terça-feira, 26 de abril de 2016

Boteco do Alípio




-Qual o segredo dos poetas?
¬Escrever sobre o amor alheio.
-E quem escreve sobre o amor do próprio poeta?
¬Ninguém. Nem ele próprio faz isso.
-Como saber se ele não faz?
¬O amor do poeta, é apenas um impulso, que o leva a escrever sobre os outros...
-Duvido que não respinguem gotas do amor dele sobre seus textos.
¬O que você vê, é apenas chuva.
-Mas o que adianta manter um amor como impulso, se nunca se chega a lugar nenhum?
¬Eis a resposta: poetas, são seres em propulsão. Eles não têm alvos, são livres para não acertar ninguém, nada, nunca.
-Que vidinha pacata, hem...
¬Pacato seria acertar um alvo, e perder a impulsão. Interromper o movimento, tolher a liberdade, cessar a escrita.
-Puxa...eu achava que eles também amassem como nós...
¬Deixe o amor para os outros, os não poetas, vocês.
-Tá bom. Mas me explique uma coisa que eu não entendo: como o amor pode estar num impulso?
¬Comece a escrever, que entenderá. Há coisas na vida, que somente a experiência própria explicará.
-Se é assim, as livrarias são um depósito de ficções?
¬Não, lá tem os romancistas. Estes, não são poetas, escrevem apenas sob o sol.
-Então a diferença entre um poeta e um romancista é o lugar de onde escrevem?
¬Sim.
-Poetas na chuva, romancistas ao sol...
Não, é ao contrário.
-Como assim?
¬É preciso muita luz para escrever sobre o amor alheio. É preciso chuva para escrever romances.
-Ainda não entendi.
¬A poesia, é olhar o sol, à sombra de uma nuvem. Por isso, respinga na poesia. O romance, é não sentir a chuva. Por isso, a ilusão distorce a realidade.
-Coitados dos poetas...no fundo, eles não amam, né?
¬Não é bem assim. No fundo, eles têm é um jeito muito esquisito de amar.
-Que pena.
¬Não tenha dó de um poeta. Pior, é não ter segredo...
-Mas você já me contou que o segredo do poeta é escrever sobre o amor alheio. Aí, ele deixa de ter segredo.
¬Não. Não, porque existe algo que vem antes do segredo. Não esqueça que o segredo está na impulsão, que por sua vez, é o amor do poeta.
-O que é?
ƒ algo que o impulsiona.
-Seria o desejo?
¬Não. É justamente aquilo que faz chover.
-O quê?
¬Não sei. Isso, eles jamais escreverão. Sabemos como nasce o sol, sabemos dos romances. Mas nunca saberemos como nasce a chuva, nunca saberemos das poesias.
-A Física explica a chuva.
¬Explica a chuva de vocês e dos romancistas. Não explica a chuva dos poetas.
-Você já viu uma chuva dessas?
¬Não. O que sei é que ela não faz barulho. Que não se vê, que não se toca. Que é inodora e insípida.
-Mas como percebê-la então?
¬É uma chuva que apenas se sente. Através de um outro tipo de percepção, não sensorial.
-Qual?
¬Vou lhe responder de uma forma diferente. Ao ler um livro, não se porte como um detetive, um juiz ou um gênio. Não se preocupe de onde vem a inspiração alheia, não queira fazer de poemas, meras biografias. Aproveite a beleza do texto, que serve apenas para ser belo para quem aprecia esse tipo de beleza, mais nada.
-Como perceber a chuva? Responda!
¬Garçom, a conta por favor...




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