quinta-feira, 31 de março de 2016

MARIONETTE, a filósofa da zona (leste)


DEZ MÃEDAMENTOS DE UMA PSEUDO-OCULTA MATERIALISTA




Desperado. Um Malfeitor da Vida.




 O violão silenciou 
 Também não vem mais música lá de fora 
 As palavras diminuem seus encontros 
 Há mais sossego aqui dentro 
 Enfim, um clima lúgubre 
 Anunciando em pensamento 
 Aquilo que não precisa ser ouvido, 
     dito, 
     talvez nem presenciado... 


 Meu estilo 
 Um louvor de ideias 
 Saídas da carne para a vitrine 
 Algumas pessoas passaram 
 E ninguém comeu.. 


 Nos fundos de minha casa imaginária 
 Um terreno que se estende até as minhas origens 
 Covas preenchidas 
      tantas 
 que já não dá mais 
 para plantar ninguém 
 o solo é de decomposição 
 frutos, 
 somente em outros imóveis. 


 Jamais 
 Eu questionaria meus pais 
 Nos tempos de hoje 
 Até a paternidade 
     de tão ocidental, 
     banalizou-se patrimonial.. 


 Se alguém lhe oferecer ajuda 
 Desembrulhe-a 
 E veja se não contém, 
     no fundo do pacote 
     um pedaço de humilhação.. 


 Contar essa história 
 Em outro lugar 
 Bem longe daqui 
 Talvez eu possa rir 
 Pois ninguém acreditará 
 Outras pessoas, 
 Mesmo ceticismo... 


 Talvez eu precise mesmo 
 De um colo para deitar 
 Par de ombros para chorar.. 
 Mas eu não me rendo 
 Seguirei firme e impávido 
 Na luta pela solidão.. 
     Não sou egoísta 
     Penso em mim também. 


 Se Estela 
 Tão linda e tão bela 
 Sai alegre pelo mundo 
 Mantendo fechada sua janela 
 Por que razão 
 Eu não seria solitário como ela? 


 Nunca obrigue ninguém a gostar de você 
 Também não pense que alguém lhe gosta, 
     por isso ou por aquilo 
 O gostar, 
 Não admite imposição nem raciocínio 
 Ele é espontâneo 
 Ele se manifesta.. 
 O resto, 
 É botica. 


 Na pirâmide social 
 Quem só olha para o vértice 
 Não sabe que pisa... 


 A vontade de ir embora 
 Desanima o permanecer 
 Tão óbvio 
 Que as dimensões se fundem 
 Se repetem 
 E gritam juntas por um amanhã.. 


 Os pássaros foram embora 
 Permanece a árvore 
 E sua sombra 
 Para ouvir passados... 


 Eu, aqui de novo 
 Desenhando dores 
 Nesse papel sem cores 
 Guardando uma aquarela em mim 
 Talvez um dia, 
     pintar lá fora  
 Uma vida feliz assim. 

.

quarta-feira, 30 de março de 2016

Seção Amor Livre

 Homenagem a Black KONG Ilhas Negras 

 Amigo cão 
 Tão amigo 
 Que eu não consigo 
 Reconhecer perigo 
 De nossa separação.. .




 "BLACK DOG" -  LED ZEPPELIN 
 PLANT/PAGE 

 pellekofficial 

 steave n seagulls 

 ed motta, rui veloso &  andreas kisser 

 ELES 




segunda-feira, 28 de março de 2016

APPROACH: Perguntas que não escondem outras coisas...




