segunda-feira, 22 de junho de 2015

Crônica Cotidiana 22




Ninguém serve para ninguém. As pessoas colidem entre si como os carrinhos num parque de diversões. Então se lançam, se empurram e acabam se amoldando. Escondem as arestas e as imperfeições humanas. Escondem até suas qualidades. Vale tudo para conquistar o próximo e chamar de seu. Mas por mais que alguém se ache legal, justo e defensor das maiores virtudes que considere ter adquirido, ninguém serve a ninguém. Primeiro, porque servidão é coisa de direito real. Segundo, porque servir é algo tipo “se não tem outro, vai com esse mesmo”. Então os casais se encaixam dentro de um caminhão de mudanças. Tomam cuidado com as louças, os cristais e os vidros, tão delicados transportá-los para o novo lar imaginário do amor inventado em seu laboratório particular de carências, jamais visitado pelo INMETRO, pela ANVISA ou pelo Corpo de Bombeiros. Dali, para as estradas do país. E aquilo que é pesado, mais resistente, vai no muque mesmo. E o peso não vai embora. Às vezes, pensam que o encaixe dos órgãos sexuais basta para que a relação tenha sucesso. Quando desengatam, a desolação. O pênis chora a única coisa que tem pra dar. A vagina sua pelo mesmo motivo. Mundo animal prevalecendo no habitat da vida. Marilene, linda morena de Foz do Iguaçu, casou-se muito cedo com um polaco feioso de espantar criancinhas, mas que lhe prometia a capital e o mundo além de muito sexo convencional e prosperidade evangélica. Inocente, a gostosa deixou (as experiências d)o mundo  de lado e veio para o leste a tiracolo do ogro albino. Chegou aqui, sob a escolta permanente do vigilante que escolhera como super-herói, por vezes sentindo falta de ar, em função da relação possessória que o coisa-feia estabelecera como divina, vontade do Senhor. Ela se masturbava escondida todos os dias, imaginado fantasias com os homens que via. À noite, polaco se aconchegava entre as suas pernas sem dar-lhe um beijo sequer, iniciando a cópula no seco, até rapidamente espirrar leite talhado pelo ventre cuja dona já não estava mais ali. Tão normal, gente pensando em outra(s) pessoa(s) durante o ato, que o gozo não se demora. Mas ela uma vez durante o moto contínuo deixou escapar um nome, do vizinho de cima. Ele não falou nada, pois já estava reconhecendo a mesmice, a rotina e a falta de perspectiva diante da ausência própria de predicados que lhe eram impossíveis. O AP bonitinho e regularmente financiado não escondia o caráter de invasão que marcou a juventude afetiva dela. Pra encerrar esse conto sobre gente que se atira ao invés de obedecer ao curso natural das uniões afetivas, ceifando aprendizado e conhecimento em prol da remediação de carências, eles se divorciaram. Polaco-feio arrumou sua Camila Parker-Bowles num site de relacionamentos, já que ele não tinha condições de encontrar alguém naturalmente. Morena-linda virou lésbica, por ter encontrado em uma amiga, a sua verdadeira companhia. Poderia ter sido com um amigo. Ela não fez questão de gênero. Ele não fez questão de sentimento, nunca fez. O que ele fazia, era manter a posse. O que ela fazia, era ser mansamente possuída. Dominação. Assim são vários relacionamentos que passam em nossa frente sem sabermos a cor. Assim ocorre com quem viaja para as capitais sem ter conhecimento do seu próprio interior...



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