quinta-feira, 21 de maio de 2015

Tribuna Inestoica




 Alforriem Mauríci

Quando morre uma Amizade 
Não, não é caso de tristeza. Pois quando há falta de atenção para o que já vem adoecendo há algum tempo, não se pode colocar nas pastas da tristeza algo que tem outro cabimento: desatenção, simplesmente isso. As pessoas são livres para escolher os seus caminhos. Como também são livres para escolher os seus companheiros de jornada. Então não podemos complicar e ficar lamentando as opções alheias fugidias, mesmo se um dia foram tão próximas em caminhada, em similitude de valores, sintonia. Tudo muda, se transforma, se modifica ao longo do tempo, três sinônimos sequenciais, para demonstrar que a mudança não para, é contínua. Nos dias de hoje, é evidente a banalização das relações afetivas, dentre elas a amizade. Do real para o virtual e deste para o nada, nada além de páginas viradas da história. Às vezes, nem passa pelo virtual, cai direto no vazio. A amizade, é um valor repleto de princípios, sendo um dos principais, o fator presencial: amigos de verdade, se frequentam, se visitam, e saem pela vida juntos. Não importa distância, tempo ou qualquer outra desculpa. Cuidado com aqueles que jogam todas suas justificativas no trabalho, pela falta de tempo: argumentação ultrapassada, oca, longe da verdade, coisa de covardia em reconhecer suas próprias verdades, pobreza argumentativa, fundamentação nula. Melhor assumir a decadência da relação e o 'descurtir' do que cozinhar em banho Maria as cascas do que se foi. As pessoas se afastam, em silêncio, por terem medo de conversar sobre as razões da falta de emoções, do desinteresse pela companhia, dos fins das relações. “A verdade dói, ai que dor doída, que a gente sente quase toda a vida”, dizia o sambinha do Monga. Monga também tinha receio das palavras, que elas se justassem e encontrassem a cor da razão, o cheiro do motivo, o som da ausência, o gosto do insípido e o tato do mais nada. Não vejo por que medo disso. Há tanta gente no mundo que pode se tornar nossos amigos, pra que ficar lamuriando quem não quis permanecer? Livre, vá-se embora, sem problemas, siga o seu caminho, tudo de bom, seja feliz. Não se importe comigo, afinal já optou pelo afastamento, é só continuar o caminho que você decidiu. Sensação estranha que me invade quando isso ocorre: não é tristeza, é um misto de indignação e revolta - passageiro, obviamente - por não podermos fazer nada, porque não é mesmo para se fazer qualquer coisa. Já é tarde, deu pra bolinha: vazemos, irmãos! Mudamos de casa, de emprego, de carro; de praça, de pastelaria, de bebida; de parceiros sexuais, de namorada, de cônjuge; se os parentes se vão, porque os amigos não poderiam ir-se também? Nossos cães morrem e arrumamos outros. Senão, podemos perfeitamente ficar sem nada disso também, curtindo ausências e solidões que só nos fazem depurar e lapidar a alma, evolução espiritual, modificada mas tá valendo. Não é que necessitemos substituí-los, mas é que ninguém é absoluto nesta vida: se ocupavam lugares e resolveram por livre arbítrio desocupar, ou levar seus assentos para outras cercanias, que assim seja, pois cada espaço/coração é grande o suficiente, cabem tantas novas poltronas, reclináveis até quando necessário. O indivíduo é único, mas a relação entre ele e outro indivíduo é relativa! Hoje eu estava andando numa pracinha e vi tantas pessoas...há tanta gente nesse mundo que pode ser amigo da gente, não tem sentido nós insistirmos ou nos lamentarmos por aqueles que não querem mais estar ao nosso lado. Por isso que há bastante gente no mundo. Por isso vivemos em sociedade. Por isso há caminhos, diversos. Por isso as coisas são plurais, múltiplas, inúmeras, convergentes, divergentes ou paralelas de direções. Por isso existe o lado da frente, que serve para deixarmos de olhar para trás, leia-se futuro e passado. Temos coisas muito mais sérias para nos preocuparmos, do que meros e voluntários rompimentos relacionais, tudo passa e só passa se permitirmos passar: lamentar ou impedir, é irracional, pois significaria tentar controlar aquilo que não depende de nós, seria forçar, algo extrema e desnecessariamente antinatural. Quando eu tinha 10 anos, faleceu uma tia que deixou quatro primos: um de 6, gêmeas de 4 e outro de 2 anos. Um dia as crianças foram lá em casa e cantaram esta música: “eu quero ter um milhão de amigos e bem mais forte poder cantar”. Odeio esse compositor, mas cada vez que eu lembro disso, é como se fosse hoje: elas queriam ter muitos amigos, sem mesmo saber que era para compensar a ausência da mãe. Vontade de chorar por elas eu tenho, mas jamais por meus amigos que se mandaram por vontade própria. Que vão todos os dissidentes sorrir em outro norte, eu fico sorrindo por aqui no meu sul mesmo. Nem importa seus motivos, deixem as pessoas livres para se relacionarem, com quem bem entenderem. Esses, são os que na hora da morte aparecem tardiamente para chorar arrependimento ou fingir consideração. Esses, são os prescindíveis... 

 Quando morre uma amizade 
 Nasce uma flor 
 Aonde, não sabemos 
 É onde jamais veremos 
 Pois não se sabe onde fica, 
 O jardim da nossa história... 
     Então, viva as flores! 
     E novas sementes para outros amigos... 
     Que sejam eternos enquanto reguem 
     Em reciprocidade os laços de cultivar 
     O que se foi, é jardim 
     O que ficou, 
     É só história... 



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