 -Quanto você tem de altura? 
 -Tem quantos filhos? 
 -Com quem você mora? 
 -Que idade têm os teus pais?  
 -Acredita em Deus? 
 -É machista? 
 -Costuma viajar pra fora? 
 -Você tem empregados? 
 -Teu carro é econômico? 
 -Em que bairro você mora? 
 -Adora pescaria? 
 -Ama os pets? 
 -Sabe cozinhar o quê? 
 -Põe o lixo, troca a lâmpada e corta a grama? 
 -Você ronca muito? 
 -É organizado em casa? 
 -Quem lava suas cuecas? 
 -Votou em quem? 
 -Tem algum processo? 
 -O que você acha da crise no país? 
 -É contra a corrupção? 
 -O que pensa do Moro? 
 -Quem é o Lula pra você? 
 -Possui algum tipo de preconceito? 
 -O que significa beleza interior? 
 -Torce pra que time? 
 -Assiste novelas? 
 -Praia, cidade ou campo? 
 -Já operou alguma coisa? 
 -Você e muito brabo? 
 -Gosta de Fernando Pessoa? 
 -Axé, pagode ou universitário? 
 -Conhece Jorge Vercillo? 
 -O que você curte comer? 
 -Quantos amigos você tem? 
 -Qual a tua cor preferida? 
 - Seus ternos têm friso? 
 -Usa crocs? 
 -Que tipo de cueca você compra? 
 -Você usa sunga? 
 -Usa protetor solar na praia? 
 -Gosta de sexo convencional? 
 -Você é peludo? 
 -Você não é anão, né? 
 -Usa dentadura? 
 -Corre de vez em quando? 
 -Onde faz academia? 
 -Pé chato, orelha de abano ou calvície? 
 -Toma muita cerveja? 
 -Manda emoticons? 
 -Quantos amigos tem no Face? 
 -Funciona tua webcam? 
 -Já fez sexo virtual? 
 -Se eu fosse do mesmo sexo, o que você faria? 
 -Toma algum remédio? 
 -Você não é ciumento, né? 




ATEMPORAIS - "Teach Your Children" (Crosby, Stills & Nash) by Playing For Change




Ensine bem suas crianças

Você que está na estrada
Deve viver sob um código
Para então se tornar você
Porque o passado é só uma despedida
Ensine bem suas crianças,
Porque o inferno dos pais delas vai passando devagar
E alimente o sonho delas
O que elas escolherem, aquele que você ficará sabendo
Nunca pergunte a elas porque, se elas dissessem, você choraria
Então só olhe pra elas e acene e fique sabendo que elas te amam
E você, na sua juventude,
Não pode saber os medos que cresceram nos mais velhos
Então ajude eles com a sua juventude,
Eles procuram a verdade antes de morrerem.
Ensine bem seus pais,
O inferno das crianças deles vai passando devagar,
E alimente o sonho deles
O que eles escolherem, aquele que você ficará sabendo.
Nunca pergunte a eles porque, se você soubesse, você choraria,
Só olhe para eles e acene e fique sabendo que eles amam você.




CURTA -- metr.





Contos da Inversão




O Ovo de Tróia 

“As religiões não catequizam”, disse o falecido sociólogo. Referiu-se também a outras instituições sociais que não alcançam os fins a que se propõem. O que então, esperar de uma Páscoa? Chocolates, bombons, colombas, doces, gostosuras ou travessuras. Um presente, dinheiro talvez. Independentemente do significado do feriado, se esqueceram do momento. Um chamamento para uma união, familiar ou não. Mas as pessoas aproveitam a ocasião e desagregam, desconstroem, destroem ao invés de reforçar estruturas, laços. Sob o pretexto do conselho, da fórmula ideal ou da maestria condutora do destino certo e único, revelam-se portadoras da verdade segundo elas, não segundo a própria verdade. Interpretar os fatos - mesmo sem elementos suficientes, apenas com aquilo que é aparente - passou a ser o fiel da balança, o critério que determinará o valor sobre alguém, o desprezo e a perspectiva ou a falta dela. Ignore-se o fato em si, a pessoa, o passado, o que ela fez ou representa: o que vale é o seu 'julgamento', cientificamente conhecido como 'juízo', 'opinião formada' no popular. Há uma síndrome no ar, afetando os operadores do Direito que processam tudo em sua única instância sem recursos. E também os não operadores, que fazem o mesmo sem diploma em Ciências Jurídicas. Assumem, ambos, a condição de desembargadores da moral, juízes do moral, magistrados da razão. Passam por cima de qualquer coisa que for necessário afastar para chegar lá, na decisão final. Não se reúnem provas, não se colhem depoimentos nem oitivas, não precisa, o procedimento é assim mesmo: a humilhação disfarçada de ajuda. O não reconhecimento, é um moderno costume que virou lei. Adeus sentidos, dos feriados, das uniões, de todas as coisas que pudessem agregar. No avesso do odioso mundo contemporâneo, havia uma confissão dentro do ovo: “eu tenho a sua verdade comigo”. Isto posto, não teve paladar, pois o formato do presente quebrou o elo. As pessoas perderam a noção da forma, maneira, jeito de discutir a vida sem ofensas e com respeito, consideração. As convicções, surgem para matar a relatividade da própria realidade. O que era para ser uma cesta de alegrias, transformou-se num balaio de personalismos. A comunicação social se perde no ego. Parece não haver caminhos mais adequados para nortear a ótica. Parece não haver mais amor para orientar a ética... 



