Epitáfio
Lateral
Era
um homem bom. Apesar de não manter bons relacionamentos. Por exemplo, com os laticínios.
Nem os compostos de trigo ele aceitava bem. Aprendeu sobre o mal causado também
pelas outras três coisas brancas, alimentares. Tardiamente, pois foram a causa de sua derrocada, até porque ignorara que disseram para ele no início da faculdade que a morte vem pela boca. Tinha tanta paz em sua solidão,
que começou a investigá-la, em senso crítico. Paz também era coisa branca,
poderia estar lhe prejudicando de alguma forma. Mas a atribuição de cores é outra
convenção humana, na verdade o que difere é a incidência dos raios de luz sobre
elas, as coisas. Isso não modifica a cor vista, mas pode mudar a convenção. Então,
aos 53 anos de idade, ele descobriu que a paz não é branca. Que a paz é negra. Está presente nos feijões, nas amoras, jabuticabas, uvas escuras, soja preta, gergelim e chás pretos, até no arroz negro, os tais flavonoides. Completa-se,
vigente na escuridão total. Não à toa, a sabedoria humana escreve historicamente
nas lápides o “descanse em paz”. Não há luz sob o túmulo. Os raios não chegam
lá. Os homens vivem construindo obstáculos que impedem a propagação da luz. Outro
exemplo, com as pessoas que promovem obstáculos. A morte mais tradicional é aos
domingos. Segunda-feira quase ninguém vai ao cemitério. Local vazio, torna os
cedros mais verdes. Aprendeu ainda que os jazigos não são obstáculos, são passagens.
Caminhos para outras tentativas de se encontrar a paz. Porque paz, é no final uma coisa
incolor. Ninguém a vê. No máximo, pode senti-l a. O bom homem se orgulhava da
ascendência francesa destacada no sobrenome da família em relevo no alto do mausoléu. Flores
vermelhas na caixinha lateral da tumba. Quem pôs, achava que o céu fosse apenas azul e
branco...
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