Alforriem Maurício
Quando morre uma Amizade
Não,
não é caso de tristeza. Pois quando há falta de atenção para o que já vem
adoecendo há algum tempo, não se pode colocar nas pastas da tristeza algo que
tem outro cabimento: desatenção, simplesmente isso. As pessoas são livres para
escolher os seus caminhos. Como também são livres para escolher os seus companheiros de jornada. Então não podemos complicar e ficar lamentando as opções alheias fugidias,
mesmo se um dia foram tão próximas em caminhada, em similitude de valores, sintonia. Tudo muda, se transforma, se modifica ao
longo do tempo, três sinônimos sequenciais, para demonstrar que a mudança
não para, é contínua. Nos dias de hoje, é evidente a banalização das relações
afetivas, dentre elas a amizade. Do real para o virtual e deste para o nada,
nada além de páginas viradas da história. Às vezes, nem passa pelo virtual, cai
direto no vazio. A amizade, é um valor repleto de princípios, sendo um dos
principais, o fator presencial: amigos de verdade, se frequentam, se visitam, e
saem pela vida juntos. Não importa distância, tempo ou qualquer outra desculpa.
Cuidado com aqueles que jogam todas suas justificativas no trabalho, pela falta
de tempo: argumentação ultrapassada, oca, longe da verdade, coisa de covardia em reconhecer suas próprias verdades, pobreza argumentativa, fundamentação nula.
Melhor assumir a decadência da relação e o 'descurtir' do que cozinhar em banho Maria as cascas
do que se foi. As pessoas se afastam, em silêncio, por terem medo de conversar
sobre as razões da falta de emoções, do desinteresse pela companhia, dos fins das relações. “A verdade dói, ai que dor doída, que a
gente sente quase toda a vida”, dizia o sambinha do Monga. Monga também tinha
receio das palavras, que elas se justassem e encontrassem a cor da razão, o
cheiro do motivo, o som da ausência, o gosto do insípido e o tato do mais nada.
Não vejo por que medo disso. Há tanta gente no mundo que pode se tornar nossos
amigos, pra que ficar lamuriando quem não quis permanecer? Livre, vá-se embora, sem
problemas, siga o seu caminho, tudo de bom, seja feliz. Não se importe comigo, afinal já optou pelo
afastamento, é só continuar o caminho que você decidiu. Sensação estranha que me invade
quando isso ocorre: não é tristeza, é um misto de indignação e revolta - passageiro, obviamente - por não
podermos fazer nada, porque não é mesmo para se fazer qualquer coisa. Já é tarde, deu
pra bolinha: vazemos, irmãos! Mudamos de casa, de emprego, de carro; de praça,
de pastelaria, de bebida; de parceiros sexuais, de namorada, de cônjuge; se os parentes se vão, porque os amigos não poderiam ir-se também? Nossos cães
morrem e arrumamos outros. Senão, podemos perfeitamente ficar sem nada disso também, curtindo
ausências e solidões que só nos fazem depurar e lapidar a alma, evolução
espiritual, modificada mas tá valendo. Não é que necessitemos substituí-los, mas é que ninguém é absoluto
nesta vida: se ocupavam lugares e resolveram por livre arbítrio desocupar, ou levar seus assentos para outras cercanias, que
assim seja, pois cada espaço/coração é grande o suficiente, cabem tantas novas poltronas, reclináveis até quando necessário. O indivíduo é único, mas a relação entre ele e outro indivíduo é relativa! Hoje eu estava andando numa pracinha e vi tantas pessoas...há tanta
gente nesse mundo que pode ser amigo da gente, não tem sentido nós insistirmos
ou nos lamentarmos por aqueles que não querem mais estar ao nosso lado. Por isso que há bastante gente
no mundo. Por isso vivemos em sociedade. Por isso há caminhos, diversos. Por
isso as coisas são plurais, múltiplas, inúmeras, convergentes, divergentes ou paralelas de direções. Por isso existe o lado da frente, que
serve para deixarmos de olhar para trás, leia-se futuro e passado. Temos coisas
muito mais sérias para nos preocuparmos, do que meros e voluntários rompimentos
relacionais, tudo passa e só passa se permitirmos passar: lamentar ou impedir,
é irracional, pois significaria tentar controlar aquilo que não depende de
nós, seria forçar, algo extrema e desnecessariamente antinatural. Quando eu tinha 10 anos, faleceu uma tia que deixou quatro primos: um de
6, gêmeas de 4 e outro de 2 anos. Um dia as crianças
foram lá em casa e cantaram esta música: “eu quero ter um milhão de amigos e
bem mais forte poder cantar”. Odeio esse compositor, mas cada vez que eu lembro
disso, é como se fosse hoje: elas queriam ter muitos amigos, sem mesmo saber
que era para compensar a ausência da mãe. Vontade de chorar por elas eu tenho,
mas jamais por meus amigos que se mandaram por vontade própria. Que vão todos os dissidentes sorrir em outro norte, eu fico sorrindo por aqui no meu sul mesmo. Nem importa
seus motivos, deixem as pessoas livres para se relacionarem, com quem bem
entenderem. Esses, são os que na hora da morte aparecem tardiamente para chorar arrependimento ou fingir consideração. Esses,
são os prescindíveis...
Quando
morre uma amizade
Nasce
uma flor
Aonde, não sabemos
É
onde jamais veremos
Pois
não se sabe onde fica,
O
jardim da nossa história...
Então, viva as flores!
E novas sementes para outros amigos...
Que sejam eternos enquanto reguem
Em reciprocidade os laços de cultivar
O que se foi, é jardim
O que ficou,
É só história...
É só história...
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