domingo, 27 de março de 2016

Contos do Livre-arbítrio

A vida. Este incessante transformar das coisas. E tudo são coisas. Seja material ou não, coisa é uma palavra empregada para designar sinteticamente qualquer outra coisa. Um objeto, um fato, um sentimento, até a ausência deste. E as coisas nascem a partir das transformações da natureza. Em curso, são modificadas pelo homem. O homem gera, cria, desenvolve, mantém e também acaba, encerra, mata. Tudo, todas as coisas. Assim é a humanidade, um acompanhar de mudanças ao longo do binômio tempo/espaço. O tempo e o espaço são instrumentos fornecidos ao homem para que ele escolha as suas coisas e o que fazer com elas, bem como o que não escolher, e ainda o que quiser deixar para trás depois de ter escolhido. Claro que isso envolve uma complexidade sem fim de circunstâncias, de quem são as pessoas e, principalmente, de seus valores. Nada de novo foi dito até agora. Todo mundo sabe disso; mas nem todo mundo tem consciência da realidade. Da verdade e também daquelas circunstâncias, o tal fenômeno humano. Dentre essas coisas mutantes, estão as relações humanas. As pessoas conduzem suas relações – de qualquer natureza – com indeterminado livre arbítrio. Indeterminado porque às vezes ele não é tão livre assim. Formar opiniões, juízos e estabelecer conclusões é algo demasiadamente sério, não obstante aqueles valores individuais. É muito difícil hoje em dia ter independência para se definir certezas sobre as coisas, quiçá as coisas alheias. Geralmente, há influência de terceiros, seja na política, na economia, no social, em qualquer campo recebemos informações que nos levam a formar nossas opiniões. O segredo, é o discernimento. Para filtrar, refletir e contextualizar o que a gente recebe como verdadeiro. Afastar o orgulho do desconhecimento, da fórmula equivocada para o cálculo, da distância, da ausência de diálogo, da passionalidade. Isto é, tendências que nos levam a algum lugar racional. Quase sempre, quando se chega lá, dispensa-se a emoção. Emoção, por sua vez remete a sentimento. Este, um dos valores em declínio na sociedade contemporânea, sobretudo quando se trata de afeto, muito por causa da transformação das coisas. E já que tudo se transforma, e o afeto é desvalorizado, um salve para – e este é o motivo desse texto – o presente. Sim, o momento presente: que seja aproveitado, valorizado, curtido, regozijado ao extremo, sem limites. Porque ninguém sabe o dia de amanhã. Muito menos se conseguiremos desenvolver e manter aquilo que geramos e criamos. De repente, a explosão. Uma transformação latente veio à tona e fez do ensolarado dia uma madrugada, nublada, sombria, morta. Depois da reflexão, perguntei a mim mesmo por que razão eu não aproveitei mais o presente, digo, aquele passado. Será que assim as coisas teriam se transformado de uma outra maneira? Para melhor, digamos? Não se sabe. O que se sabe é do livre arbítrio. Para escolher ou não, manter ou descartar. Nem importa se é livre. Nem importa se a razão superou o afeto. Uma madrugada longa pela frente. Fria, deserta, muda, árida, estéril. No fundo, nem tão inesperada assim. Mas quando a gente tem uma revelação oposta ao que era inestimável, faz sangrar. É tempo de contenção, fazer cicatrizar esta coisa. Ferida peculiar, essa em que a lâmina do juízo sentencia e condena sem contraditório nem defesa, pois já fez seu gume em punhal. Sim, o poder monetário e sua capacidade de corte social. Ó vida, bela chance que temos para desenvolver e emancipar espíritos, desprezada como se o mundo fosse apenas racional. Dá nada não, que prevaleça a liberdade. Livres para sentir o que quisermos, não obstante o vínculo afetivo. Vínculos, são coisas altamente passíveis de transformações: respeitemo-los...acatemo-las. Pois vínculos e transformações são coisas, frutos de escolhas. Sementes? Nem todas se desenvolvem como gostaríamos num tempo de cóleras, inversão de valores e superficialidades. Penso ter cumprido minha missão: foi apenas semear, o tropismo escapou das minhas mãos... 







