Ninguém serve para ninguém. As
pessoas colidem entre si como os carrinhos num parque de diversões. Então se
lançam, se empurram e acabam se amoldando. Escondem as arestas e as imperfeições
humanas. Escondem até suas qualidades. Vale tudo para conquistar o próximo e
chamar de seu. Mas por mais que alguém se ache legal, justo e defensor das
maiores virtudes que considere ter adquirido, ninguém serve a ninguém.
Primeiro, porque servidão é coisa de direito real. Segundo, porque servir é
algo tipo “se não tem outro, vai com esse mesmo”. Então os casais se encaixam
dentro de um caminhão de mudanças. Tomam cuidado com as louças, os cristais e
os vidros, tão delicados transportá-los para o novo lar imaginário do amor
inventado em seu laboratório particular de carências, jamais visitado pelo
INMETRO, pela ANVISA ou pelo Corpo de Bombeiros. Dali, para as estradas do
país. E aquilo que é pesado, mais resistente, vai no muque mesmo. E o peso não vai
embora. Às vezes, pensam que o encaixe dos órgãos sexuais basta para que a
relação tenha sucesso. Quando desengatam, a desolação. O pênis chora a única
coisa que tem pra dar. A vagina sua pelo mesmo motivo. Mundo animal
prevalecendo no habitat da vida. Marilene, linda morena de Foz do Iguaçu,
casou-se muito cedo com um polaco feioso de espantar criancinhas, mas que lhe
prometia a capital e o mundo além de muito sexo convencional e prosperidade evangélica.
Inocente, a gostosa deixou (as experiências d)o mundo de lado e veio para o leste a tiracolo do
ogro albino. Chegou aqui, sob a escolta permanente do vigilante que escolhera
como super-herói, por vezes sentindo falta de ar, em função da relação
possessória que o coisa-feia estabelecera como divina, vontade do Senhor. Ela
se masturbava escondida todos os dias, imaginado fantasias com os homens que
via. À noite, polaco se aconchegava entre as suas pernas sem dar-lhe um beijo
sequer, iniciando a cópula no seco, até rapidamente espirrar leite talhado pelo
ventre cuja dona já não estava mais ali. Tão normal, gente pensando em outra(s)
pessoa(s) durante o ato, que o gozo não se demora. Mas ela uma vez durante o moto
contínuo deixou escapar um nome, do vizinho de cima. Ele não falou nada,
pois já estava reconhecendo a mesmice, a rotina e a falta de perspectiva diante
da ausência própria de predicados que lhe eram impossíveis. O AP bonitinho e regularmente financiado não
escondia o caráter de invasão que marcou a juventude afetiva dela. Pra encerrar
esse conto sobre gente que se atira ao invés de obedecer ao curso natural das
uniões afetivas, ceifando aprendizado e conhecimento em prol da remediação de carências,
eles se divorciaram. Polaco-feio arrumou sua Camila Parker-Bowles num site de relacionamentos,
já que ele não tinha condições de encontrar alguém naturalmente. Morena-linda virou
lésbica, por ter encontrado em uma amiga, a sua verdadeira companhia. Poderia ter
sido com um amigo. Ela não fez questão de gênero. Ele não fez questão de sentimento,
nunca fez. O que ele fazia, era manter a posse. O que ela fazia, era ser mansamente
possuída. Dominação. Assim são vários relacionamentos que passam em nossa frente
sem sabermos a cor. Assim ocorre com quem viaja para as capitais sem ter conhecimento
do seu próprio interior...
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