ELEGIA
1964
Boa
noite, infeliz sonhador! Que ainda acreditas naquilo que sai das tuas mãos,
ontem para os papéis em branco, hoje para os cadernos modernos. Quando criança,
desenhavas os astros, entretanto nada despontou pela vida. Mas pintavas o céu
quase sem estrelas e conseguiu prever teu redor. Daquelas casinhas na beira do
rio, ao pé da montanha, quanta distância. E as praias, se foram tantas,
inúmeras, por qual razão não as coloriste? Adiantaria aplicar tons em algo
sabidamente não dimensional? Nem sabemos se as pessoas sonham colorido. Trôpega
existência, de um só plano, deu no que deu. Bastava-te um lápis, para imaginares
e transportar teu futuro impossível àquele tempo bom, quando o sonho era
permitido. Mal acostumado, fizeste disso um hobby, que os estudiosos da mente
chamam de catarse. E dão medicamentos para tanto. Astrônomo, arquiteto, marinheiro,
nada disso como ofício. Não passaste de um agente metropolitano deslocado às
margens do urbanismo das prosperidades. Estás em solo infértil apenas para ti,
o que te adoça são as frias latas de pêssegos em calda compradas à promoção
semanal do mercado no bairro longe do centro. Nada floresce ou frutifica em tua
superfície, tampouco os genes que desperdiças nas noites de solidão e memória do
que jamais aconteceria, são capazes de reverter a acidez do solo onde cravas
este punhal dupla-face que utilizas para dilacerar as indiferenças que partem em
comboio dos não teus. Há consolo, caríssimo plebeu, pois não és o único sobre
tanta terra falta. Acolá, existe alguém como tu. Que pensou seus valores serem
o arcabouço de fundamentos para a jornada correr certa e tranquila. Ingenuidade
foi pouco. Agora, aí nessa sala sem som e com luz da rua, cruzas mais um fim de
semana cemiterial. Enquanto não enterrares parte putrefata de ti, haverá dor. Que
seja a dor da amputação maior do que a permanente, mas que seja a última. Nenhum
ser humano merece sofrer. Nenhum sofrimento merece ser comparado. O pior que
alguém passa, é o pior para ele, respeite-se. Devemos compreender a inércia
alheia, desconhecemos seus motivos. As mãos, são apenas metáfora de um olhar
que daria certo. Bem, tu sabes que a revolução, urge a cada ano...
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