sábado, 26 de março de 2016

Circunstâncias METROPOLITANAS.



 Taxis que passam ocupados. 
 Três pistas que se transformam em duas. 
 Veículos de firmas se sentindo em autódromos. 
 Carrões importados trafegando como em ruas privadas. 
 Ignorância perigosa ao trânsito compartilhado de bicicletas. 
 Buracos resistentes ao peso mas suscetíveis às chuvas. 
 Pedestres andando no meio da rua ao lado da calçada. 
 Povo espremido nos ônibus-modelo. 
 Gente que se cruza e se olha mas não se cumprimenta. 
 Estabelecimentos particulares que invadem calçadas públicas. 
 Cheiros esquisitos semelhantes ao esgoto de economia mista. 
 Trabalhadores circulando com crachá na hora do almoço. 
 Pessoas com jalecos fora do ambiente clínico. 
 Matos que ninguém corta. 
 Caçambas de resíduos com lixo vegetal. 
 Árvores enormes fazendo aniversário de morte. 
 Asfaltos com obsolescência não programada. 
 Mulheres a pé depois das aulas da noite. 
 Parques com sol insuficiente. 
 Céus poluídos com menos azuis e mais nuvens cinzas. 
 Legiões de dependentes psíquicos dos smartphones. 
 Servidores públicos evanescentes. 
 Quarenta tons de pombas. 
 Cães eternamente viralatas. 
 Profissionais do sexo amanhecendo neons. 
 Mendigos covardemente esquecidos. 
 Menores cruelmente abandonados. 
 Músicos refugiados nos canto dos bares; 
 Poetas escondidos no breu dos becos.. 
 e a solidão das pessoas disfarçadas pelo vestuário... 


FRASES FRITAS - O ponto de ebulição dos diálogos...




 - Com certeza! 
 - Não é isso! 
 - Ah, se fosse comigo... 
 - Você não viu na televisão? 
 - Mas como não sabe? 
 - Nossa, eu jamais faria uma coisa dessas... 
 - Por que você não consegue entender? 
 - Para com isso...tô com dor de cabeça. 
 - Hoje não...não tô a fim. 
 - Sábado não dá: vou pescar. 
 - Não sei que horas volto, vou pro salão... 
 - Você ainda não fez aquilo? 
 - Olha...não é por aí... 
 - Porra, cara! Que merda você fez! 
 - Mas que babaquice tua... 
 - Isso não é nada! O pior foi comigo... 
 - O meu é muito melhor! 
 - Você não sabe comprar direito... 
 - Espera aí (interrompendo)! 
 - Não se mete! Eu sei o que eu tô fazendo! 
 - Vire nessa! Eu garanto que é aqui. 
 - Não vai dar certo... 
 - Se eu fosse você, caía fora... 
 - Nem se arrisque, fique aí mesmo! 
 - Pare...pra quê mais?. 
 - Por que você não faz como eu digo? 
 - Assim não dá! Você não aprende! 
 - Você é um bobo. É claro que ela tá a fim... 
 - Os homens são todos iguais. 



