sábado, 26 de março de 2016

Contos do Cajuru




O Cartorário Velho 
Se herdou da família, não importa mais. Quando ele largará o osso, é que interessa ao Estado. Enquanto isso, o velho segue a sina da sobrevivência na luta contra o tempo, ignorando qualquer espaço. Décadas de diferença etária, não são capazes de afastar tal comportamento daquela sua funcionária. Moça nova, talvez uns 60 anos a menos, ela entrou no jogo tangente do emprego, aquelas coisas torpes que sustentam vencimentos mensais, em todos os lugares onde houver carteira de trabalho. No aguardo da autenticação de um contrato, observei os dois fazendo valer uma cláusula extra, primazia da realidade sobre a ética. De costas para o povo, ele estendeu a mão como um rei, para a donzela sentada à mesa das assinaturas. Ela pegou alguns dedos juntos e retorcidos pela idade, alisando-os como se fosse um pênis, era a capacidade que ela queria demonstrar, habilidade plus. Fez movimentos vai-e-venha, mas-não-demore-que-eu-quero-rosetar. Ele, babão, entregou-se ao afago pré-pornográfico feito um marujo adolescente de primeira sacanagem. Um minuto, quem sabe durou aquela coisa toda. Seus três conjuntos de falanges e metacarpos garantiam a eventual virilidade do que pendurava sob a samba-canção. Ela lhe olhava nos olhos como uma profissional do ramo, do ramo da prostituição. Um sorriso falso, seduzindo boquiaberta ao sussurro de palavras envolventes, um corpo deveras senil onde restava apenas a mente. O poder do dono, dispensando a força de trabalho e ocupando a mais valia da precoce vagabunda que usava de tais artifícios para reforçar estabilidade no local. Fazer leitura labial da situação, seria pedir para o mundo parar, e sugerir em alto bravo retumbante que os dois fossem logo para os fundos do cartório, num almoxarifado, nem quartinho, num banheiro, qualquer cômodo seria mais apropriado para libidinagens do que um espaço público: as pessoas estão perdendo as noções. Ele, do ridículo. Ela, do bizarro. Muito provavelmente ela o masturbava depois do expediente, quando não havia mais gente no ambiente. Os grossos lábios da morena gordinha, faziam a alegria final do esquálido pelancudo, o corcunda do Cristo-Rei. Um quadro com a foto do ancião ostentando uma faixa do país no peito, ocupava a sala administrativa. Patriota, aguardava o fim do dia para lamber aquela roliça xota. O balcão não esconde os podres da repartição. A mesa não acusa a fenda prestes a se abrir para a passagem do patrão. Uma colega, de costas para nós e ao lado do sujeito, encobria a atitude dela: será que ela teria de sujeitar-se a isso para sobreviver? Seria esta outra iniciante nos moldes de ascensão profissional no plano de cargos e salários daquela carreira, naquela base? Amplos poderes para quem usa do sexo para subir na vida estaiada, mas sem superfaturamento. Estrito o senso para quem perdeu o sentido da coisa pública. Acusaram-me de falso moralista. Nada contra, mas que não fosse à nossa vista. A mulher que passou no concurso e aguardava o passamento do tarado para assumir o serviço, nem imaginava o que ali andavam fazendo com a ordem e o progresso... 



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