LIQUEFAÇÃO
Ela queria chorar um pouco. Não precisava muito,
alguns minutos seriam o suficiente. Há muito que não fazia isso. Havia motivos,
mas parece que nunca era hora. Sempre aparecia algo, alguém ou outra coisa
impedindo. Um intervalo no tempo, se fazia necessário. Não que ela curtisse
isso, mas feito desabafo. Para si mesma, relaxando sua permanente tensão física
de controlar emoções feito dique, comporta, usina. O rio da vida tinha que
seguir seu curso. Na altura dos seus olhos, ele haveria de continuar. Então ela
foi para o quarto noturno, apagou todas as luzes, fechou a porta e enfiou-se
embaixo das cobertas de solidão e cobriu-se de outono. Frio que se aproximava,
o choro também, com ele algum calor que vinha do exercício da musculatura da
face, contraindo para libertar lágrimas contidas. Assim, ao menos eles não atrofiariam.
Pensou na vida. Em tudo o que ela teve, sentiu e quis. Espécie de profecia, que
levaria caso fosse alcançada, à solução do mistério de ser humano. Uma vez,
deixou uma pergunta dessas sobre a calçada para alguém determinado. Ela não
soube onde foi parar aquela questão. Então, de lento passou a moderado. E
deste, a intenso. O pranto tomou conta do cômodo da casa, do ambiente da vida.
Já nem levava as mãos aos olhos, a face banhava-se como cascata em véu. Não se
incomodava que não houvesse ninguém ao lado para dividir solidão. O problema
era a perspectiva nas relações, de toda natureza, ela sentia dificuldade em
mantê-las. Seus valores falavam mais alto que qualquer submissão, omissão ou
recuo. Íntegra, mas sozinha. Moral, mas isolada. Ética, mas confinada de
emoções. Chegou a pensar se valeria a pena preservar tudo aquilo que a tinha
constituído como pessoa. Afinal, perdeu tanto por isso...não. Bastou chorar
mais um pouco, que fez concluir retidão: não devia nada para ninguém. Vinte
minutos passaram-se, o relógio marcava uma da manhã. Pronto, o alívio demorado.
Tinha de levantar às seis. Um pouco antes da alvorada. Um pouco antes do
sorriso. Chorar, é bom, mas é melhor quando precede um sorriso. Por isso existem as noites. Os
luares, o breu, o cinza e os travesseiros: equilíbrio. Quem sabe um dia, ela possa
contemplar a lua, coisa que só admitia a dois. Quando sozinha, admirava-a.
Mundo de sinônimos, antônimos sentimentos. A dor de cabeça matinal foi superada
pelo café. O vazio no peito, pela luz do dia. O silêncio ao lado, jamais calará.
Mas ao lado da Campina do Siqueira, há um belo parque. As pessoas ouvem-se por lá.
Quando não pela voz, é pelo sentido de caminhar...
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