Os Engenheiros do Amor.
Eles continuam circulando. Eles estão chegando, em alguns lugares. Mas não são os
alquimistas. São os engenheiros do amor, mesmo não tendo o reconhecimento
natural e necessário do ministério do tempo. Não diplomados pela vida, ainda
ousam alguma arquitetura sobre suas obras, tentando decorá-las a disfarçar
feito maquiagem sua intenção, modus operandi. Empregam tais métodos, sem anunciar a
sua alta racionalidade, advinda de suas experiências anteriores, no sentido de
rapidez e conclusão do seu trabalho. Arriscam construções pré-moldadas, dali a
pouquinho, já tomam conta do terreno, cortando angulares, obliterando paisagens. Vistosos, imponentes, exímios e lépidos
tanto quanto a modernidade tardia requer sine qua non a hodierna tecnologia. Homens e mulheres e transgêneros, todos sem
distinção em busca de uma relação consolidada num espaço que ignora as horas.
Assim, lembro-me das Cruzadas, borrão na história mundial a pretexto do falso bem.
Fantasia, que não consegue encobrir a ponta do desejo, do anseio, do interesse,
da conveniência e das carências dos construtores de sentimentos. Sim, eles
erguem seus muros com você dentro: cuide-se, não há saídas. Tudo chega pronto,
e a fundação sempre é desprezada, ou seja, dure o quanto for bom, se ruir,
paciência, não há responsáveis pela ausência contratual. E prepare-se, pois
dentro da área conquistada eles instalam todo o tipo de material que trazem do
passado, em caixas de argamassas abertas com variada clicheria: desapontamentos e
frustrações, enraivecimentos e vaidades, individualismos e egoísmos. Mas a pior
característica desses engenheiros do amor, é a posse. Posse que leva no bolso
um registro geral, tendo como órgão expedidor o instituto de identificação do
ciúme. Pronto, você será domado como se antes fosse fera, domesticado como se antes libertino, e enjaulado como se animalesco. Entregue todos os seus
valores, princípios, suas virtudes nas mãos do novo mestre/guia vertical de sua vida,
o qual sustenta a condição de sua felicidade em direção aos céus. Não importa
se ele ou ela lhe anulam como pessoa humana: esquece e vai, jogue-se de cabeça
sem proteção braçal, eles garantem uma boa morada. O começo, é sempre sedutor:
cultura, hábitos em comum, vontades cotidianas, similitudes de viver. Pronto, a
corda de seda está roçando eroticamente em seu pescoço. Seu lado sadomasoquista
sai de suas entranhas e contamina sua razão, em nome daquela emoção passageira
sem ingresso. O sexo, é uma das formas de dominação dos engenheiros do amor. A
inteligência, outra. Os sonhos...enfim, eles têm técnicas artificiosamente
melindrosas para lhe conquistar, isto é, apoderar-se de sua liberdade individual, a Sua paisagem.
Sim, amigos do mundo, eu aprendi a lidar com esse tipo de gente. Não durou
muito, fui forte o bastante para pular o muro que se montava ao redor da minha
essência. Continuo desacreditado no amor, os engenheiros são muitos, até já
falei deles uma vez. Escrevo isso hoje em função da procura de uma foto minha nos anais do que não vivi. Agora, depois do tempo, vejo quanto foi o tempo perdido, nesta releitura que faço de um vácuo nem tão recente em meu espaço. Ainda defendo a tese da naturalidade das coisas, das
relações, das construções imateriais, do respeito ao tempo que tudo na vida
requer para que tudo se desenvolva de acordo com a adequada evolução. Primeiro, um
terreno, depois a preparação dele, então a semeadura, o acompanhamento dos
brotos, manutenção, regada, florada, e tudo o mais que o amor necessita erigir sem artifícios, mas sim e apenasmente com os elementos da natureza. Por isso, a
dificuldade de se encontrar alguém que chegue até você sem containeres do
pretérito. Alguém que esteja disposto às novas possibilidades, crescendo junto
e independentemente, preservando individualidades e fomentando reciprocidades.
Comungando tempo e espaço, em nome da paz que deve reinar numa relação a dois.
Minha tese é tão utópica, que eu fiz ideia de que todas as relações são distopias.
Prefiro assim, do que ser objeto de consumo das vontades alheias. Como naquele
vento que veio do nordeste, e eu quase me lancei ao escuro, despertei quando vi
o tamanho do muro: não transformei isso em passado meu, apenas em aprendizado,
o que é brutalmente diferente. Este, é cognição para o futuro; aquele, é
retrocesso para o jamais. Um dia ela encontra quem se submeta, será portanto
alguém submisso, sem bússola, nem tesão para navegar. Pois tudo que é de areia, pode
até parecer bonito, mas o mar é soberano. Já é noite, e me esqueci de dar o
macarrão que sobrou na geladeira para a ceia dos cães. Penso que eles também
merecem novas possibilidades...