terça-feira, 9 de junho de 2015

Crônica Cotidiana 21 - c/ som



E de repente, tudo ficou diferente. Não que não fosse imprevisível, pois a manhã já tinha acontecido. Às vezes não damos a devida atenção a determinados amanheceres. Era perto do meio-dia, que chegou uma sensação de vida inteira. Estefânio, não polaco mas metido a escritor, dirigia seu veículo nas proximidades do Jardim Botânico. De onde, não se sabe, seu peito foi invadido por uma babilônia invisível de rosas multicoloridas, um perfume ausente, mas que fazia elevar sobre o asfalto, quase extensão de um jardim suspenso. Parecia que um certo alguém estava lhe olhando naquela esquina. Tomado de perplexidade, começou a reparar as pessoas na calçada para ver se estavam mesmo ali, perto dele. E ao lado, no sinaleiro. Sim, não era sonho, elas estavam lá. Todas bonitas, radiantes, indo em direção de seu almoço ou de qualquer outra coisa. Ou seja, o mundo que sempre foi mundo, mudou naquela hora. Os semblantes se transformaram, tudo e todos estavam mais coloridos, mais azuis, mais ensolarados. Energia? Claro! Mas por que ali, naquele instante, no meio do dia...mistério, doce mistério. E se todo mistério é doce, o que dizer quando ele vai sendo desvendado? Respostas que vão chegando no vento feito a voz do cantador e povoando de interrogações todos os textos, tal as provocações do saudoso mestre Abu. Que contraste fazer isso, quando a vida vai encontrando sentido, aparece essa mania de perguntar a ninguém sobre as evidências das coisas reveladas. Mas deve ser isso mesmo: não estamos acostumados a revelações. E se a revelação é de uma certa natureza, faz levitar mesmo. Enquanto ele sublimava em sensações afloradas, Luiz cantava uma Melodia no som do carro dizendo sobre uma dor, que ela precisava morrer se ele não ficasse com ela, essa dor. Estefânio, lembrou-se de que já havia sofrido. Que um certo tempo já tinha passado, o mesmo tempo que ainda não veio. Um figurado buquê de tempo e espaço fez dele um florista temporário. Amalgamaram-se num belo arranjo o dia e a noite, o aí e o aqui. Isso trouxe a vontade de fazer uma romântica serenata aos pés de um arranha-céu. De sentar coladinho à mesa da lanchonete do melhor pastel. De dançar uma tocata ou um bolero ou Lionel Ritchie numa balada jingobel. Pular até desmaiar no carnaval de Antonina no Bloco do Batel. De esperar mais juntinho ainda o próximo Papai Noel. Estefânio estava se transformando. Parecia abandonar a lágrima, sua proparoxítona mais bela, para inundar de oxítonas o seu dossel. Um anel? O que estava acontecendo com sua poesia? Rimas pobres, a essa altura da Champions? Coisas de lugares. Talvez ele estivesse carregando uma semente naquele peito. Perto do Jardim mais bonito da cidade, ele percebeu que ela já estava germinando. Mas não havia sol naquele finalzinho de manhã. Foi a Lua, que de noite rompeu o protocolo do universo e deu luz para que algo de maravilhoso acontecesse. Estefânio está em “polvorosa”, como dizia sua avó. Entrou na Affonso Camargo, passou em frente ao Segundo Distrito e percebeu que, enfim, ele estava livre. Partiu em direção ao centro da vida. Da sua vida. Da sua nova vida. Um outro caminho. Sem calçadas para condicionantes. Sem ônibus para medos, nem contramão para qualquer forma de hesitação. Pela primeira vez na consciência, a eminência de conhecer o perfume daquela flor. No restaurante, ele quase nada comeu. O alimento, é mesmo uma das coisas mais relativas do organismo. Vai, Estefânio! Deixa de ser gauche na vida e vai fazer valer sua alma gorda! Então ele grita e se solta. Ele precisa aprender. Sobre o sentido deste sentir: se ele não é baterista, por que tanto tambor? Se ele não é escritor, por que tanto calor? E se ele não é florista, por que tanta cor? Interrogações, muitas, que ele quase sente o sabor... 



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