de fundo de coca-cola. Seduzia os seus com jeitos e trejeitos de Lolita, os homens iam perdendo o receio a cada investida, investida dela. Fosse hoje, a lei os enquadraria. Há vinte anos atrás, uma leve contravenção, dada a voluntariedade e disposição da moça que não era mais mocinha. De tanto que cruzou a trincheira do tenente, que um dia o arrastou para a garagem do prédio dos praças. Abraçaram-se, mas ele limitou-se à sua boca, língua molhada e ágil como felina na selva sem caça. De repente, ela pergunta: “Mas...então você não vai tocar nos meus seios?” Tenente Escovinha virou bezerro nas mamas de Claudinha Batalhão. Jogou o Código Penal Brasileiro na valeta, o Regulamento Disciplinar da Força embaixo da cama e entregou-se à lascívia de um criminoso latente, que antes só fazia gato em TV a cabo e alterações em relógios d’água, prática que logo abandonou para a middle society. Partiu para o deleite, naqueles fartos e duros e tesos e alucinantes mamilos, gosto de néctar; ubres juvenis, fonte no deserto, pecado ao lado, não foi ele quem começou era o seu consolo. “Chega, pode aparecer alguém.” Sua ingenuidade perdia de goleada para a abusada coragem da menina. Claro que não era isso, é que ela era sim uma aventureira desbravando a tropa dos machos militares. Queria saber até onde cada um aguentava, os homens e os seus limites diante do perigo. Saiu de lá molhado na noite tardia, se perguntando por que razão as mulheres mais velhas se guardavam tanto neste quesito. As casadas então, quanta rejeição ele ouvia falar. Afastamento, rejeições, verdadeiras distâncias, quase um outro exército. Mundo de comparações, quando lembrou disso, descartou tal pensamento. Uma bela tarde, quando não foi para o quartel, estava ele quase dormindo em casa de inverno. Pensando no rolo, sentiu-se feito um Reginaldo Faria recebendo e tendo que lidar com as sedutoras e irrecorríveis tentações de Flávia Monteiro. De repente, um barulho, pensou em ladrão. Era Claudinha, fugiu do colégio e debandou-se pra lá, atrás de folia, pulou janela. Ela sentou de imediato na cama, sem falar nada. Abaixou-lhe o calção e sugou – na maestria de uma balzaquiana  – com volúpia o homem que se fez menino para submeter-se com menos culpa aos caprichos sexuais daquela garota cujas travessuras já não eram mais doces, e as gostosuras mudaram de figuras. Gozavam sempre juntos, seria o seu par mais perfeito durante toda a sua vida, ele não sabia disso. Corpos ardentes, não aqueceram relacionamento cujos dez anos de diferença haveriam de transformar em decadência. Na feira, ela comia doces antes de salgados, enquanto ele não gostava de doces. Ela queria beijar com a boca cheia, ele era fresco. Ele queria seu outro lado, ela era fresca. Marmanjo em porta de colégio não soa bem. Mas ele a ensinou bastante, sobre a vida e sobrevida, ela reconheceu isso. Alguns poucos meses se passaram. Enfim, a  bifurcação de caminhos. Ele, ainda hoje reflete sobre as relações...por que diabos quando o sexo é conjunção, harmonia, prazer maiúsculo, o resto não dá certo? E vice-versa? Qual a pedra filosofal, o santo graal de um relacionamento a dois? Parece gangorra, ora tende para um lado...ora para o mesmo lado...sem equilíbrio mútuo. O que as pessoas procuram numa companhia? Mais amizade...mais sexo...mais fuga da solidão...compensações de carências...mais isso, mais aquilo. Aí está! As pessoas procuram! Esse é o grande erro! Se a vida fosse mais natural, os encontros não seriam resultados de buscas, para satisfazer egos, obter conveniências, destaque no meio social, demonstração de "normalidade", vencer as frustrações do passado. Procurar...esperar...tudo que antecipa um amor, concorre para o flagelo desse amor. Não a experiência, o aprendizado, mas as coisas relativas à determinadas relações, características particulares, portanto, intransferíveis e incomparáveis. Talvez seja preciso que as pessoas compreendam a união, como um nascimento. Uma nova semeadura, e a partir daí, frutos próprios, autônomos, independentes. Assim, quem sabe, Batalhão encontre alguém para amar também. E Escovinha encontre alguém que goste de carinho também. Mas não, o passado relacional é um mofo resistente e imune às naftalinas de toda espécie, de nada adianta os supermercados. Eles dois, usavam o método da tabelinha, ela nunca engravidou. Casou com um Professor de Direito e depois abandonou-o e juntou-se com uma mulher, ele sabia de sua bissexualidade, e que ninguém sentia prazer como ela, tampouco dava. Ele morreu, sem saber o que era amar. Porque o amor não admite nenhuma estória que o traduza, nenhum texto que o decifre, nenhum exemplo que o demonstre, nenhuma razão que o explique, nenhuma teoria que o sustente: o amor, é apenas um exercício plural. Um exercício dimensional, cujo alcance, é próprio e exclusivo e segredoso de quem se ama. Os outros, não passam de meros ficcionistas, uns coitados e bastantes contadores de estórias... 




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