Contos do Cajuru




O Cartorário Velho 
Se herdou da família, não importa mais. Quando ele largará o osso, é que interessa ao Estado. Enquanto isso, o velho segue a sina da sobrevivência na luta contra o tempo, ignorando qualquer espaço. Décadas de diferença etária, não são capazes de afastar tal comportamento daquela sua funcionária. Moça nova, talvez uns 60 anos a menos, ela entrou no jogo tangente do emprego, aquelas coisas torpes que sustentam vencimentos mensais, em todos os lugares onde houver carteira de trabalho. No aguardo da autenticação de um contrato, observei os dois fazendo valer uma cláusula extra, primazia da realidade sobre a ética. De costas para o povo, ele estendeu a mão como um rei, para a donzela sentada à mesa das assinaturas. Ela pegou alguns dedos juntos e retorcidos pela idade, alisando-os como se fosse um pênis, era a capacidade que ela queria demonstrar, habilidade plus. Fez movimentos vai-e-venha, mas-não-demore-que-eu-quero-rosetar. Ele, babão, entregou-se ao afago pré-pornográfico feito um marujo adolescente de primeira sacanagem. Um minuto, quem sabe durou aquela coisa toda. Seus três conjuntos de falanges e metacarpos garantiam a eventual virilidade do que pendurava sob a samba-canção. Ela lhe olhava nos olhos como uma profissional do ramo, do ramo da prostituição. Um sorriso falso, seduzindo boquiaberta ao sussurro de palavras envolventes, um corpo deveras senil onde restava apenas a mente. O poder do dono, dispensando a força de trabalho e ocupando a mais valia da precoce vagabunda que usava de tais artifícios para reforçar estabilidade no local. Fazer leitura labial da situação, seria pedir para o mundo parar, e sugerir em alto bravo retumbante que os dois fossem logo para os fundos do cartório, num almoxarifado, nem quartinho, num banheiro, qualquer cômodo seria mais apropriado para libidinagens do que um espaço público: as pessoas estão perdendo as noções. Ele, do ridículo. Ela, do bizarro. Muito provavelmente ela o masturbava depois do expediente, quando não havia mais gente no ambiente. Os grossos lábios da morena gordinha, faziam a alegria final do esquálido pelancudo, o corcunda do Cristo-Rei. Um quadro com a foto do ancião ostentando uma faixa do país no peito, ocupava a sala administrativa. Patriota, aguardava o fim do dia para lamber aquela roliça xota. O balcão não esconde os podres da repartição. A mesa não acusa a fenda prestes a se abrir para a passagem do patrão. Uma colega, de costas para nós e ao lado do sujeito, encobria a atitude dela: será que ela teria de sujeitar-se a isso para sobreviver? Seria esta outra iniciante nos moldes de ascensão profissional no plano de cargos e salários daquela carreira, naquela base? Amplos poderes para quem usa do sexo para subir na vida estaiada, mas sem superfaturamento. Estrito o senso para quem perdeu o sentido da coisa pública. Acusaram-me de falso moralista. Nada contra, mas que não fosse à nossa vista. A mulher que passou no concurso e aguardava o passamento do tarado para assumir o serviço, nem imaginava o que ali andavam fazendo com a ordem e o progresso... 



CURTA -- metr.





quinta-feira, 24 de março de 2016

Das coisas que não dissemos ##


No estacionamento da faculdade, ela disse pra ele: 
- “O negócio, é que eu gosto de homens com pegada, sabe como?” 
Mas ele não disse pra ela: 
- (Que pena. Pois pra mim quem tem pegada é bicho. Animal, que vive na selva. Predador, ataca aqui e acolá. Não diferencia presas: não deu certo aqui nesse carro, pula pro outro. Muda de estacionamento, de cantina, de faculdade, de esquina, feito roleta russa, atirando a esmo até que um dia acaba acertando. Claro, que este “acertar” é extremamente questionável, à medida do seu propósito enquanto fêmea. Não há nada a perder, pra ele todas são iguais. Todas as noites são iguais, não há mulheres diferentes, apenas mudam os corpos. É um jogo de riscos incessante e vulgar, desconsidera pessoas, sentimentos e nexos causais. Jamais eu arriscaria te dar um beijo à força, mesmo que de leve e sem resistência: eu não arriscaria perder alguém como você. Prefiro não ter, do que poder transformar meu valor em poeira. Enquanto a turma da pegada tem motivos para te pegar, eu sigo com minha emoção de te sentir. Posso não deixar rastros na história, é porque a minha essência tem uma só estrada. Ela não corta a selva, mas cruza os campos na direção da tua essência...) 





