Cuidado, ao andar pelas ruas. Você
acha estar passando por pessoas, muitas não são. Não são o que você está vendo
e nem aquilo que deveriam ser. Não se pode chamar de pessoas, quando elas têm o
seu estado de consciência alterado. Já não são mais pessoas, e sim produtos de
uma equação química onde elas, as pessoas in natura, reagem com substâncias
químicas, esses poderosos compostos que a indústria farmacêutica dissemina
mundo afora, resultando em outros seres que não aqueles. Todos, com efeitos
colaterais, sugerindo que o risco vale a pena. Mais que risco, é inconsequência.
Em tráfego permanentemente congestionado, o trânsito de gente em transe. A distância
da conscientização limpa, da não adição de remédios ou drogas "recreativas", é quase incalculável. Meça-se
pelas reações, pelos comportamentos dos medicados. São levados a outro estado
dentro de si, um patamar longínquo da realidade que não conseguem enfrentar,
como uma plataforma sobre o mar revolto. A ciência modificada garante que, não
fosse assim, seriam todos náufragos. Do motorista de caminhão com seus
estimulantes, passando pelo caixa de banco com seus depressores, chegando aos
profissionais liberais com seus alucinógenos. Tem ‘paratodos’. Não há questão
que não seja transformada em problema que não revele uma doença que não tenha um medicamento indicado via
prescrição ou deliberadamente escolhido como fuga. Tudo foi catalogado, um
escorregão no banheiro, a mania de limpeza, a perda de um namorado,
justificativas se amontoam nos ambulatórios, nos travesseiros e nos paióis. Distúrbios,
elegantemente relacionados nos róis de psiquiatria em linguagem quase forense a
identificá-los, você se enquadra no mínimo em um dos milhares. Uma vez dopada,
a pessoa sai às ruas, achando que caminha naturalmente em direção ao cotidiano.
Mas não. Está fora de si. E assim, age como tal, comportando-se como não faria.
E você, livre de drogas, vai encontrando essa gente modificada pelo seu
caminho. Por isso, os extremos: ou eles repelem de imediato, ou querem seu
sangue. Nada ou tudo. Não pense que é você que não presta, a verdade é que você
não combina com os alterados. Poderia se dar bem, se fosse com suas pessoas. De novo,
mas não. Você não serve para eles, pois não tem aquilo que eles mais desejam:
submissão, posição de inferioridade, para que eles o descartem de ofício ou lhe
suguem até a última hemácia. O mundo se dividiu entre os usuários e os não usuários.
Os valores se dispersaram, em transe não se consegue discernir entre certo e
errado. Quando você acha que está conhecendo alguém legal - sem se preocupar
com o tipo de vínculo que possa surgir - ou lhe foiçam o pescoço ou lhe pinçam
a veia. Cuidado, ao andar pelas ruas. Trovões anunciam a tempestade na tarde de
domingo. Minhas conhecidas, seus remédios. Seus vícios, antes do meu início. Preciso
morar num lugar onde não haja bocas, botecos nem farmácias...
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