segunda-feira, 20 de novembro de 2017

ELEGIA 1964



 ELEGIA 1964 


Boa noite, infeliz sonhador! Que ainda acreditas naquilo que sai das tuas mãos, ontem para os papéis em branco, hoje para os cadernos modernos. Quando criança, desenhavas os astros, entretanto nada despontou pela vida. Mas pintavas o céu quase sem estrelas e conseguiu prever teu redor. Daquelas casinhas na beira do rio, ao pé da montanha, quanta distância. E as praias, se foram tantas, inúmeras, por qual razão não as coloriste? Adiantaria aplicar tons em algo sabidamente não dimensional? Nem sabemos se as pessoas sonham colorido. Trôpega existência, de um só plano, deu no que deu. Bastava-te um lápis, para imaginares e transportar teu futuro impossível àquele tempo bom, quando o sonho era permitido. Mal acostumado, fizeste disso um hobby, que os estudiosos da mente chamam de catarse. E dão medicamentos para tanto. Astrônomo, arquiteto, marinheiro, nada disso como ofício. Não passaste de um agente metropolitano deslocado às margens do urbanismo das prosperidades. Estás em solo infértil apenas para ti, o que te adoça são as frias latas de pêssegos em calda compradas à promoção semanal do mercado no bairro longe do centro. Nada floresce ou frutifica em tua superfície, tampouco os genes que desperdiças nas noites de solidão e memória do que jamais aconteceria, são capazes de reverter a acidez do solo onde cravas este punhal dupla-face que utilizas para dilacerar as indiferenças que partem em comboio dos não teus. Há consolo, caríssimo plebeu, pois não és o único sobre tanta terra falta. Acolá, existe alguém como tu. Que pensou seus valores serem o arcabouço de fundamentos para a jornada correr certa e tranquila. Ingenuidade foi pouco. Agora, aí nessa sala sem som e com luz da rua, cruzas mais um fim de semana cemiterial. Enquanto não enterrares parte putrefata de ti, haverá dor. Que seja a dor da amputação maior do que a permanente, mas que seja a última. Nenhum ser humano merece sofrer. Nenhum sofrimento merece ser comparado. O pior que alguém passa, é o pior para ele, respeite-se. Devemos compreender a inércia alheia, desconhecemos seus motivos. As mãos, são apenas metáfora de um olhar que daria certo. Bem, tu sabes que a revolução, urge a cada ano... 



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