sexta-feira, 29 de maio de 2015

Crônica Cotidiana 19




Feiras de anarquia semanal. A quinta à noite invade a sexta de manhã, que aparece caída na calçada com uma facada no peito, sem direito à manchete de jornal. Dois indivíduos saem de uma zona central embriagados de descaminho on the rocks. Para alguém sair de um lugar desses às sete do dia, não se pode falar em passos, sequer direção, é apenas sobrevida. Tal moribunda, caquética, terminal, sala dos mortos de hospital. Mas não deu tempo de salvar, padecem na rua crua mesmo: por ironia, da alameda do descobrimento. Em cima, salas do antigo cursinho; embaixo, quartos do eterno retrocesso. Hora de eles voltarem. Voltarem pra onde? Um lugar que resiste, mas já não existe. Se nem existe, voltemos pra zona, antes do contínuo crime matinal. O que havia lá dentro, senão um concurso de agonias desnudadas. Açougue desumano, brechó do sexo, vitrine do desamor. Em nome do entretenimento. – “Paga um drink?”: o cartão de visitas de toda boa puta profissional. É o couvert artístico do inferninho, a gorjeta que antecipa e anuncia o despropósito. Taxa abominável que dá o primeiro nó num imaginário laço de cetim fedorento. A moça exalava cigarro contrabandeado, bonitos dentes em belo corpo já combalido de foder com seus dezessete anos sem praia. Ela não faria show naquela madrugada, foram em derradeiro para o leito de ardor onde, apesar da camisinha, ele contraiu um papiloma vírus humano que só se manifestará daqui a alguns anos. No poluído ambiente socializado, um carrossel de mentiras e videoteipes, girando em torno do eixo sexual. Diversão, era o véu que não encobria a pobreza de suas capacidades relacionais, sejam pessoais ou de trabalho, melhor: incapacidades sociais, mais por não adaptação do que por demérito. A mulher ainda continua sendo explorada, modus animalesco e rudimentar de levar a sociedade de volta ao aconchego do buraco, buraco em lato sensu. Da valeta, onde o carro de Adriano cairia após colidir com um motoqueiro em seu bairro. O amigo dele nem acordou com o pequeno acidente. A noitada, tinha sido muito mais catastrófica. Sem espaço para arrependimento, afinal “valeu”. Valera por qualquer maneira, pela técnica de abordagem, a interação, a conquista e pelo abate. Como se fosse um ‘caminho do crime” a ser concluído com êxito, mas compreendido feito vitória. Naquela próxima noite, beijaria na boca duas gurias desinformadas na baladinha sertaneja. Atrás de seu segundo molar inferior esquerdo, numa depressão gengival por ação de um siso mal irrompido, dormia silente uma colônia de bactérias migrantes, originárias de uma lesão na boca da puta, a mesma dos dentes tão bonitinhos. É a disseminação muda dos horrores corporais. Uma peste líquida se espalhando entre as pessoas que liquefazem seu sentido da vida. E a puta, aonde ela ficou na história? Em nenhum lugar, pois ela não fazia parte da história, nem da sua própria vida, a qual considerava única. Minha filha ficou na escola, eu fui trabalhar e Adriano continuar a morrer. Já havia matado mais uma manhã mesmo. Tempo que ele não compreendia como chance. Porque a vida, nada mais é do que uma chance. Uma nova chance a cada novo amanhecer. Não havia sangue naquela calçada onde parei no sinaleiro e avistei o encerramento cruel da quinta-feira, abortando sua vizinha de calendário. O que ficou no ar, foi o cheiro da morte...morte de parte do organismo social. Angélica, dois anos mais tarde, foi velada com seu nome verdadeiro. Em plena história da sua vida, por ela não ter feito parte, ninguém quis saber o motivo da morte... 


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