quinta-feira, 2 de novembro de 2017

Colóquio D'Ajuda












Ajuda. Tem até arraial lá para cima, na boa terra. Mas é uma coisa complicada neste subtrópico. Ajudar alguém. Na maioria das vezes, o povo aceita ajuda do tipo financeira, ou material, para poder pagar ou recompensar depois. O povo brasileiro. Sulista, paranaense da capital. Povo daqui, que mora aqui, vindo antes ou depois do aniversário dos trezentos anos – paraíso anunciado como a Xanadu do Sul, por aquele prefeito-jubarte, meliante de antiquários & relíquias, que voltou à cena agora, e com bastante nojo de mendigos – quando vieram mais de trezentos mil imigrantes para cá, engrossar a lista dos curitibocas. Uma geleia geral de pessoas, criando uma perigosa identidade capital-capitalista, longe das características originais dos filhos ‘pinhoneiros’, outrora bucólicos, campesinos e festeiros. Passada a fuga ao tema, penso que as pessoas não gostam de ser ajudadas. Acham que é intromissão, que se fosse bom teria um custo e tantas outras bobagens. Tanto, que não é um costume nem tradição de nossa gente, ajudar o próximo. Falo das outras formas de ajuda, feito palavras de abrigo, conselhos, diálogos para desabafo (ouvidoria existencial, eu chamaria, ‘chiquesimamente’), apontamento de caminhos, redirecionamentos, indicação de endereços, especialistas até outras pessoas, coisas nesse sentido. Tudo isso, soa estranho nos organismos alheios. Elas, as pessoas, acham que aquele que quer ajudar, no fundo é um xereta que apenas quer se meter na vida dos outros, que não está passando por aquele problema semelhante e, por isso, tentando ajudar, quer mesmo é demonstrar que “está por cima”. Absurdo. O que faz uma população sem bons hábitos, sem onde se apoiar neste pântano citadino de revezes cotidianos. Sim, é uma questão cultural. E tem de tudo. Já vi gente que aceitou um sofá e o abandonou na garagem. Que aceitou um presente e deu para a vizinha, ou que devolveu a quem ofertou; trocou, vendeu: a ajuda também virou moeda de negócios. Será o orgulho altivo dos planaltinos que os impede de receber um auxílio? Por mais simples que seja. Conheço alguns que perguntam o nome de um restaurante para ir, de um hotel para ficar ou de um colégio para o filho, mas terminam em outros só para dizer que sua escolha foi melhor. Há uma dose considerável de soberba nesse troço. Parece um sopão com orgulho, soberba, chuchu, abobrinha, vaidade e desdém, feito com músculo e acém. Experimente, você que conhece alguém que sabe estar precisando de ajuda, oferecê-la. No máximo, é seara de amor, onde você servirá de consultor sentimental, um lenço do tamanho de seu lençol para secar as lágrimas da vítima coitada. Nada contra, mas neste caso, suas palavras de nada adiantarão, pois a mulher sempre voltará com o sem-vergonha do marido traidor, o cara não pedirá demissão da firma, o piá vai continuar andando com a turma da pesada e a idosa vai esquecer tudo o que você falou para ela. Veja, nem existe nome para quem ajuda os outros! Esquisito, não? Auxiliador? Parece religioso demais. Caridoso, também. Tem! Tem nome sim: metido. É o que dizem depois que você vai embora. Você, com a melhor das intenções, entrou para o rol dos jactantes, presunçosos, enfiados. Seu abelhudo! Sua vespa! Se bobear, sairá do encontro com a alcunha de fofoqueiro. Você ofereceu a mão e a pessoa achou que você estava querendo puxá-la, querendo outra coisa em troca, algum outro favor, alguma vantagem, até mesmo pelo sexo: pode isso, Galvão? Não pode, mas tem de montão. Eu poderia recomendá-lo não mais tentar falar com alguém, com esse seu propósito. É muito estranho. Você se tornará um chupacabra na vida da pessoa, sua imagem corre risco na sociedade. Violar intimidade é um crime para quem sofreu a ação de uma tentativa de ajuda. Esqueça, livre-se disso. Se você não for uma celebridade, ninguém lhe escutará como cidadão a ponto de seguir sua orientação. Não existem pessoas-bússolas, cada qual bem sabe de seu norte (mesmo que esteja voltado para o sudoeste). O jornal é mais confiável que você, humano. As redes sociais são mais críveis que você, real. Não perca tempo nem saliva. Deixe que os necessitados sigam os protocolos das religiões, da mídia, das academias, dos parentes e dos manuais práticos, ou que prossigam errantes e sôfregos. Tais instituições estão falidas no quesito educacional, mas a tradição delas é muito mais forte que a sua experiência de vida, sua solidariedade e seus tantos outros valores que só você cultiva, viu seu intrometido! Sua convencida! Por qué no te callas? Cinquenta e três anos que passaram muito devagar (todos acham que a vida passa rápido demais), até descobrir isso. Que um arraial é um lugar pequeno, um lugarejo. Ou um quiosque de palha. Enfim, é algo simples demais para interferir na complexidade do fenômeno vida brasileira. Não há ditado nem pensamento cabível, até porque não se cabe mais ajuda nos dias de hoje. Os gurus tomaram no rabo, os psicólogos estão perdendo a paciência, os cafés estão esfriando, as teias de aranhas estão invadindo o mobiliário dos parques e os amigos estão se confinando em suas casamatas, muy bien equipadas eletronicamente para o fim do mundo, que começa pelo fim das relações humanas. Desprezar ajuda, é um sinal. Cheio de saliva na boca, engulo com mais meio litro d'água e vou dormir às três e meia da manhã no dia dos mortos. Sou pró-prosa, diálogos, intersubjetividades e afins, desde que presenciais. Mas não preciso de ajuda formal alguma. Eu consigo muito bem escrever. Escrever bem ou mal, mas eu ainda consigo. Mesmo agora sabendo por que, sigo ajudando mas não me enganando que ajudo. Não me importo que ninguém considere ajuda. Não me importo se ninguém me lê... 


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