MATIZ
ou VIRGINAL
Chore,
chuva. Chore tudo o que eu me seguro em resistência, em aprendizado e em vão. Chore
bem aqui, ao redor e sobre minhas comportas de orgulho solitário em lacunas. Enegreça
toda essa tarde de vazios, pintando de cinza escuro um azul que parece não ser
para mim. Passe sua cor neutra sobre a extensão de todo o alaranjado, já não
sinto mais temperaturas de ninguém. Dê um tom certo à vida errante, um quase
merecimento deste eterno e prolixo black-tie. O qual, no máximo, aplicava
guache sobre silhuetas imperfeitas, tênues e ‘demodês’. Seu papel, não era especial
nem reciclável. Suas canetas e lápis e pincéis e gizes de cera, todos
quebradiços pela inação do tempo, pela inércia dos outros, nunca próximos em espaço. Que aquarela o quê. Um símbolo da deseducação artística que foi sua não
prosperidade relacional. Tanto então, que ele sucumbiu de ceroulas e sem cuecas, ao
preto-e-branco do seu destino. Mas fica tudo confuso, se é ele, ou seria eu
como protagonista: não importa, o caderno foi rasurado mesmo. Aos seus pés, a
cor branca do nada, acima a preta cor do infinito. Toda emoção o levava ao
infinito, lugar longínquo demais para se viver uma emoção. Era espécie de
compensação para aliviar a razão que caía sobre a distância entre realidade e
seus desejos. Até seu esperma era branco em demasia. Uma espécie de leite
descondensado a perder-se entre tecidos-trapos nojentos e ralos límpidos do
chuveiro só. Não havia mãos que o tocassem, ventres que o recebessem, coxas que o agasalhassem, seios que o envolvessem, bocas que o deglutissem, ânus que
o escondessem. Ejacular, também em vão. Alívio imediato feito música gauchesca
duvidosamente harmoniosa. Predominância de vocábulos negativos e aumentativos
numa história cujo cromossomo Y deteriora tanto quanto seu produtor. Jeito de
selva, mas cheiro de cimento. Som de oceano, mas gosto de terra. Ares rarefeitos, superfícies mais ainda. Insustentabilidade
geral e irrestrita, um paradoxo sofrimento que só lhe fazia crescer longe
daquilo tudo. Uma certeza de não ser, de não conviver, de não amar, finalmente foi substituída por algo quase indescritível: o sentido de sua
poesia. A descoberta. A revelação. Depois de todas as mortes, o nascimento de
uma resposta. O analógico Graal de sua descrença, pois só concebia a fé, numa
xícara de café. E não foi a falta de religião que causou tudo isso. Nem a falta
de amor, de esperança ou qualquer coisa assim. Foi apenas a direção que, mesmo
sem saber, deu aos seus passos: encontrar este mesmo mundo, mas bem longe
daqui. Lá, onde a chuva seja acompanhada por um arco-íris entre as nuvens
brancas. E que preto, seja apenas o pote que se encontra no fim. Quem sabe, lá
dentro, uma mensagem furta-cor, e ele possa enfim provar o sabor da
existência...
Nenhum comentário:
Postar um comentário