Das coisas que não dissemos #


Na aula, ela manda mensagem pra ele: 
- “Puxa...você tem mãos muito bonitas...” 
Mas ele não disse pra ela: 
- (Veja bem. Sou mais velho que você. Tenho mais praia, mais cancha, mais experimentos que você. Não vou cair nesse seu jogo de sedução, como se fosse um adolescente. Não me teste, eu não sirvo pra inflar seu ego, nem você pra me fazer de piá. Isso é uma coisa. Outra coisa, é algo que eu não precisaria dizer: nunca me leve pra cama. Pois você tem os pés mais lindos que eu já vi em minhas praias, minhas canchas, meus experimentos. Eu me demoraria neles, muito mais do que você pudesse imaginar, coisa de carinho, algo muito além do sexo. Evito olhar para as suas mãos, porque reconheço que elas não vêm em minha direção, você está voltada para os seus requisitos, digo: obstáculos. Seus pés, a beleza mais perto do chão, da verdade, daquilo que eu admiro. Não é fetiche, é algo que eu só saberia explicar, na cama...na chuva...ou na refazenda.) 





quarta-feira, 23 de março de 2016

Seção SAMBAQUI




É preciso morrer
Apenas um pouco
De tanta coisa que falece em volta
Que a tão vida aqui dentro, descombina
Não harmoniza o suficiente
Para impedir efeitos lá de fora
Inflando um balão no peito
Oprimindo o coração esquerdo
A mente que resiste
Quase vegetativa entre os animais...


Em casa de solidão
Música é multidão
Poesia, falatório
E o silêncio,
Uma prece para deus nenhum...


Alguém disse em voz baixa
Que o homem busca o seu isolamento
Sua experiência,
    a estrada que leva a isso
Ou por vontade própria,
Ou por desesperança
Jamais por causa do destino
Esse implacável sentido
Que não ousamos transformar...


Não admito obituários
Se não integrei listas em vida,
Que por ética,
    se permaneça a indiferença...


Um tempinho
Cerca de algumas horas
Para poder me despedir conforme
Com os recados que ainda não couberam...


Brinco com ela,
    a morte
Jogando palavras em seu colo
Sob vestais aparentes
A púrpura que não beijo...


Grande irmão
Grande para os seus
Faça-me pequeno favor
Levando minhas cinzas até o mar
Sempre lembrando
De que não precisamos chorar
Por quem nunca nos deu alegria...


De inicio,
    pensei em três
Mas a morte pede mais
Um infinito de poesia
Compatível à sua natureza..


Perdi a conta
De quantos velórios eu não fui
De toda aquela gente que ainda não morreu
Mas que há muito me matou...


Um lapso mental
Resgatar um amor
Mas já vem a consciência
Instantânea
Lembrando a frieza
Dos cadáveres relacionais...


O assassino em mim
Não comete crimes
Apenas mata-me aos poucos
E ninguém tem notícia...


Cada dia
Uma sobrevida
A ser comemorada
Em notívaga avenida.


Sentado
Velho já na meia-idade
Perdeu para o tempo
Que contava ter voado..
Digo que é demorado
O intervalo que oferecem
Somos nós quem padece
Por ignorarmos a Física...


Nas redes sociais,
Centenas de amigos
Na espaçosa capela,
Somente os amigos..


Ela nem chegou perto do caixão
Seus óculos escuros,
Lentes enormes disfarçaram
Todo o reverso
Da secura que sempre manteve por ele...


Meus livros
Irão para algum lugar
Talvez uma fogueira ungida
Com este bruxo que desistiu de namorar...


- Ele morreu.
- Quem era ele?
- Alguém que te amou...


Ei!
Vire-se!
A vida está por dentro!